Desafios em alergia | Revista Médica Ed. 1 - 2018

Especialista venezuelano comenta as dificuldades e soluções para as principais condições alérgicas.

Especialista venezuelano comenta as dificuldades soluções para as principais condições alérgicas


Dono de uma vasta experiência clínica e acadêmica em doenças alérgicas, com 163 artigos publicados, o imunologista venezuelano Mario Sánchez-Borges vê com bons olhos o diagnóstico molecular, desde que interpretado por especialistas, mas ainda aposta que, para o dia a dia das reações alérgicas, o teste cutâneo é o método de primeira escolha, não podendo ser substituído pela pesquisa dos componentes alérgicos. “Usamos os testes in vitro para situações clínicas especiais”, declara ele, que é professor-associado do Departamento de Alergia e Imunologia Clínica do Centro Médico-Docente La Trinidad, em Caracas, na Venezuela. Na entrevista a seguir, Sánchez-Borges, que é editor-científico de várias publicações sobre alergia e imunologia na América Latina, fala desse e de outros aspectos desafiantes na abordagem das alergias.



Por que a prevalência das doenças alérgicas tem aumentado?


De fato, estudos epidemiológicos mostram um aumento da prevalência das doenças alérgicas, tais como rinite, asma, dermatite atópica e alergias alimentares, especialmente nos países industrializados. Considerando que não existe uma explicação para essa observação, a mais aceita teoria afirma que um ambiente mais higiênico, com diminuição da exposição a microrganismos no início da vida, pode levar a um desvio das respostas imunológicas responsáveis pela defesa contra infecções, que passa a atuar em direção a um tipo diferente de imunidade, levando a doenças de hipersensibilidade. Essa é a chamada "hipótese da higiene".



Recentemente, foram publicados no World Allergy Organization Journal dois artigos sobre o diagnóstico molecular em alergia, nos quais se discutiram os prós e contras da substituição do teste cutâneo por esse método. O que o senhor pensa a respeito disso?


Penso que, na rotina de diagnóstico de doenças mediadas por IgE, os testes cutâneos são o padrão-ouro. Têm menor custo, possibilitam resultados imediatos e podem ser realizados com segurança e facilidade no ambulatório. Estamos utilizando testes in vitro para a IgE específica (single e multiplex) em situações clínicas especiais, por exemplo, em casos graves e complexos relacionados à alergia alimentar ou naqueles em que queremos avaliar o significado clínico da IgE específica, de forma a descartar as responsáveis pelas reações cruzadas. No futuro, a IgE específica será mais frequentemente utilizada na escolha dos reagentes necessários para administrar a imunoterapia alérgeno-específica.



Falando em diagnóstico molecular de alergias, no Brasil há grande dificuldade na utilização dos componentes, principalmente pelos não especialistas. Como é na Venezuela?


Temos os mesmos problemas, uma vez que essa técnica não é amplamente disponível e existem poucos laboratórios privados que oferecem tal serviço de diagnóstico. Além disso, os exames são muito caros e, portanto, a maioria dos pacientes não pode pagar.



Na urticária espontânea crônica, apesar da recomendação dos consensos sobre um número reduzido de solicitações de exames laboratoriais para o diagnóstico e o uso de anti-histamínicos de segunda geração, isso nem sempre ocorre na prática clínica. A que o senhor atribui a falta de observação dos guidelines?


Na minha opinião, trata-se de uma realidade em todo o mundo, relacionada com a falta de conhecimento das orientações pela maioria dos médicos que lidam com pacientes com urticária crônica. Isso só pode ser resolvido com educação médica.



Os pacientes costumam confundir a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) com a intolerância à lactose. O senhor tem esse problema? Qual costuma ser a sua conduta nas duas condições?


Entendo que a intolerância à lactose pode ser diagnosticada pela suspeita clínica, depois de considerar o diagnóstico diferencial com a APLV. Nas crianças com suspeita de alergia, cuja história clínica é fortemente sugestiva, começo com o teste cutâneo. Quando o exame vem positivo, tento confirmar o quadro com os testes in vitro (alfalactalbumina, betalactoglobulina e caseína). No entanto, em crianças jovens, temos de considerar a alergia a outros alimentos, tais como galinha, ovo, trigo, amendoim, etc. Se tudo é negativo e não há alto risco de anafilaxia deduzido da história, a provocação oral sob rigorosa supervisão médica pode ser tentada.



A alergia a medicamentos configura um desafio, no meu ponto de vista, porque a história clínica é, por vezes, pobre, o mesmo acontecendo com o arsenal diagnóstico laboratorial. O senhor acha que o teste de ativação de basófilos (BAT) vai nos ajudar?


O BAT continua a ser uma ferramenta de pesquisa e precisa ser validado. Os testes de provocação oral e cutâneos para determinadas drogas constituem o padrão-ouro para o diagnóstico de alergia a medicamentos, mas, nos casos de reações graves (anafilaxia, doenças bolhosas e qualquer condição potencial de morte), são contraindicados.



O que o senhor sugere para o acompanhamento e a avaliação de gravidade dos casos de alergia em locais onde não há acesso a especialistas?


A utilização dos componentes é sempre mais bem avaliada por especialistas, sobretudo se houver um caso grave. Nesses casos, o que deve ser feito é submeter o paciente a um centro onde haja alergistas treinados para gerenciar adequadamente tais condições clínicas.



O senhor já passou por muitas situações de emergência durante voos e até escreveu um artigo sobre o assunto. Pode nos contar um pouco sobre essas experiências?


Com o aumento do número de pessoas que viajam para locais distantes, maiores aviões e envelhecimento da população, além da maior quantidade de portadores de doenças crônicas em viagem, a chance de ter emergências médicas em voos vem crescendo. Os problemas mais frequentes são acidentes cardiovasculares e neurológicos, mas também ocorrem desidratação, exacerbações de asma, erupções cutâneas e até mesmo anafilaxia. Felizmente, a maioria das grandes companhias treina sua equipe para cooperar com o pessoal médico que viaja no avião, além de manter contato, em terra, com serviços especializados para apoiar a tripulação nesses casos. Ademais, há medicamentos e suprimentos nos voos para ajudar os profissionais de saúde na assistência aos passageiros doentes. Assim, raramente o avião precisa ser desviado do seu destino final.


Mario Sánchez-Borges, professor-associado do Departamento de Alergia e Imunologia Clínica do Centro Médico-Docente La Trinidad, em Caracas, na Venezuela


Entrevista concedida à

Dra. Barbara Goncalves da Silva,

consultora médica do Fleury