Investigação de neutropenia febril

As infecções pregressas do paciente devem ser consideradas para definir o espectro dos agentes

Os recentes avanços diagnósticos e terapêuticos relacionados às neoplasias malignas têm proporcionado maior sobrevida aos pacientes acometidos por essas afecções. Por outro lado, esse contexto requer que clínicos, hematologistas, oncologistas e infectologistas estejam aptos a conduzir pronta e eficientemente uma das mais relevantes condições advindas de modo adverso dos tratamentos onco-hematológicos: a neutropenia febril.

Entre 10% e 50% dos pacientes com neutropenia decorrente da quimioterapia para tumores sólidos desenvolve febre em algum dos ciclos terapêuticos. A proporção entre aqueles em tratamento para doenças malignas hematológicas é ainda maior, podendo chegar a 80%. De todos os episódios febris associados à neutropenia, somente de 20% a 30% relacionam-se a infecções que poderão ser documentadas. No entanto, por peculiaridades desse tipo de imunossupressão, a distinção de quais pacientes de fato apresentam um processo infeccioso ativo, que pode progredir rapidamente para gravidade e óbito, não é uma tarefa simples.

Ao longo dos anos, os estudos científicos demonstraram, de maneira irrefutável, que os melhores resultados são obtidos para pacientes que recebem antibióticos de amplo espectro rapidamente após a apresentação da febre associada à neutropenia. No sentido de padronizar a conduta para a instituição da terapia empírica nesses indivíduos, com base nas evidências científicas disponíveis e objetivando os melhores desfechos, a Infectious Diseases Society of America (IDSA) publicou, em 1997, diretrizes práticas para o uso de agentes antimicrobianos em pacientes neutropênicos com câncer, um documento que passa por revisões periódicas. A última edição, publicada em fevereiro de 2011, trouxe modificações substanciais em relação à versão anterior, de 2002, sobretudo no que diz respeito à estruturação de critérios para a estratificação de risco desses pacientes, que tem se demonstrado essencial para a definição da estratégia profilática e terapêutica de maneira racional e com a melhor relação risco-benefício possível.

Estratificação de risco de evolução desfavorável em neutropênicos febris

Diante de um paciente que apresenta febre durante o período de neutropenia pós-quimioterapia, a classificação do risco de complicações infecciosas graves em baixo ou alto permite que o clínico defina aspectos fundamentais da terapia indicada, como o espectro dos agentes antimicrobianos escolhidos, o tempo e o local de tratamento – em regime ambulatorial ou em internação. Ademais, esse mesmo nível de risco será fundamental para a definição das profilaxias necessárias para os próximos ciclos terapêuticos, potencialmente indutores de neutropenia.

O painel de especialistas considera de alto risco os indivíduos que apresentam, ou para os quais se espera, neutropenia grave (abaixo de 100 células/mm3) e prolongada (acima de sete dias) e/ou aqueles que evidenciem qualquer das seguintes manifestações indicativas de gravidade clínica: sinais de instabilidade hemodinâmica; sintomatologia respiratória, sobretudo se associada a hipoxemia ou infiltrado de surgimento recente em imagem pulmonar; alterações de nível de consciência ou outros sinais neurológicos; dor abdominal de início recente; presença de mucosite que dificulte a deglutição ou provoque diarreia importante; sinais de infecção relacionada a cateter venoso central; e alterações laboratoriais que revelem disfunção hepática ou renal. Tais pacientes devem ser tratados precocemente em regime de internação com antibioticoterapia intravenosa e de amplo espectro.

Somente podem ser considerados de baixo risco os pacientes que provavelmente terão a neutropenia resolvida em menos de sete dias e que não apresentem nenhuma das condições mórbidas enumeradas anteriormente. Esses indivíduos são elegíveis para terapia ambulatorial e, eventualmente, drogas por via oral, desde que possam ser reavaliados prontamente perante modificações do quadro clínico. As infecções pregressas do paciente devem ser consideradas para definir o espectro e a via de administração dos agentes antimicrobianos. Tais características são encontradas mais frequentemente – mas não de modo exclusivo – naqueles que recebem quimioterapia citotóxica para neoplasias sólidas.

