Cintilografia das paratiroides

Tópicos presentes neste capítulo

  • Introdução  
  • Protocolos para a realização de cintilografia das paratiróides  
  • Orientações necessárias  
  • Interpretação  
  • Referências bibliográficas  

Introdução

O hiperparatiroidismo primário é um distúrbio comum, na maioria das vezes detectado como uma hipercalcemia assintomática. Muitos avanços aconteceram nos últimos anos no diagnóstico, na localização e no tratamento desta patologia . A utilização rotineira de testes bioquímicos contribui muito para a sua detecção e a exploração cirúrgica do pescoço, com a remoção da(s) glândula(s) alterada(s), é o tratamento de escolha para os casos sintomáticos. O sucesso da cirurgia é dependente de vários fatores como a localização exata das glândulas acometidas e a experiência do cirurgião.

Enquanto os métodos utilizados para fazer o diagnóstico inicial e o tratamento são bem estabelecidos, existe uma grande controvérsia em relação ao uso de exames pré-operatórios, com a finalidade de tentar localizar a(s) paratiróide(s) acometidas previamente ao ato cirúrgico. Uma vez que o sucesso da cirurgia realizada por médico experiente excede os 90%, muitos pesquisadores têm questionado o papel dos exames exames pé-operatórios que tentam localizar as glândulas alteradas (1).

Apesar da maioria dos cirurgiões concordar que existe a necessidade da realização de exames de localização em pacientes submetidos previamente a cirurgias da tiroide e paratiróide, muitos questionam a necessidade da realização deste exame previamente ao primeiro ato cirúrgico. Esta argumentação é baseada no fato de que a maioria dos métodos de localização apresenta uma acurácia de cerca de 75 a 80% quando realizados por médicos especialistas e utilizando equipamentos modernos, enquanto o cirurgião experiente, como já dito acima, pode localizar com sucesso mais de 90% das lesões durante o ato cirúrgico.

Apesar da argumentação apresentada ser legítima, existem algumas indicações para se tentar localizar a(s) glândula(s) alterada(s) antes da primeira cirurgia. Estas indicações podem ser divididas em duas categorias: casos em que dificuldades cirúrgicas sejam previstas (pacientes com cirurgia cervical prévia, pacientes obesos com o pescoço curto e pacientes com problemas cervicais que não conseguem hiperestender o pescoço) e pacientes com alto risco cirúrgico (problemas cardíacos, por exemplo). Nestes pacientes, a exploração de somente um dos lados do pescoço ou a cirurgia em condições de anestesia local pode ser tentada, se soubermos previamente onde estão localizadas uma ou mais glândulas alteradas (2,3).

Foi demonstrado que a realização de exames para localização das paratiróides acometidas pode reduzir o tempo da cirurgia e da anestesia, ao dirigir o cirurgião para o local da alteração (4). Além disso, uma vez que a razão principal para o insucesso da primeira cirurgia é a dificuldade em se detectar a lesão, em decorrência principalmente da presença de múltiplas lesões, de glândulas ectópicas ( Fig. 1 ) e de glândulas supranumerárias, a realização de exames para localização pode diminuir potencialmente o número de pacientes que necessitam ser submetidos a uma nova exploração cirúrgica (5). É relatado que até 80% dos pacientes submetidos a uma nova exploração cirúrgica do pescoço apresentaram adenomas ectópicos, que poderiam ter sido detectados se exames para localização tivessem sido realizados previamente ao primeiro ato cirúrgico (6).

Muitas técnicas com diferentes valores de acurácia são descritas para a localização pré-operatória de adenomas em pacientes com o diagnóstico bioquímico de hiperparatiroidismo. Estas técnicas incluem a ressonância nuclear magnética, a ultrassonografia, a tomografia computadorizada e as técnicas cintilográficas.

Enquanto a sensibilidade destes métodos para a detecção de glândulas paratiróides alteradas em pacientes que persistem com quadro de hiperparatiroidismo após a primeira intervenção cirúrgica é bem conhecida, e muitos trabalhos mostram que estas técnicas são complementares nesta indicação (7,8), o valor destas técnicas na localização da(s) glândula(s) alterada(s) previamente à cirurgia é muito controverso, como já discutido acima, e valores variados de sensibilidade e especificidade são relatados.

Figura 1 - A cintilografia realizada com MIBI em dois tempos, 15 minutos (precoce) e duas horas (tardia) após a administração intravenosa do radiofármaco, evidencia a presença de acúmulo anômalo em mediastino (pontas de setas), sugestivo de glândula paratiróide ectópica nesta localização.


No entanto, mesmo nesta última indicação, os diferentes métodos também parecem ter um caráter complementar (9), apesar de alguns trabalhos apontarem a superioridade da cintilografia em relação aos outros métodos de localização (10,11).

