Novo método para o diagnóstico da HPN: mais sensível, mais específico e clinicamente muito mais relevante

A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma forma rara de anemia hemolítica adquirida

A hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) é uma forma rara de anemia hemolítica adquirida em que as hemácias são destruídas devido à lise pelo complemento. Os pacientes com HPN em geral exibem três manifestações clínicas distintas: hemólise intravascular mediada pelo complemento, significativo aumento na incidência de episódios tromboembólicos e graus variados de falência da medula óssea. Do ponto de vista clínico, a hemólise intravascular é o fenômeno mais importante, pois está presente em praticamente todos os casos e dá origem às principais manifestações clínicas da doença, como anemia, hemoglobinúria, fadiga, disfagia, disfunção erétil, hipertensão pulmonar e insuficiência renal crônica. Os eventos tromboembólicos predominam no leito venoso e caracteristicamente acometem locais pouco usuais, como a veia porta (síndrome de Budd-Chiari), o seio cavernoso, a veia esplênica ou as veias mesentéricas. O espectro de falência de medula óssea é variado e comumente se manifesta como plaquetopenia ou neutropenia, mas, nos casos extremos, pode se manifestar como franca anemia aplástica grave.

A doença afeta homens e mulheres na mesma proporção; a mediana de idade dos pacientes é de cerca de 30 anos e a taxa de mortalidade pode atingir 35% cinco anos após o diagnóstico. O curso clínico da HPN é extraordinariamente variável: enquanto alguns pacientes mantêm um clone pequeno e são oligossintomáticos, outros progridem rapidamente para falência medular ou sofrem episódios tromboembólicos cujo impacto no prognóstico é geralmente desastroso. Até pouco tempo atrás, pouco podia ser feito para mudar esse cenário, porém, recentemente, surgiu uma droga, o anticorpo monoclonal eculizumabe, que é capaz de inibir o sistema complemento e reduzir de forma significativa os dois principais fenômenos de impacto clínico na HPN: a hemólise crônica e o risco de trombose.

As principais formas de apresentação dos pacientes com HPN são:
• anemia hemolítica com teste de Coombs direto negativo;
• evidência de hemólise intravascular;
• neutropenia e/ou trombocitopenia com contagem de reticulócitos aumentada;
• anemia aplástica;
• síndrome mielodisplásica (anemia refratária e variantes hipoplásticas);
• disfagia ou dor abdominal episódicas;
• trombose venosa com evidência de hemólise, particularmente trombose de veias esplâncnicas.

Nessas situações, devemos sempre lembrar que a hipótese de HPN tem de fazer parte do diagnóstico diferencial.

A HPN é causada por uma mutação somática adquirida na célula-tronco hematopoética, num gene albergado no cromossomo X (PIG-A), que codifica a proteína glicosilfosfatidilinositol (GPI). Essa proteína se liga à membrana das células hematopoéticas (hemácias, neutrófilos, monócitos, etc.), sendo responsável pela ancoragem de várias outras proteínas à superfície das células. Entre as proteínas ancoradas pela GPI estão algumas que protegem as células hematopoéticas da lise pelo complemento. Assim, uma vez que a célula-tronco hematopoética adquira uma das centenas de mutações descritas no gene PIG-A, todas as células daquele clone serão deficientes em proteínas ancoradas pela GPI.

Diagnóstico

Classicamente, a HPN era diagnosticada por meio do ensaio de lise com soro acidificado – que ativa o complemento –, mais conhecido como teste de Ham. Atualmente, esse exame tem apenas importância histórica, já que o método de eleição para o diagnóstico da HPN é a citometria de fluxo. Nos últimos dois anos, esforços internacionais levaram à proposição de várias melhorias no diagnóstico da doença. Tais melhorias envolvem aspectos relacionados à padronização de protocolos e de métodos de análise, ao uso de equipamentos de última geração e ao emprego de reagentes mais eficazes, como é o caso da aerolisina fluorescente, ou Flaer, uma proteína derivada de toxinas bacterianas que se ligam diretamente à âncora de GPI, mas não às proteínas ligadas à membrana celular por essa âncora, como ocorre com outros reagentes usados no diagnóstico da HPN. Com esse novo método, é possível identificar até uma célula derivada de um clone HPN, dentre 10.000 células normais, enquanto os testes convencionais, com anticorpos monoclonais apenas para os antígenos CD55 e CD59, têm um limite de sensibilidade de, no máximo, 1%. Além das vantagens no diagnóstico da HPN, o novo exame permite o diagnóstico de pequenos clones HPN em outras síndromes de falência medular em que a presença desses clones pode ter significado clínico, como ocorre na síndrome mielodisplásica hipoplástica e na anemia aplástica.