Mais recentemente, os critérios descritos anteriormente têm sido associados a uma escala objetiva de risco desenvolvida pela Multinational Association for Supportive Care in Cancer (MASCC), que atribui pesos a determinados aspectos clínicos e laboratoriais e classifica em baixo risco os indivíduos que atingem pontuação superior a 21 (veja tabela).

Recursos para investigação e tratamento preemptivo de infecções fúngicas

A maior parte dos episódios febris relacionados à neutropenia tem etiologia bacteriana. Entretanto, a probabilidade de infecção fúngica invasiva aumenta com o tempo de neutropenia, especialmente após uma semana de antibioticoterapia empírica de amplo espectro.

Apesar da ocorrência relativamente comum de infecções mucocutâneas superficiais pelas diversas espécies de Candida na vigência de imunossupressão, os processos infecciosos invasivos e/ou viscerais por esse gênero de levedura ocorrem com menor frequência. Por outro lado, a presença de mucosite induzida por quimioterápicos é um fator de risco para candidemia, uma vez que há quebra da barreira mucosa do trato gastrointestinal, facilitando a infecção por translocação, sobretudo a partir do cólon. É possível isolar as espécies de Candida nos meios empregados usualmente em hemoculturas para bactérias aeróbias. Contudo, na suspeita dessa etiologia, a coleta de sangue em balões específicos para fungos aumenta a sensibilidade para a recuperação de Candida não albicans, como C. glabrata. Indivíduos que usam fluconazol profilaticamente – situação frequente entre pacientes com neoplasias hematológicas e transplantados de células-tronco hematopoéticas – apresentam incidência aumentada de candidemia por essa espécie, que tem sensibilidade reduzida à droga. Portadores de cateter vascular de longa permanência também estão sob risco de infecção de corrente sanguínea exógena por Candida não albicans, sobretudo a C. parapsilosis.

Na presença de lesões orais e disfagia, pode também ser indicada uma endoscopia digestiva alta, que, em condições habituais, não aumenta o risco de bacteriemia e, portanto, só é contraindicada diante de plaquetopenia grave. A possibilidade de realização de biópsias, oferecida pelo método, também contribui para o diagnóstico diferencial com outras causas de esofagite, como infecção por Herpes simplex e citomegalovírus.

As infecções fúngicas de maior morbidade em neutropênicos são causadas por fungos filamentosos. A mortalidade de pacientes diagnosticados com infecções dessa natureza é de 70% a 90% ao ano. Os sítios mais comuns são os pulmões e os seios da face, especialmente depois da segunda semana de neutropenia. Os agentes mais frequentes são do gênero Aspergillus, responsáveis por cerca de 90% dos casos de acometimento pulmonar, a maior parte na sua forma angioinvasiva, e até 80% dos casos de envolvimento dos seios paranasais, na forma invasiva aguda. Podem ocorrer, com menor incidência, zigomicoses e infecções por Fusarium sp.

Desse modo, a investigação de aspergilose invasiva (AI) é mandatória em neutropênicos febris, sobretudo naqueles que persistem com febre depois de quatro a sete dias de uso de agentes antibacterianos de amplo espectro, e para os quais se espera tempo de neutropenia superior a dez dias. Para esses indivíduos, pode ser recomendada a introdução empírica de drogas antifúngicas, no entanto, nos últimos anos, a estratégia preemptiva de tratamento tem sido aceita para um subgrupo selecionado entre os pacientes de alto risco.

Contribuição da tomografia computadorizada

No que diz respeito à investigação, a tomografia computadorizada (TC) tem um papel fundamental para o diagnóstico das infecções fúngicas pulmonares e sinusais em pacientes neutropênicos. Não só é capaz de demonstrar alterações que não são detectadas pela radiografia simples, como também é superior a esse método para definir o padrão de distribuição e a extensão das lesões, além de ter maior acurácia para a constatação de complicações.

As principais alterações tomográficas encontradas nas pneumonias por fungos filamentosos em neutropênicos são nódulos e/ou massas, consolidações e opacidades em vidro fosco. Os nódulos podem estar associados a um halo com atenuação em vidro fosco (sinal do halo) e frequentemente apresentam áreas de escavação. No estudo histológico, o nódulo observado corresponde a uma área central de necrose, enquanto o halo traduz área de edema e hemorragia ao seu redor. Tais alterações decorrem histopatologicamente da invasão de vasos pulmonares de pequeno e médio calibre pelo fungo, com subsequente trombose e necrose isquêmica do parênquima pulmonar. Em conjunto, esses achados à TC, em um paciente neutropênico, têm alto valor preditivo positivo para o diagnóstico de pneumonia por fungo filamentoso. A confirmação por biópsia deve ser ponderada mediante os riscos inerentes ao procedimento.