A utilização dos métodos cintilográficos na avaliação de pacientes com hiperparatiroidismo iniciou-se na década de 70, quando o tálio-201 (Tl-201) começou a ser utilizado como agente capaz de detectar glândulas paratiróides alteradas. Poucos anos depois, foi introduzida a utilização da imagem concomitante com o pertecnetato-99mTc (Tc-99m), que permitia a subtração da imagem da tireoide da imagem obtida com tálio-201. Vale lembrar que o Tl-201 marca tanto as paratiróides alteradas quanto o tecido tiroidiano, enquanto que o Tc-99m marca somente o tecido tireoidiano. Desde então, vários estudos têm mostrado que a cintilografia das paratiróides utilizando dois isótopos e a técnica de subtração de imagens são de grande utilidade na localização de glândulas paratiróides anormais.

Uma grande variedade de formas de aquisição das imagens e de realização das subtrações tem sido utilizada. No entanto, muitos aspectos técnicos deste procedimento são controversos e não estão completamente resolvidos na literatura, como os radiofármacos utilizados para a realização das imagens de tireoide (Tc-99m ou I-123), a seqüência de injeções a ser utilizadas (Tl-201 antes ou depois do Tc-99m), a atividade de cada radiofármaco a ser injetada e o valor das técnicas de subtração por computador. Além disso, é fundamental que a cabeça do paciente permaneça imóvel durante todo o procedimento se quisermos realizar subtrações acuradas. Por estas razões, foi realizado um grande esforço para desenvolver novas metodologias cintilográficas que pudessem ser utilizadas na localização das glândulas paratiróides acometidas.

Estes esforços resultaram na descoberta do potencial da sestamibi- 99 mTc (MIBI) na realização da cintilografia das paratiróides e os protocolos que utilizam este radiofármaco são atualmente os de escolha para a realização da cintilografia.

Atualmente, existem alguns protocolos que podem ser utilizados para a detecção de glândulas paratiróides alteradas, utilizando ou não técnicas de subtração de imagens. Estes protocolos serão discutidos a seguir.


Protocolos para a realização de cintilografia das paratiróides

A cintilografia das paratiróides pode ser realizada utilizando diversas técnicas, como já descrito acima. Todas elas têm como principal objetivo separar um ou mais glândulas paratiróides acometidas do tecido tireoidiano que as cerca. As técnicas mais comumente utilizadas são:

Tl-201/Tc-99m

Entre as técnicas não invasivas para a detecção de glândulas paratiróides anormais, a cintilografia com dois isótopos utilizando Tl-201/Tc-99m tem sido uma das mais utilizadas. Uma série de trabalhos publicados mostra a utilidade da cintilografia com Tl-201/Tc-99m na detecção de glândulas paratiróides aumentadas. Hauty e colaboradores (12) analisaram 14 trabalhos com um total de 317 pacientes com hiperparatiroidismo primário e encontraram uma sensibilidade da cintilografia das paratiróides utilizando dois isótopos na localização de adenomas ao redor de 82%. A acurácia diagnóstica foi de 78%, o valor preditivo positivo de 94% e a taxa de exames falso-positivos de 5%. Nesta avaliação, a maioria dos exames falso-positivos ocorreu em pacientes com doenças da tireoide concomitantes.

Apesar da cintilografia das paratiróides utilizando Tl-201/Tc-99m ter mostrado resultados satisfatórios e boa acurácia diagnóstica, os resultados relatados nos diversos trabalhos realizados são muito variados e a acurácia do método é considerada operador-dependente.

I-123/MIBI

Apesar do uso clínico da MIBI para a realização de cintilografias das paratiróides ser relativamente recente, vários protocolos de aquisição das imagens têm sido descritos. O primeiro protocolo relatado foi sua utilização em conjunto com o iodo-123 (I-123/MIBI) como substituto à utilização do protocolo de dois isótopos utilizando Tl-201/Tc-99m, já discutido acima. Este protocolo, apesar de apresentar algumas vantagens, como uma melhor relação na captação paratiróide/tiróide da MIBI quando em comparação ao tálio-201, apresenta muitas das limitações técnicas existentes no protocolo de dois isótopos com Tl-201/Tc-99m, que são as dificuldades em realizar a subtração das imagens de forma adequada, a necessidade do paciente permanecer imóvel durante a aquisição das imagens e a falta de consenso quanto à melhor seqüência de imagens e à atividade radioativa a ser utilizada em cada uma das etapas do protocolo. Atualmente, a variação deste protocolo mais utilizada é a administração por via oral de 18,5 MBq (0,5 mCi) de iodo-123 (I-123) com realização de imagens quatro horas após. Administra-se então a MIBI, de 185 a 925 MBq (5 a 25 mCi), por via endovenosa, e adquire-se as imagens de cinco a 20 minutos após. Normalmente, imagens planas na projeção anterior da região cervical e do mediastino são adquiridas. Pode-se realizar também imagens extras nas projeções oblíquas ou imagens tomográficas (SPECT - single photon emission tomography ), se isso for considerado necessário.

A sensibilidade geral deste método para a detecção de adenomas é de 89%, que é significativamente maior (cerca de 10 a 15%) do que aquela relatada para a técnica de subtração utilizando Tl-201/Tc-99m.

