Leucoencefalopatia multifocal progressiva induzida por vírus JC

Embora atualmente a Lemp seja considerada doença indicativa de aids, recentemente têm sido descritos

A leucoencefalopatia multifocal progressiva (Lemp) é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central (SNC) que decorre da infecção pelo vírus JC (JCV). As primeiras descrições de suas características patológicas datam da década de 1930, mas somente em 1971 foi confirmada sua etiologia infecciosa, quando ocorreu o isolamento de um vírus neurotrópico em culturas de células gliais inoculadas com extrato do cérebro de um indivíduo com a doença. O genoma desse vírus – batizado como JC por serem essas as iniciais do paciente de cujo cérebro ele foi obtido – foi sequenciado em 1984. Trata-se de um poliomavírus com material genético constituído por DNA.

Segundo estudos soroepidemiológicos, de 75% a 80% da população é infectada pelo JCV. Dessas infecções, aproximadamente metade é adquirida na infância. Como não há relatos de manifestações clínicas agudas que ocorram no momento da primoinfecção, torna-se difícil determinar a via de transmissão. Sabe-se que a principal via de eliminação do agente é a urinária e a aquisição possivelmente se dá por via oral ou inalatória.

A sintomatologia relacionada à Lemp deriva do envolvimento da substância branca de múltiplas regiões do sistema nervoso central, em decorrência da infecção lítica viral dos oligodendrócitos – células da glia cuja função é mielinizar os axônios que partem dos corpos neuronais corticais e se projetam na substância branca. Os hemisférios cerebrais são os mais frequentemente acometidos, mas pode haver lesões cerebelares e em tronco cerebral.

O sintoma mais comum é o déficit visual, observado em 35% a 45% dos casos, embora as manifestações mais características incluam os transtornos cognitivo-afetivos, caracterizados por labilidade emocional, déficit de memória e demência progressiva, eventualmente com alterações comportamentais, que atingem um terço dos indivíduos. As manifestações motoras são mais tardias na evolução da doença e apresentam-se com sinais deficitários focais do tipo síndrome do neurônio motor superior. De modo geral, a progressão lenta é a regra, com evolução para óbito depois de quatro a seis meses.

Complicação do tratamento da EM com anticorpo monoclonal

Até o início da década de 1980, a Lemp era tida como uma complicação rara de doenças linfoproliferativas em pacientes com idade avançada, com incidência tão baixa quanto 0,07%. Todavia, a epidemia de aids mudou radicalmente o comportamento natural da doença, que começou a afetar todas as faixas etárias, independentemente da concomitância com doenças onco-hematológicas, chegando à incidência de 5% entre indivíduos infectados por HIV. Desse modo, passou a ser considerada uma doença associada à aids.

Por outro lado, recentemente têm sido descritos casos de Lemp em pacientes com doenças inflamatórias crônicas, a exemplo de esclerose múltipla (EM) e doença de Crohn, tratados com anticorpos monoclonais específicos, como natalizumab. Assim, a sobreposição de Lemp torna-se uma temida complicação da introdução dessa nova modalidade terapêutica para EM, dada a predisposição específica, conforme a literatura recente. Nesse contexto, os estudos por ressonância magnética têm papel fundamental, pois possibilitam a suspeita precoce da doença, mesmo sem manifestações clínicas evidentes.

As imagens obtidas por esse método exibem lesões na substância branca, com hipersinal em T2 e Flair, multifocais e assimétricas, com pouco ou nenhum efeito de massa. Em T1, é comum apresentarem-se com hipossinal, que se torna mais evidente em exames seriados ao longo da evolução da doença. A localização habitual é a subcortical, tendendo a se distribuir com interdigitações nos giros e sulcos cerebrais. Tipicamente, não há realce pelo gadolínio, porém a impregnação pode ocorrer de maneira irregular em cerca de 10% dos casos.

O padrão de imagens na Lemp permite a sua diferenciação com as lesões desmielinizantes produzidas pela esclerose múltipla do tipo surto-remissão (EMSR): a Lemp habitualmente poupa a medula espinhal e os nervos ópticos; as lesões de Lemp costumam ser maiores, mais difusas e com limites menos precisos; ao contrário da EMSR, a Lemp tende a acometer as regiões justacorticais e poupar as periventriculares; o realce por contraste é menos frequente e esparso e tem distribuição mais periféricas na Lemp, em comparação com as lesões da EMSR.

Contudo, a caracterização de imagens sugestivas de Lemp num paciente em tratamento com anticorpos monoclonais impõe a confirmação etiológica. A biópsia estereotáxica é considerada o padrão-ouro para esse diagnóstico, uma vez que propicia a obtenção de amostra de tecido nervoso para demonstrar a presença do JCV por técnicas imuno-histoquímicas e de hibridação in situ. Atualmente, porém, a alta sensibilidade da PCR no liquor, que pode detectar até dez cópias de DNA viral no volume total da amostra, torna esse exame o mais confiável para tal finalidade, com melhor relação risco-benefício. Afinal, trata-se de uma técnica não apenas menos invasiva e com menor risco de complicações, mas também mais acessível na maioria dos cenários de investigação.