Epidemiologia da infecção por HIV no mundo e no Brasil

Estima-se que, no fim de 2010, 34 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HIV mundialmente

Estima-se que, no fim de 2010, 34 milhões de pessoas estavam infectadas pelo HIV mundialmente. Isso representa um aumento de 17% na prevalência desde 2001. Em 2010, ocorreram 2,7 milhões de novas infecções pelo HIV.

Na América Latina, a incidência da doença tem se mantido estável: por volta de 100.000 novos casos por ano desde 2000. No Brasil, de 1980 até junho de 2011, 608.230 casos de aids foram notificados. Em 2010, houve o registro de 34.218 novos casos da doença e a taxa de incidência de aids no País chegou a 17,9 casos por 100.000 habitantes.

É importante notar que ocorreu um fenômeno epidemiológico: o aumento global do número de pessoas vivendo com HIV, que decorre não só do maior número de novas infecções mundialmente, mas também de uma rápida expansão do acesso à terapia antirretroviral, com consequente diminuição dos óbitos relacionados à aids e aumento da sobrevida. Calcula-se que o acesso mais amplo ao tratamento, em vários países do mundo, foi responsável por evitar 2,5 milhões de óbitos relacionados à aids desde 1995, 700.000 deles somente em 2010.

Além da redução da mortalidade, acredita-se que o acesso à terapia antirretroviral também tenha influenciado a ocorrência de novas infecções pelo HIV, uma vez que, suprimindo a replicação do vírus em grande parte dos portadores, possibilita-se a diminuição da carga viral comunitária. Devemos lembrar que a magnitude da detecção do RNA do HIV no sangue e no sêmen está diretamente relacionada com a taxa de transmissão do vírus e, portanto, com a geração de novas infecções. Por outro lado, não foi constatado o mesmo efeito do acesso ao tratamento de aids para outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), incluindo a sífilis, ratificando que o impacto na transmissão viral provém da terapia antirretroviral.

A redução da incidência da doença pode ser observada em 33 países do mundo, dos quais 22 na África Subsaariana. No Brasil, essa tendência também foi notada, porém apenas na Região Sudeste, onde, entre 2000 e 2010, a taxa de incidência caiu de 24,5 para 17,6 casos por 100.000 habitantes. Nas demais regiões, houve tendência oposta: a incidência aumentou de 27,1 para 28,8 no Sul; de 7,0 para 20,6 no Norte; de 13,9 para 15,7 no Centro-Oeste; e de 7,1 para 12,6 no Nordeste.

Com relação à proporção de gênero, no fim de 2010, 50% dos adultos infectados mundialmente eram mulheres, chegando a 59% na África Subsaariana e a 53% no Caribe, quando analisados individualmente. Já na América Latina, um terço (36%) era do sexo feminino. No Brasil, ainda se observam mais casos da doença nos homens do que nas mulheres, mas essa diferença vem diminuindo ao longo dos anos. O aumento relativo do número de casos de aids entre mulheres pode ser avaliado a partir da razão entre os sexos –  número de casos em homens dividido pelo número em mulheres. Em 1989, a razão entre os sexos era de cerca de seis casos no sexo masculino para cada caso no feminino. Em 2010, chegou a 1,7:1. Todavia, entre jovens de 13 a 19 anos, já ocorreu inversão da razão entre os sexos, isto é, há mais casos de aids em  mulheres do que em homens.

No que tange à faixa etária, observa-se, no Brasil, maior incidência na população entre 25 e 49 anos de idade, em ambos os sexos. Entretanto, apesar de os jovens demonstrarem conhecimento relativamente maior sobre a prevenção da aids e de outras DSTs, nota-se uma tendência ao aumento da incidência da infecção por HIV nessa população. Um estudo recente realizado com mais de 35.000 jovens do sexo masculino, de 17 a 20 anos de idade, indica que, em cinco anos, a prevalência da infecção nessa população passou de 0,09% para 0,12%. Como fatores de vulnerabilidade para a aquisição do vírus, destacam-se o número de parceiros sexuais – já que, quanto maior esse número, maior a vulnerabilidade –, a coinfecção com outras doenças sexualmente transmissíveis e o fato de ter relações sexuais com outros homens. O estudo é representativo da população masculina brasileira nessa faixa etária e revela um retrato das novas infecções.

No que concerne à forma de transmissão da infecção por HIV no Brasil, na população com mais de 13 anos de idade predomina a transmissão sexual. Nas mulheres, 83,1% dos casos registrados em 2010 decorreram de relações heterossexuais com pessoas infectadas pelo HIV. Entre os homens, 42,4% dos casos se deram por relações heterossexuais e 22%, por relações homossexuais – 7,7% deles eram bissexuais. O restante ocorreu por transmissão sanguínea ou vertical.

Apesar de o número de casos no sexo masculino ainda ser maior entre heterossexuais, há algumas modificações epidemiológicas, como o aumento de 10,1% de casos na população de homens que fazem sexo com homens (HSH) entre 15 e 24 anos. Em 2010, para cada 16 HSHs dessa faixa etária vivendo com aids, havia dez heterossexuais. Essa relação, em 1998, era de 12 para 10.

Atento a essa realidade, o governo brasileiro tem desenvolvido e fortalecido diversas ações para que a prevenção se torne um hábito na vida dos jovens. A distribuição de preservativos no país, por exemplo, cresceu mais de 60% entre 2005 e 2010 – de 202 milhões para 327 milhões de unidades. Os jovens são os que mais retiram preservativos no Sistema Único de Saúde (37%). Um modelo matemático, desenvolvido a partir dos dados da Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas Relacionadas às DSTs e à Aids da População Brasileira (PCAP), realizada com pessoas de 15 a 64 anos de idade em 2008, mostra que quanto maior o acesso à camisinha no SUS, maior o seu  uso.

Além do uso adequado e frequente de preservativo, outros métodos se mostraram importantes na prevenção da infecção pelo HIV: a circuncisão masculina adulta para diminuir a transmissão mulher-homem, o emprego de antirretrovirais como profilaxia pré-exposição (PrEP), uma vez por dia, para reduzir o risco de infecção pelo HIV em certas populações e, novamente, o tratamento dos infectados. Um estudo recente realizado pelo HIV Prevention Trials Network (HPTN) demonstrou que o tratamento de uma pessoa infectada pelo HIV com drogas antirretrovirais pode diminuir drasticamente a probabilidade da transmissão viral entre parceiros heterossexuais e sorodiscordantes.

Em conclusão, para acabar com a pandemia da aids, não basta apenas tratar a infecção pelo HIV, mas também prevenir que novas infecções ocorram. Nenhuma modalidade única de prevenção será suficiente. Em vez disso, uma combinação de ferramentas profiláticas cientificamente comprovadas poderá controlar a pandemia e, possivelmente, criar uma geração livre de aids.

Referências bibliográficas
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2. Boletim Epidemiológico Aids e DST 2011
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*Sobre o autor:
Bruno Scarpellini é médico infectologista e epidemiologista do Grupo Fleury.