Já em relação às sinusites fúngicas associadas à neutropenia, as principais manifestações tomográficas são o espessamento da mucosa de revestimento e a presença de conteúdo hiperatenuante ou com densidade de partes moles na cavidade nasal e nos seios paranasais acometidos. Frequentemente há invasão intracraniana ou intraorbital das lesões, sendo observadas áreas de erosão e destruição óssea das paredes dos seios paranasais e extensão do acometimento para essas regiões. O achado mais precoce na TC, porém não específico, é a presença de extenso espessamento unilateral da mucosa da cavidade nasal.

Os sinais tomográficos que guardam correlação com as infecções fúngicas invasivas em neutropênicos são também de grande utilidade para a estratégia preemptiva de tratamento. Entende-se por terapia antifúngica preemptiva aquela instituída de maneira mais direcionada que a empírica, apenas para os pacientes que apresentam achados sugestivos de etiologia fúngica, seja nos exames de imagem, conforme descrito, seja em testes sorológicos.

Uso dos marcadores séricos

Pelo menos três marcadores séricos de infecção fúngica invasiva vêm sendo extensamente estudados com o objetivo de se tornarem ferramentas para avaliar a indicação de terapia antifúngica para neutropênicos febris: o DNA do Aspergillus, detectado por PCR em tempo real, e dois antígenos da parede celular dos fungos, detectáveis por ensaios sorológicos – a β-(1,3)-D glucana e a galactomanana. Esta última já conta com um corpo mais robusto de evidências científicas e já está disponível comercialmente em nosso meio.

A detecção de galactomanana é viável por meio de ensaios sorológicos imunoenzimáticos (Elisa), que estão indicados para a investigação de aspergilose invasiva somente em pacientes de alto risco, dada a baixa prevalência dessa entidade na população de baixo risco, pelos critérios já descritos. A sensibilidade do teste em uma única amostra ainda é insuficiente, de modo que um único resultado negativo não é definitivo para a exclusão diagnóstica. Recomenda-se que, pelo menos, dois resultados positivos sejam obtidos em amostras distintas para que a positividade do teste seja considerada clinicamente significativa e útil para a indicação de terapia preemptiva. A obtenção de amostras seriadas para a monitoração de pacientes afebris e sem suspeita de infecção invasiva permanece controversa.

É importante ressaltar que os testes de galactomanana não são capazes de diagnosticar infecções por outros fungos filamentosos – como Mucor, Fusarium e Scedosporium –, que, apesar de raros, têm adquirido cada vez mais importância epidemiológica com o aumento do número e da sobrevida de indivíduos imunossuprimidos, com destaque para os zigomicetos (Mucor, Rhizopus e Absidia) após o advento da profilaxia com voriconazol.

A sensibilidade e a especificidade dos testes baseados em galactomanana foram avaliadas recentemente em uma metanálise (Cochrane Database System Reviews, 2008) para diversos pontos de corte, em populações de imunossuprimidos com uma prevalência mediana de AI em torno de 8%. Apesar da heterogeneidade dos 30 estudos incluídos, os valores obtidos confirmaram a utilidade dos testes como uma ferramenta adjuvante para a indicação de terapia antifúngica preemptiva, que, conforme o painel de especialistas, pode aumentar o poder diagnóstico e reduzir o número de tratamentos desnecessários, quando associados aos achados tomográficos e analisados de maneira ponderada e individualizada.

Mais recentemente, tem sido averiguada a utilidade da detecção de galactomanana em lavado broncoalveolar (LBA) para o diagnóstico de AI, uma vez que a obtenção de amostras de LBA está associada a uma menor incidência de complicações quando comparada à biópsia pulmonar. Aparentemente, nesse material os ensaios atingem maior sensibilidade em relação aos realizados em soro, o que permite elevar o ponto de corte, para melhorar a especificidade, sem prejuízo do poder diagnóstico. Entretanto, o ponto de corte ideal ainda não está estabelecido.