Fraturas por uso crônico de alendronato

Essa ação leva a um incremento na espessura e na mineralização das trabéculas ósseas

O alendronato foi o primeiro bisfosfonato utilizado no tratamento da queda da densidade óssea associada com osteoporose e mostrou eficácia comprovada na redução do risco de fraturas vertebrais e não vertebrais. No entanto, após sua utilização, surgiram várias publicações demonstrando uma associação paradoxal entre seu uso prolongado e o surgimento de fraturas femorais de baixa energia. Não se sabe se essa associação é válida para todas as classes de bisfosfonatos ou se está limitada unicamente ao alendronato, pois a maioria dos estudos tem se centrado sobre esse fármaco, que é o mais amplamente utilizado. De qualquer modo, dois relatos de caso com fraturas semelhantes foram publicados em pacientes que receberam ácido zoledrônico e risedronato de sódio.

Em 2003, surgiram os primeiros trabalhos que associaram um efeito adverso nos ossos relacionado ao uso prolongado de bisfosfonatos. O estudo inicial descreveu uma série de 36 casos de osteonecrose de ossos gnáticos em pacientes em uso crônico dessas medicações, sem outros fatores predisponentes. A etiopatogenia para o desenvolvimento dessa patogenia permanece pouco clara, bem como sua predileção por óssos gnáticos, sendo a mandíbula mais acometida que a maxila. Posteriormente, apareceram as descrições das fraturas relacionadas ao uso crônico de bisfosfonatos, que são conhecidas como atípicas, pois tendem a acometer a região subtrocantérica após trauma mínimo ou ausente, diferentemente das clássicas fraturas diafisárias por traumas de alta energia.

Os bisfosfonatos são análogos dos pirofosfatos endógenos e possuem alta afinidade pelos tecidos mineralizados, atuando em sítios de grande formação e reabsorção óssea. São utilizados no tratamento da osteoporose, da osteogênese imperfeita, da displasia fibrosa, da doença de Paget e de mielomas múltiplos, assim como nas metástases ósseas de vários tipos de neoplasias malignas. Na prática, induzem a apoptose dos osteoclastos, reduzindo a reabsorção óssea. Essa ação leva a um incremento na espessura e na mineralização das trabéculas ósseas, com consequente aumento de sua densidade, porém acaba por promover um remodelamento e um reparo anormal dessas estruturas. Tal efeito reduz, de forma comprovada na literatura, o risco de fraturas vertebrais e do colo femoral, nas quais há predomínio de forças de compressão. Contudo, em locais em que há forças não só de compressão, mas também de tensão, como na convexidade da região subtrocanteriana femoral, esse osso enrijecido (frozen bone) e com um trabeculado anormal pode ter uma resistência reduzida – está aí, portanto, uma das hipóteses para o surgimento da fratura atípica na convexidade da região subtrocanteriana.

Vale lembrar que uma condição clínica que também cursa com aumento da densidade óssea, mas que resulta em fragilidade dos ossos e maior risco de fraturas, é a osteopetrose, na qual, inclusive, a fratura mais comum é a subtrocanteriana. Em 2007, Weintein e col. demonstraram uma associação entre o uso prolongado de alendronato e o aumento do número de osteoclastos gigantes, provavelmente disfuncionais, de modo similar a formas encontradas na osteopetrose autossômica dominante do tipo II.

Características da fratura atípica por alendronato
Os artigos com maior casuística sugerem padrões clínicos e de imagem característicos. Clinicamente, alguns pacientes podem referir sintomas prodrômicos de dor na face lateral da coxa e ou não há história de trauma ou este é de baixa energia. Já as características de imagem incluem localização subtrocantérica; traço de fratura iniciado na face lateral e em progressão medial, sendo quase sempre transverso, diferentemente das fraturas traumáticas, oblíquas; espessamento da cortical lateral da região subtrocantérica no sítio do início da fratura, que pode denunciá-la antes mesmo de sua identificação pelos métodos de imagem; bilateralidade frequente; bico medial nas fraturas completas; angulação em varo e desvio superior do fragmento distal.

Como principais diagnósticos diferenciais, devem ser considerados a fratura patológica, que também ocorre com trauma ausente ou mínimo, mas com frequência a lesão subjacente é facilmente percebida pelos exames de imagem, diferentemente da fratura em questão, na qual não há lesão subjacente, assim como fraturas por estresse, que acometem o colo e sua face medial (calcar), e as zonas de Looser da osteomalacia, que ocorrem na zona de carga de compressão da cortical medial femoral, e não na lateral.

Diagnóstico
O estudo radiográfico nos parece ser o método de avaliação inicial desses pacientes. Caso haja suspeita clínica e as radiografias sejam normais ou inconclusivas, a ressonância magnética está indicada, por se tratar de um método mais sensível. A tomografia computadorizada costuma ser mais útil em dúvidas diagnósticas, que são incomuns, ou para esclarecimentos quanto à evolução terapêutica, principalmente após cirurgias.

A associação de fraturas do fêmur proximal com uso do alendronato em longo prazo requer amplo estudo futuro. Até o momento, não há consenso sobre a duração adequada da terapia com alendronato em pacientes com osteoporose e, mais especificamente, em pacientes com fraturas do fêmur proximal associadas. Além disso, não está claro qual grupo de pacientes é mais suscetível ao desenvolvimento de fraturas do fêmur proximal, bem como quais marcadores clínicos podem anunciar o aparecimento dessas lesões. Independentemente disso, a associação de alendronato com fraturas do fêmur indica que é necessária uma maior cautela na administração e no acompanhamento do tratamento com bisfosfonatos.

Atualmente, quando se identifica uma fratura iniciada na face lateral da região subtrocantérica, cabe pensar na associação com o uso crônico de bisfosfonatos e fazer o estudo do quadril contralateral. Da mesma forma, em todo paciente em uso crônico de bisfosfonato com dor na face lateral da coxa convém pensar na possibilidade de fratura incompleta. Esse tipo de raciocínio possibilita diagnósticos mais precoces, evita confusões diagnósticas e possibilita medidas terapêuticas adequadas.