Nova versão dos critérios de McDonald reforça o papel da ressonância magnética no diagnóstico da esclerose múltipla

Os critérios atualmente empregados são somente aplicáveis a pacientes com manifestações clínicas

Introdução

Atualmente, acredita-se que a esclerose múltipla (EM) seja uma doença imunomediada pela interação entre a predisposição genética do indivíduo e os fatores ambientais ainda não completamente compreendidos. Dessa forma, o sistema imunológico agride o que é próprio, a partir da exposição a uma molécula com estrutura similar (mimetismo molecular), e as células T passam a não reconhecer a mielina como própria e desencadeiam uma reação inflamatória com o envolvimento das células B.

A doença leva à destruição da mielina e, secundariamente, pode acometer o axônio. Envolve os tratos nervosos longos e, com frequência, determina distúrbios visuais, motores, sensitivos, autonômicos, cognitivos e da marcha.

Apesar de, há décadas, conhecermos um modelo experimental para a doença (encefalite alérgica experimental), ainda hoje não há marcador biológico conhecido. Desde os trabalhos originais de Jean-Martin Charcot (1868), busca-se a descrição de sinais e sintomas clínicos e paraclínicos que permitam esse diagnóstico e, a partir do reconhecimento de que a história natural do comprometimento neurológico pode ser afetada com a instituição precoce de imunomoduladores, tornou-se premente o estabelecimento de critérios para diagnosticar precocemente a enfermidade.

Os critérios atualmente empregados são somente aplicáveis a pacientes com manifestações clínicas, mesmo que isoladas, sugestivas de EM – ou seja, com síndrome clinicamente isolada (CIS) –, ou com sintomas consistentes com uma doença inflamatória desmielinizante do SNC. Dessa maneira, o diagnóstico de EM exige a demonstração de sinais de disseminação no tempo (DIT) e no espaço (DIS), sejam clínicos, sejam paraclínicos.

A ressonância magnética tem papel fundamental nesse contexto e, a partir da revisão dos critérios diagnósticos em 2011, ganhou maior relevância com sua simplificação, sem perda de sensibilidade e do valor preditivo positivo.

Revisão dos critérios diagnósticos de McDonald

Os critérios diagnósticos para EM incluem dados clínicos e paraclínicos que enfatizam a necessidade de demonstrar DIT e DIS, assim como de excluir diagnósticos alternativos.

Desde a virada do século, a aplicação dos critérios de McDonald resultou em diagnóstico precoce da enfermidade com um elevado grau de especificidade e sensibilidade, permitindo melhor orientação aos pacientes e tratamento precoce. Desse modo, a disseminação no tempo e espaço pôde ser provada meramente por estudos de RM e, consequentemente, um indivíduo com CIS e novas lesões na RM, após três a seis meses, passou a ser classificado como portador de EM, mesmo sem novo surto clínico.

Em 2005, esses critérios foram revisados, mantendo o mesmo enfoque, mas buscando sua simplificação. No início deste ano, a partir de novas evidências e consenso, e também com o objetivo de simplificar os critérios diagnósticos e sua disseminação, preservando sua sensibilidade e especificidade, bem como de permitir um diagnóstico mais precoce, foi possível a publicação de uma nova revisão. O uso dos exames de ressonância magnética ganhou força e os critérios diagnósticos foram simplificados, robustecendo sua utilização para a demonstração da disseminação temporal e espacial das lesões, o que, em algumas circunstâncias, pode ser estabelecido com apenas um exame.

Embora o diagnóstico possa ser feito exclusivamente com dados clínicos, a ressonância magnética tem papel de destaque nesse contexto, apoiando, complementando ou mesmo substituindo alguns critérios clínicos.

Em maio de 2010, em Dublin, Irlanda, o Painel Internacional sobre Diagnóstico de EM (Painel) reuniu-se pela terceira vez para examinar os requisitos para demonstrar a disseminação no espaço e no tempo e centrar-se na aplicação dos critérios de McDonald em populações pediátricas, asiáticas e latino-americanas.

