Adenocarcinoma do endométrio | Revista Médica Ed. 1 - 2017

Paciente do sexo feminino, 68 anos, GII PII A0, com menarca aos 11 anos e menopausa aos 46 anos, procurou o ginecologista com queixa de sangramento vaginal pós-menopausa.

Diante de suspeita, a combinação de ultrassom, histeroscopia com biópsia e estudo anatomopatológico permite a confirmação diagnóstica na maioria dos casos


O CASO

Paciente do sexo feminino, 68 anos, GII PII A0, com menarca aos 11 anos e menopausa aos 46 anos, procurou o ginecologista com queixa de sangramento vaginal pós-menopausa. Tinha história de terapia de reposição hormonal até 12 anos antes, tendo passado a usar estriol creme vaginal desde então. Saiu da consulta com encaminhamento para avaliação ultrassonográfica.

Ultrassonografia

Feito por via transvaginal, o ultrassom apontou útero de dimensões normais, miométrio homogêneo e espessamento do eco endometrial com 13 mm – o valor normal vai até 5 mm. Ao estudo complementar com Doppler colorido, observou-se hipervascularização mais acentuada no folheto posterior do endométrio, na região fundocorporal da cavidade. Diante disso, foi sugerida complementação com histeroscopia e biópsia de endométrio.

 

Corte sagital do útero mostra espessamento endometrial.

 

 

Estudo com Doppler colorido: hipervascularização do endométrio, mais evidente no folheto posterior.

 

 

Avaliação com Doppler espectral demonstra fluxo de baixa resistência.

 

Histeroscopia

 

O exame revelou cavidade uterina de morfologia distorcida devido à presença de formação volumosa, de aspecto neoplásico, com neovascularização exuberante, inserida em parede corporal posterior, local de realização da biópsia dirigida. Por sua vez, as paredes laterais e anterior estavam livres, revestidas por endométrio de aspecto atrófico.

 

 

 

 

Imagens histeroscópicas evidenciam a formação de aspecto neoplásico, com neovascularização e vasos atípicos.

 

Exame anatomopatológico

 

Os cortes histológicos mostraram neoplasia epitelial com células cuboidais de núcleos de volume aumentado com hipercromasia e nucléolos evidentes, dispostas em arranjo glandular e viloso, com áreas de diferenciação escamosa. O estudo acusou a presença de mitoses atípicas, consistentes com adenocarcinoma endometrioide, também com áreas de diferenciação escamosa (grau 1 histológico, grau 2 nuclear).

 

 

Detalhe da neoplasia, com áreas com formação de glândulas (à esq.) e de diferenciação escamosa (região central, à dir.) (HE, 20x).

 

Neoplasia com proliferação de glândulas endometriais complexas (HE, 40x).


O adenocarcinoma de endométrio
O câncer endometrial é uma das neoplasias malignas do trato genital feminino mais frequentes em países desenvolvidos. Mais de 90% dos casos ocorrem em mulheres com idade superior aos 50 anos (com média de idade de 63 anos), contribuindo para 1% a 2% de todas as causas de morte por câncer. No Brasil, é a segunda doença maligna ginecológica mais frequente nas mulheres – a primeira ainda é o tumor do colo uterino –, tendo correspondido a 3,4% de todas as neoplasias na população feminina no ano de 2016, segundo os dados do Inca.
O risco de apresentar adenocarcinoma de endométrio atualmente é de 2,8% (um caso em cada 41 mulheres), o qual, contudo, está em elevação devido ao envelhecimento populacional, ao uso de terapias estrogênicas prolongadas sem oposição por progestágenos e a condições como síndrome dos ovários policísticos, tumores produtores de estrogênios, nuliparidade, ciclos menstruais irregulares, idade precoce de menarca, idade tardia de menopausa, obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial. Convém lembrar que há entidades genéticas que também aumentam esse risco, como a síndrome de Lynch e a doença de Cowden.
O sintoma mais comum da neoplasia é a metrorragia, que ocorre em aproximadamente 95% dos casos e sempre deve ser investigada. Afinal, se diagnosticada logo após o início dessa manifestação, em mais de 75% das pacientes a doença ficará restrita ao útero e, portanto, em estágio inicial, com prognóstico favorável e altas taxas de cura por meio de cirurgia e, eventualmente, radioterapia associada.

Classificação da doença


Histologia


A classificação tradicional do câncer de endométrio baseia-se em características clínicas, epidemiológicas e endocrinometabólicas, dividindo os casos em carcinoma endometrioide (tipo I) e carcinoma seroso papilífero (tipo II).


O adenocarcinoma de endométrio
Tipo de neoplasiaCarcinoma endometrioide (tipo I)Carcinoma seroso papilífero (tipo II)
Frequência¾ dos casos¼ dos casos
Grau da neoplasia ao diagnósticoNa maioria, trata-se de neoplasia de baixo grau, limitada ao úteroNeoplasia de alto grau, com pior prognóstico – responde por 40% dos óbitos por câncer de endométrio – e risco significativo de doença extrauterina
Mutações genéticas associadasNos genes PTEN, KRAS e PAX2No gene TP53
Lesão precursoraHiperplasia endometrial (risco cumulativo de 27,5% de progressão para câncer em 19 anos)Carcinoma seroso intraepitelial endometrial

A graduação histológica da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, aplicada apenas aos adenocarcinomas endometrioides e mucinosos, avalia o nível de diferenciação da neoplasia, levando em conta características arquiteturais (porcentagem de padrão sólido não glandular e não escamoso) e o grau nuclear. Vale adicionar que a atipia nuclear acentuada aumenta o grau histológico em um ponto. Sendo assim, tem-se:


  • Grau 1: <5% de padrão sólido
  • Grau 2: 6-50% de padrão sólido
  • Grau 3: >50% de padrão sólido

Convém ponderar que, quando baseada somente nas características morfológicas, a classificação histológica do câncer de endométrio pode ser complicada, especialmente nos casos de neoplasia pouco diferenciada, de alto grau, razão pela qual há indicação praticamente obrigatória de estudo imuno-histoquímico para confirmação do tipo histológico. Nesse sentido, os marcadores mais utilizados são os receptores hormonais, em geral positivos nos carcinomas endometrioides, com PTEN e p53 negativos, refletindo a perda de expressão das proteínas associadas a esses genes supressores de tumor e reparo do DNA. Outros marcadores avaliados nos painéis imuno-histoquímicos incluem o Ki-67 (proliferação celular), o HNF-1 (expresso em carcinomas de células claras) e o p16 (usualmente expresso nos carcinomas de alto grau do tipo II).


Genética


A partir da publicação dos estudos do The Cancer Genome Atlas, em 2013 (Nature 2013;497:67-73), demonstrou-se que o uso do sequenciamento e da expressão gênica permite a classificação mais fidedigna e reprodutível dos carcinomas endometriais, com possibilidade de direcionamento mais adequado do tratamento oncológico. Por essa nova tecnologia, ainda não comercialmente disponível no Brasil, os carcinomas do endométrio se dividem em quatro grupos, conforme detalhado na tabela abaixo.


Os quatro grupos de câncer de endométrio, segundo a classificação genômica


Os quatro grupos de câncer de endométrio, segundo a classificação genômica

Grupo 1 POLE ultramutadoGrupo 2 MSI hipermutadoGrupo 3 Baixo número de cópias (endometrioide)Grupo 4 Alto número de cópias (seroso-like)
Taxa de mutação232 x 10-618 x 10-62,9 x 10-62,3 x 10-6
Aberrações do número de cópiasPoucasPoucasPoucasNumerosas
Instabilidade de microssatélitesMista (alta, baixa e estável)Alta; hipermetilação do promotor de MLH1EstávelEstável
Genes mutadosPOLEPTEN, RPL22, KRAS, ARID5BPTEN, CTNNB1TP53, FBXW7, PPP2R1A
HistologiaEndometrioideEndometrioideEndometrioideSeroso e endometrioide GH3 (25% dos casos)
Grau histológicoMisto (1, 2 e 3)Misto (1, 2 e 3)1 e 23
SV livre de progressãoMelhorIntermediáriaIntermediáriaPior

Adaptado de: Kandoth et al, 2013 (TCGA).


Estadiamento


O sistema de estadiamento para o câncer de endométrio é cirúrgico-patológico e definido após a histerectomia total abdominal, salpingo-oforectomia bilateral, linfadenectomia pélvica e periaórtica e citologia peritoneal. O prognóstico depende da idade da paciente, do tipo e do grau histológico do tumor, da profundidade de invasão no miométrio, do comprometimento cervical e das metástases linfonodais.


Classificação da neoplasia endometrial por estágios evolutivos
EstágioEnvolvimento
ITumor limitado à cavidade uterina
IIAcometimento do canal cervical
IIIPropagação para fora do útero por extensão (metástases vaginais, pélvicas, citologia peritoneal positiva e linfonodos pélvicos ou paraórticos implicados)
IVComprometimento da mucosa de bexiga/reto e presença de metástase a distância ou de linfonodos inguinais metastáticos

Fonte: Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.


CONCLUSÃO


O exame de primeira linha na investigação do sangramento vaginal anormal, seja em pacientes na menacme, seja em menopausadas, é a ultrassonografia, de preferência por via transvaginal (exceto em virgens). Se constatado o espessamento do eco endometrial, deve-se prosseguir a pesquisa com a histeroscopia e a biópsia de endométrio.


O diagnóstico do câncer de endométrio exige a biópsia e o estudo anatomopatológico. Atualmente, a histeroscopia diagnóstica configura o método de escolha para a obtenção da amostra de tecido endometrial, uma vez que possibilita a execução de biópsia dirigida sob visão histeroscópica, além de permitir a visualização de toda a cavidade uterina, assim como a avaliação da extensão das lesões endometriais e do acometimento do canal endocervical.


Alguns anos atrás, existiam controvérsias quanto ao uso desse método na suspeita de adenocarcinoma, devido à possível disseminação de células neoplásicas na cavidade endometrial. Contudo, estudos recentes comprovaram que não há alteração no prognóstico da doença, sendo a histeroscopia hoje indicada para diagnosticar e avaliar a amplitude da lesão. Associado à biópsia, o procedimento resulta em economia de tempo para o ginecologista e de custos para a paciente, podendo ainda, no caso do Fleury, ser realizado sob anestesia e em ambiente ambulatorial.


Vale adicionar que a ressonância magnética tem importância no estadiamento dos casos positivos para carcinoma de endométrio, mas não para o diagnóstico, pois não pode diferenciar um espessamento benigno de um maligno.

 

Assessoria Médica
Anatomia Patológica
Dra. Mônica Stiepcich
[email protected]
Histeroscopia
Dra. Patrícia De Luca
[email protected]
Ultrassonografia
Dra. Ana Paula Carvalhal Moura
[email protected]