Contribuição da PCR em tempo real para diagnosticar a reativação dos herpes-vírus em imunossuprimidos

A metodologia pode constatar o aumento da viremia e serve até para monitorar a replicação viral

Composta de centenas de vírus envelopados, cujo material genético é representado por DNA de fita dupla, a família Herpesviridae compartilha outras características que estão diretamente implicadas em sua crescente importância médica nas últimas décadas: a propriedade de permanecer em estado latente no hospedeiro após a resolução da infecção primária e a capacidade de reativação posterior – habitualmente, na vigência de disfunções imunológicas.

Embora a primoinfecção por um dos oito tipos de herpes-vírus que acometem naturalmente o ser humano curse, em geral, com sintomas benignos e autolimitados, os quadros clínicos resultantes de sua reativação podem ser especialmente graves no contexto da imunossupressão. E o recente aumento do número e da sobrevida de indivíduos imunossuprimidos – sejam eles transplantados de medula óssea ou de órgão sólido, sejam portadores do HIV ou, ainda, sejam pacientes em tratamento antineoplásico ou em uso de imunobiológicos – acarretou incremento na incidência de doenças causadas por reativação de vírus da família Herpes, assim como maior morbimortalidade relacionada a essas infecções.


Tabela 1 – Características e soroepidemiologia das infecções por herpes-vírus



A dificuldade diagnóstica das entidades clínicas, originada a partir da atividade de agentes outrora latentes, é representada pela impossibilidade de utilizar os métodos sorológicos rotineiros para confirmar tal etiologia. Uma vez que excepcionalmente ocorre o reaparecimento de anticorpos da classe IgM durante essa fase, a presença isolada de imunoglobulinas específicas da classe IgG não se presta a diferenciar a infecção pregressa da doença ativa. Especialmente em populações em que há alta soroprevalência dos herpes-vírus, é essencial o emprego de técnicas de Biologia Molecular para confirmar a replicação viral e, consequentemente, inferir que pode estar ocorrendo reativação. Por outro lado, somente a identificação nas amostras clínicas do DNA pesquisado, por métodos qualitativos, pode ser insuficiente para estabelecer uma relação causal para a sintomatologia presente.


Diante do exposto, merecem destaque as modernas técnicas de PCR em tempo real. Além de possibilitar a identificação do segmento-alvo de ácido nucleico concomitantemente à sua amplificação, a ferramenta viabiliza a quantificação precisa do material genético presente na amostra inicial. Dessa forma, permite avaliar a cinética viral, mediante a realização do exame em amostras seriadas de sangue, constatando o aumento da viremia, o que favorece a hipótese de doença por reativação. Em sítios onde os herpes-vírus geralmente não são detectados com facilidade, como o liquor, a alta sensibilidade do método aumenta as chances de diagnóstico, sendo que a positividade em amostra única tem valor preditivo considerável. Ademais, inúmeros pesquisadores têm buscado validar o uso da PCR em tempo real para monitorar a replicação dos herpes-vírus em pacientes de alto risco como fator preditor de reativação e critério para intervenção terapêutica, antes que se estabeleça doença visceral.


Entre os vírus da família Herpes, a utilidade da PCR em tempo real, tanto como ferramenta diagnóstica quanto como marcador para tratamento preemptivo, é mais amplamente conhecida para o citomegalovírus (CMV), que, na ausência de ações preventivas, tem alta incidência de reativação, apresenta-se clinicamente de variadas formas e representa importante causa de mortalidade em indivíduos imunossuprimidos de diversas etiologias. O mesmo tem ocorrido com o vírus Epstein-Barr (EBV), cuja correlação com doenças linfoproliferativas pós-transplante (PTLD) já está bem estabelecida e sobre o qual há um crescente corpo de evidências que procura embasar a monitoração da carga viral no acompanhamento desse grupo, corroborando o diagnóstico de PTLD e auxiliando a definição prognóstica em tais casos.


Muito além do EBV e do CMV

Contudo, os demais membros da família Herpesviridae também vêm se destacando, nos últimos anos, em virtude de seu comportamento na presença de imunossupressão. Vale ressaltar o vírus varicela-zóster, que, além da forma clássica de reativação como herpes-zóster, em indivíduos com imunidade disfuncional pode manifestar-se com viremia, ocasionando lesões cutâneas disseminadas e visceralização, de maneira muito semelhante aos quadros graves de varicela que eventualmente ocorrem por ocasião da infecção primária. As complicações mais frequentes são a encefalite e a pneumonite e os principais fatores de risco incluem as doenças linfoproliferativas, o uso de imunoglobulina antitimócito, o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas (TCTH) e a doença do enxerto contra o hospedeiro (DECH). Enquanto o diagnóstico do acometimento cutâneo é clínico, a doença visceral pode ser comprovada pela PCR em tempo real no sangue e, especialmente, no liquor e no lavado brônquico.


Mais recentemente, as atenções têm sido direcionadas a outros herpes-vírus que anteriormente tinham importância somente na infância como agentes causadores de doenças exantemáticas, acompanhadas por complicações no sistema nervoso central em menos de 10% das crianças. No contexto da imunossupressão, destaca-se o herpes-vírus do tipo 6 (HHV-6), cuja reativação ocorre em uma grande proporção de receptores de órgão sólido e de TCTH, cursando com rash cutâneo e, nestes últimos, com demora da pega medular. A pesquisa quantitativa do DNA no sangue é um dos testes mais úteis para avaliação da atividade da doença, usualmente indicada por cargas virais em ascensão ou muito elevadas na primeira amostra. A detecção de HHV-6 no liquor é extremamente sugestiva de infecção do SNC, sobretudo depois de excluídas outras causas de meningoencefalite.


Do mesmo modo, cerca de 50% dos transplantados de medula óssea e 20% dos transplantados de órgãos sólidos apresentam reativação da infecção por herpes-vírus do tipo 7 (HHV-7), exibindo sintomas em vias aéreas superiores, vômitos, diarreia e, como entidade mais grave, encefalite. O diagnóstico é possível por meio da detecção do DNA viral em células mononucleares do sangue periférico. Ao contrário do observado com o HHV-6, o nível de viremia em uma amostra isolada não tem correlação direta com a atividade da doença. Assim, nesse grupo de pacientes é essencial a quantificação do DNA do HHV-7 no sangue periférico em, pelo menos, duas amostras, para evidenciar aumento da carga viral, desde que associada à exclusão de outras etiologias.


Por fim, cabe citar o herpes-vírus tipo 8 (HHV-8), sobre o qual, para além da conhecida associação com sarcoma de Kaposi em indivíduos infectados pelo HIV, há estudos baseados no perfil antigênico e em hibridação in situ em tecido tumoral que sustentam sua correlação com o linfoma de efusão primária e com a doença de Castleman multifocal, seja nesses pacientes, seja em transplantados, por demonstrarem a presença de genes e antígenos expressos pelo vírus durante seu ciclo lítico, isto é, replicativo. A detecção do DNA viral no sangue periférico tem sensibilidade inferior à da sorologia em função dos níveis variáveis de viremia. Entretanto, em receptores de transplante de medula óssea ou de órgãos sólidos, a técnica é utilizada para diagnosticar doença em atividade.