Em suas discussões, o Painel enfatizou que os critérios de McDonald devem ser aplicados somente naqueles pacientes que apresentam uma CIS, sugestivos de EM, ou com sintomas consistentes com uma doença inflamatória desmielinizante do SNC, pois o desenvolvimento e a validação dos critérios têm se limitado a tais apresentações. A CIS pode ser monofocal ou multifocal e normalmente envolve o nervo óptico, tronco cerebral/cerebelo, medula espinhal ou hemisférios cerebrais.

Novos critérios de RM para o diagnóstico de disseminação no espaço (DIS)

Nas versões anteriores dos critérios de McDonald, a DIS demonstrada por ressonância magnética era baseada nos critérios de Barkhof/Tintoré, que, apesar de terem boas sensibilidade e especificidade, são de difícil aplicação prática por não especialistas.

Dessa forma, passa-se a aceitar, como critério de DIS, a caracterização de, pelo menos, uma lesão em T2 em, ao menos, dois dos quatro locais considerados característicos de EM, conforme especificado nos critérios originais de McDonald (justacortical, periventricular, infratentorial e medula espinhal). A impregnação pelo gadolínio não é necessária para a caracterização de DIS. Além disso, se a manifestação clínica do paciente está relacionada com o comprometimento de tronco cerebral ou medula, a lesão sintomática (ou lesões) deve ser desconsiderada na contagem (figura 1).

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Novos critérios de RM para o diagnóstico de disseminação no tempo (DIT)

A revisão de 2005 dos critérios de McDonald já havia simplificado a evidência necessária para a caracterização por imagem de DIT, baseando-se no aparecimento de uma nova lesão em T2 em um novo exame de RM realizado 30 dias após o início do evento clínico inicial. Na prática clínica, no entanto, essa demanda impõe o custo adicional de outro exame para confirmar um diagnóstico. Desse modo, os novos critérios abandonam a exigência do intervalo temporal e, assim, a DIT passa a ser demonstrada pela caracterização de uma nova lesão em T2 e/ou pela caracterização de uma ou mais lesões com impregnação pelo gadolínio no exame de acompanhamento evolutivo, independentemente do tempo decorrido após o primeiro exame.

Estudos recentes demonstraram que, em pacientes com CIS típica, um estudo único de RM que demonstra DIS e apresenta lesões com impregnação pelo gadolínio, acometendo topografias sintomáticas e assintomáticas, tem alto valor preditivo para a evolução para EM clinicamente definida. Dessa forma, a revisão dos critérios aceita que a caracterização simultânea de lesões assintomáticas com impregnação pelo gadolínio e lesões sem impregnação substitui um exame de acompanhamento para confirmar a DIT (figura 2). Portanto, desde que respeitados os critérios descritos, a DIT, além da DIS, pode agora ser eventualmente caracterizada em um único exame de RM.

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Aplicação dos novos critérios propostos

A tabela abaixo resume a aplicação dos critérios propostos a cada uma das situações clínicas possíveis.

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Os clientes que realizam exames para a investigação de doenças desmielinizantes no Fleury contam com um serviço adicional: o Relatório Integrado de Doenças Desmielinizantes. Esse documento, que tem sido emitido há pouco mais de um ano, reflete a opinião dos assessores médicos de Neurologia, Imagem e Imunologia do Grupo Fleury sobre todos os casos que se beneficiam da análise integrada de múltiplos resultados de exames laboratoriais e de imagem.

Os principais recursos que dão suporte à conclusão diagnóstica são apresentados resumidamente em um resultado unificado, que é enviado ao médico-assistente. Para elaborar o relatório, os médicos do Fleury, das diversas especialidades envolvidas, discutem os dados clínicos disponíveis e os confrontam com os exames atuais e prévios do paciente. Além de oferecer mais uma opinião de especialistas para cada caso, o documento facilita o arquivamento das informações relevantes.