Modificações do coração do atleta

Atletas de elite podem apresentar uma adaptação do sistema cardiovascular

Atletas de elite podem apresentar uma adaptação do sistema cardiovascular como consequência do treinamento intensivo ao qual são submetidos. Essas mudanças incluem principalmente o aumento do diâmetro diastólico e da espessura das paredes do ventrículo esquerdo e, consequentemente, uma elevação de seu índice de massa.

Um estudo analisou 1.309 atletas de diversas modalidades e mostrou que 55% deles apresentavam um aumento do diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo. Particularmente, 15% dos atletas de prova de resistência (maratonistas, por exemplo) demonstravam diâmetro diastólico final maior que 60 milímetros. Por outro lado, um estudo com 947 atletas mostrou que a maioria deles tinha septo interventricular menor que 13 milímetros e que, em apenas 1,7% desses indivíduos, o septo media entre 13 e 16 milímetros. Essa alteração é mais evidente em atletas que praticam esportes ou atividades resistivas, ou força, como levantadores de peso, nos quais o aumento da cavidade é mais discreto ou mesmo inexistente.

A combinação de aumento da espessura com diâmetro diastólico normal ou pouco aumentado pode caracterizar o padrão geométrico conhecido como hipertrofia ventricular concêntrica, se o índice de massa for elevado, ou o padrão de adaptação concêntrica, se o índice de massa do ventrículo esquerdo for normal. Na maioria das vezes, porém, essas adaptações regridem algumas semanas após a interrupção do treinamento físico.

Há, entretanto, uma “zona cinzenta” em que tais alterações podem gerar dúvidas quanto à sua etiologia, ou seja, se decorrem da natureza adaptativa da prática do esporte ou se resultam de alguma doença. Essa é a grande preocupação dos médicos, uma vez que a morte súbita em atletas, apesar de ser rara (3,6 mortes/100.000 por ano nos Estados Unidos), tem grande impacto familiar e social, além de repercussão na mídia.

Conforme dados norte-americanos, a cardiomiopatia hipertrófica é responsável por um terço dessas mortes (veja outras causas no quadro abaixo). Portanto, é fundamental identificar e diferenciar esses pacientes, missão em que o ecocardiograma bidimensional tem um papel importante.

O coração do atleta mostra, geralmente, uma hipertrofia excêntrica, com espessura da parede menor que 15 milímetros e uma cavidade ventricular normal ou discretamente aumentada. Na CMPH, a cavidade pode ser normal ou até mesmo diminuída, podendo ter septo interventricular maior que 15 milímetros e relação septo/parede posterior maior que 1,3 (hipertrofia assimétrica). Nesta doença, a função diastólica está com frequência alterada, com possível aumento do átrio esquerdo, mas com função sistólica normal ou aumentada. Eventualmente, pode haver obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo pela hipertrofia septal assimétrica, associada ao movimento anterior sistólico da valva mitral. Formas menos frequentes da doença, como hipertrofia apical ou lateral, podem também ocorrer e ser detectadas ao ecocardiograma. No caso do atleta saudável, as funções sistólica e diastólica estão sempre normais, a relação da espessura septal com a da parede posterior usualmente é normal e não há movimento sistólico anterior da valva mitral.

Outros dados ainda devem ser levados em conta para fazer essa diferenciação: história na família de morte súbita ou CMPH, alterações do eletrocardiograma e grau de tolerância ao exercício. Se o ecocardiograma não for suficientemente esclarecedor, outros exames, como a ressonância cardíaca, podem ser necessários para complementar a investigação. O diagnóstico correto pode, por um lado, prevenir alguns atletas da morte súbita e por outro, liberar a maioria para a prática esportiva.

Devemos, então, solicitar o ecocardiograma para todos os atletas competitivos? A resposta é não. Esse exame é relativamente caro e impraticável para o rastreamento de grandes populações. Conforme estabelecido pela Sociedade Europeia de Cardiologia e o Comitê Olímpico Internacional, o eletrocardiograma de repouso, a história clínica do paciente e seus antecedentes familiares, assim como um bom exame físico, são suficientes para identificar aqueles com maior risco de morte súbita. Se algum dado dessa primeira avaliação for suspeito, o ecocardiograma deve ser realizado, da mesma forma que outros exames complementares necessários.

Principais causas de morte súbita em atleta:

Cardiomiopatia hipertrófica

Displasia arritmogênica do ventrículo direito

Coronariopatias

Cardiopatia dilatada

Doenças do sistema de condução

Miocardite

Ponte miocárdica

Prolapso da valva mitral

Doenças congênitas, incluindo origem anômala de artérias coronárias

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