Quando suspeitar de mastocitose e como confirmar o diagnóstico

A mastocitose é definida como um grupo heterogêneo de doenças, sendo caracterizada por proliferação

A mastocitose é definida como um grupo heterogêneo de doenças, sendo caracterizada por proliferação clonal e acúmulo de mastócitos em um ou em múltiplos tecidos, incluindo pele, medula óssea, fígado, baço e linfonodos. A incidência e a prevalência dessa enfermidade na população geral são desconhecidas. A idade de surgimento possui dois picos: o primeiro corresponde à primeira década e o segundo localiza-se entre a quarta e a quinta década de vida. A pele é o órgão mais acometido, estando afetado em praticamente 100% das formas pediátricas e em torno de 85% da mastocitose do adulto.

A apresentação clínica da mastocitose é heterogênea, variando de doença limitada à pele – mastocitose cutânea (MC) –, que ocorre principalmente na infância, na maioria das crianças nos primeiros anos de vida, e comumente apresenta regressão espontânea das lesões cutâneas, a casos com comprometimento extracutâneo – mastocitose sistêmica (MS) –, que podem se associar desde a formas indolentes até formas agressivas de mastocitose, com disfunção de múltiplos órgãos e sobrevida diminuída, sendo encontrados geralmente em adultos.

Manifestações clínicas

Os sintomas clínicos são causados pela liberação de mediadores mastocitários e pela infiltração tecidual de mastócitos neoplásicos.

As manifestações de liberação mais frequentes incluem prurido generalizado ou localizado (nas lesões cutâneas), enrijecimento facial e do tronco superior, sensação de calor e sudorese, que podem estar associados a palpitações, dor torácica e cefaleia. Dor abdominal recorrente e diarreia estão presentes em uma parcela significativa dos casos, com risco de evolução para quadros graves de má absorção, com perda de peso e hipoalbuminemia. A osteoporose também pode ser encontrada em um menor número de casos.

Os quadros anafiláticos com colapso vascular e risco de vida atingem uma porcentagem variável dos pacientes, acometendo 22% dos adultos e 6% das crianças, sendo mais frequentes no sexo masculino que no feminino. Em muitos casos, o fator desencadeante é desconhecido, enquanto, em outros, existe a possibilidade de o desencadeador da mastocitose ser o uso de medicamentos (AAS, Aines e contraste iodado) ou mesmo picadas de insetos.

Em muitos pacientes, o primeiro sinal da doença é um exantema maculopapular típico (urticária pigmentosa), que é exacerbado após atrito (sinal de Darier). A infiltração tecidual maciça nas formas agressivas pode provocar sinais e sintomas secundários à existência de hepatoesplenomegalia, como dor abdominal, hipertensão de veia porta e ascite, e nos casos de infiltração medular, causar pancitopenia.

Diagnóstico e classificação de mastocitose

O diagnóstico de mastocitose é baseado na identificação de mastócitos neoplásicos por critérios morfológicos, imunofenotípicos e/ou genético-moleculares.

A classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS) define sete variantes da doença: mastocitose cutânea (MC), mastocitose sistêmica indolente (MSI), mastocitose sistêmica associada com doença clonal hematopoética de linhagem não mastocitária (MS-ADHNM), mastocitose sistêmica agressiva (MSA), leucemia de mastócitos (LM), sarcoma de mastócitos (SM) e mastocitoma extracutâneo.

A mastocitose cutânea é definida pela infiltração de mastócitos anormais na derme, sem evidências de envolvimento sistêmico.

Por sua vez, a mastocitose sistêmica depende da presença de critérios maiores e menores para sua caracterização (quadro I). Se, no mínino, houver um critério maior e um menor ou, ainda, se três critérios menores forem preenchidos, confirma-se o diagnóstico . A subclassificação de MS é definida pela carga tumoral de mastócitos (sinais B), agressividade clínica da doença (sinais C) e envolvimento de linhagens não mastocitárias (quadro II e figura 1).

Avaliação morfológica da medula óssea: o papel do mielograma e da biópsia medular

O mielograma permite a identificação de mastócitos com morfologia anômala, ou seja, com hipogranulação, núcleo multilobulado e projeções citoplasmáticas, e a porcentagem de mastócitos na medula óssea é decisiva para o diagnóstico final de MS em fases avançadas (figura 2). Em pacientes com leucemia de mastócitos, o número dessas células no esfregaço de medula é maior ou superior a 20%.

Na maioria dos casos de MS, o estudo anatomopatológico da medula óssea detecta infiltrados multifocais de mastócitos (triptase e CD117 positivos), compostos de mastócitos de forma fusiforme, com número superior a 15 por agregado. Nesses pacientes, a MS pode ser diagnosticada sem outros testes adicionais, já que preenche um critério maior (agregados de mastócitos) e um critério menor (morfologia anormal) da classificação da OMS.

Diagnóstico de mastocitose sistêmica por citometria de fluxo multiparamétrica

Os mastócitos na medula óssea são facilmente detectados por citometria de fluxo, pela expressão de CD117 de elevada intensidade. O fenótipo normal mastocitário é caracterizado pela expressão de CD45, CD63, CD203c, FcεRI e triptase citoplasmática total (CyB12), na ausência de expressão dos marcadores CD2, CD25, CD123 e CD34.

Pacientes com MS frequentemente apresentam mastócitos com expressão antigênica anômala, o que permite uma clara diferenciação dos mastócitos normais, com uma sensibilidade diagnóstica superior a 98% e uma especificidade de 100%, tornando a citometria de fluxo uma ferramenta indispensável na avaliação diagnóstica da mastocitose.

Mastócitos neoplásicos geralmente apresentam expressão anômala de CD25, associada ou não à presença de CD2, e a expressão anormal desses marcadores é considerada como um critério diagnóstico menor pela OMS (quadro I e figura 3).

Outros fenótipos aberrantes que são descritos abrangem ainda a expressão anômala de CD123 e a hiperexpressão de CD203c e CD45.

Mutação do c-KIT e estudos moleculares

A identificação da mutação KITD816V é considerada um critério diagnóstico menor na classificação da OMS e está presente em mais de 80% dos casos de mastocitose. Na presença de eosinofilia, é recomendada a pesquisa do rearranjo FIP1L1-PDGFRA pela FISH. Por sua vez, a análise citogenética convencional geralmente permite a identificação de casos de mastocitose associada com rearranjo PDGFRB, isto é, com translocações cromossômicas envolvendo 5q31-31.