Protocolo de duas fases

Estudos avaliando o comportamento celular da MIBI mostraram que este agente, diferentemente do tálio, apresenta um clareamento mais rápido nos tecidos tireoidianos do que nos tecidos paratiroidianos patológicos. Baseado nesta observação, foi elaborado um protocolo utilizando somente a MIBI, mas com aquisição de imagens precoces e tardias. A grande vantagem deste protocolo é não apresentar muitas das limitações existentes nas metodologias que utilizam as técnicas de subtração.

Neste protocolo, injetam-se de 740 a 925 MBq (20 a 25 mCi) de MIBI por via intravenosa e as imagens planas na projeção anterior da região cervical e mediastino são obtidas em dois tempos após a injeção: precoce (15 a 20 minutos) e tardio (duas a quatro horas). Uma vez que a MIBI rapidamente se concentra no tecido tireoidiano, a fase inicial do exame é conhecida como fase tiroideana e a segunda fase é conhecida como fase paratiroideana, uma vez que nesta etapa só observamos a captação no tecido paratiroidiano alterado em razão de uma eliminação mais lenta do radiofármaco nestas estruturas ( Fig. 2 ).

A sensibilidade geral deste método é de cerca de 82% para localização de adenomas e de cerca de 60% para a localização de glândulas hiperplásicas. Alguns casos de exames falso-negativos têm sido descritos em adenomas que apresentam uma eliminação muito rápida do radiofármaco levando à ausência de captação nas fases tardias do exame. Nestes casos pouco comuns, as técnicas de subtração podem ser superiores na detecção da lesão. Por outro lado, muitos nódulos tireoidianos que seriam falsamente definidos como sendo adenomas de paratiróide utilizando-se as técnicas de subtração, podem ser corretamente classificados utilizando a técnica de duas fases. No entanto, a realização das cintilografias de paratiróide utilizando qualquer uma das metodologias descritas apresenta queda na sua especificidade, quando utilizadas em populações que apresentam alta prevalência de patologias tiroideanas nodulares.

Figura 2 - Paciente feminina, 57 anos, apresentava PTH = 400 pg/mL e cálcio = 12,4 mg/dL. A cintilografia das paratiróides evidenciou acúmulo anômalo intenso inferior ao lobo esquerdo da tiróide, sugestivo de glândula paratiróide aumentada nesta localização (setas).

Uma das maneiras descritas para aumentar a especificidade do método é realizar uma terceira imagem com pertecnetato- 99 mTc (Tc-99m) depois da etapa tardia ( Fig. 3 ) ou mesmo solicitar uma cintilografia tiroideana com iodo-123. Se a formação nodular captar o Tc-99m ou o iodo-123 ela será de origem tiroideana ( Fig. 4 ).

Figura 3 - A cintilografia realizada com MIBI em dois tempos, 15 minutos (precoce) e duas horas (tardia) após a administração intravenosa do radiofármaco, não evidencia a presença de acúmulo anômalo evidente. No entanto, se compararmos a fase precoce da imagem com MIBI com aquela obtida com pertecnetato-99mTc (Tc-99m), observamos uma diferença nos limites do pólo inferior do lobo direito, o que sugere a presença de glândula paratiróide aumentada no pólo inferior do lobo direito da tiróide.

Figura 4 - A cintilografia realizada com MIBI em dois tempos, 15 minutos (precoce) e duas horas (tardia) após a administração intravenosa do radiofármaco, evidencia a presença de acúmulo anômalo nos dois terços superiores do lobo esquerdo da tiróide. A cintilografia da tiróide com Tc-99m também evidencia captação acentuada nesta localização, o que é sugestivo de adenoma da tiróide e não da paratiróide.

Atualmente, o protocolo de duas fases é o mais comumente utilizado na prática clínica. Como já referido acima, ele apresenta uma boa sensibilidade e especificidade sem apresentar a maioria dos problemas existentes na realização das técnicas de subtração.

No Fleury utilizamos, atualmente, o protocolo com MIBI em duas fases, adquirindo-se imagens precoces (15 minutos) e tardias (duas a três horas). Após a realização da imagem tardia, complementa-se o exame com uma imagem da tiróide com pertecnetato- 99 mTc (Tc-99m). Esta complementação pode auxiliar na diferenciação entre nódulos tiroidianos e paratiroidianos ( Fig. 5 ).

Figura 5 - Modelo esquemático mostrando as etapas do protocolo utilizado no Fleury para a realização de cintilografia das paratiróides. As figuras mostram captação anômala em topografia do pólo inferior do lobo direito da tiróide nas imagens precoce e tardia com MIBI, que não se caracteriza na imagem da tiróide com pertecnetato-99mTc (Tc-99m). Tal achado é compatível com aumento da glândula paratiróide inferior direita.

Orientações necessárias

• Não é necessário estar em jejum;
• O exame é contra-indicado em gestantes ou durante o período de amamentação, só devendo ser realizado em caso de extrema necessidade, quando os riscos da exposição radioativa ao feto ou recém-nascido sejam justificados pela importância dos resultados obtidos.

Interpretação

Análise qualitativa das imagens.


Referências bibliográficas

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