Diante de episódios de SÍNCOPE | Revista Médica Ed. 5 - 2014

Como esclarecer a condição e, sobretudo, diferenciar as causas cardíacas e neurológicas das formas mais benignas

Como esclarecer a condição e, sobretudo, diferenciar as causas cardíacas e neurológicas das formas mais benignas

  

Caracterizada por perda súbita e transitória da consciência e do tônus postural, seguida de recuperação espontânea e completa, a síncope habitualmente se associa a sintomas premonitórios, como tontura, sudorese, náuseas, palpitações ou visão turva, embora esses elementos possam estar ausentes. De etiologia variável, tem, entre suas possíveis causas, a forma neuromediada, ou reflexa, que é a mais comum, com prevalência estimada, segundo estudos epidemiológicos, de 22% na população geral e de 56% a 73% em pacientes atendidos por episódio sincopal.

O evento resulta de hipofluxo cerebral transitório, o que o diferencia de outras causas de perda de consciência. A diminuição do fluxo sanguíneo no cérebro decorre geralmente de queda na pressão arterial, determinada pela redução do débito cardíaco, da resistência vascular periférica ou de ambos.

O esclarecimento da etiologia da síncope é importante para avaliar o risco do indivíduo, permitir um tratamento direcionado e adequado e evitar recorrências, que ocorrem em até um terço dos pacientes num período de três anos. Como se não bastasse, a literatura demonstra que há altas taxas de “síncope não explicada”, as quais, portanto, devem estimular as estratégias de investigação e diagnóstico.

Parece síncope, mas não é*
  • Crise epiléptica
  • Alterações metabólicas como hipoglicemia, hipóxia, hiperventilação com hipocapnia, etc.
  • Intoxicação
  • Ataque isquêmico transitório vertebrobasilar
*Todos cursam com perda parcial ou completa da consciência, porém não há hipoperfusão cerebral global.
Classificação da síncope de acordo com suas causas principais
Síncope reflexa, ou neuromediada
  • Vasovagal (mediada por estresse emocional ou ortostase prolongada)
  • Situacional (tosse/espirro, estímulo gastrointestinal, pós-miccção, pós-exercício e pós-prandial)
  • Hipersensibilidade do seio carotídeo
  • Formas atípicas (sem estímulo aparente ou com apresentação atípica)
Síncope devido à hipotensão ortostática
  • Disfunção autonômica primária
  • Disfunção autonômica secundária
  • Induzida por drogas (álcool, vasodilatadores, diuréticos e antidepressivos)
  • Hipovolemia
Síncope cardiovascular
  • Arritmias como causa primária (bradicardias, taquicardias e outras, provocadas por drogas)
  • Doenças estruturais (valvopatias, infarto do miocárdio, isquemia, cardiomiopatia hipertrófica, massas e tumores, doenças do pericárdio, anomalias congênitas nas coronárias e disfunção de próteses valvares)
  • Embolia pulmonar, dissecção aguda da aorta e hipertensão pulmonar


Síncope neuromediada

O teste de inclinação ortostática, ou tilt table test, inicialmente usado para a avaliação fisiológica das respostas compensatórias ao estresse ortostático, também demonstrou sua utilidade para o diagnóstico da síncope neuromediada, ou vasovagal.É indicado especialmente quando o episódio está relacionado à posição ereta ou quando há suspeita de mecanismo reflexo.

O exame consegue reproduzir o reflexo neuromediado em condições controladas. O sequestro de sangue nos membros inferiores, decorrente da redução do retorno venoso em consequência do estresse ortostático e da imobilização, desencadeia o reflexo, que consiste na retirada do tônus simpático e na exacerbação do tônus vagal, ocasionando hipotensão arterial e bradicardia.

O critério de positividade do teste é a reprodução dos sintomas clínicos associada ao colapso hemodinâmico. As respostas podem ser classificadas,de acordo com as variações da pressão arterial e da frequência cardíaca, em vasodepressora, quando predomina a hipotensão, em cardioinibitória, quando prevalece a bradicardia, ou em mista, se os dois mecanismos estiverem presentes.

Principais indicações do tilttest
  • Esclarecimento de síncope recorrente em indivíduo com ou sem cardiopatia após a exclusão de causas cardíacas
  • Investigação de síncope isolada em pessoa com alto risco relacionado à recorrência (pela natureza da profissão ou pela possibilidade de trauma físico)
  • Demonstração de suscetibilidade à síncope reflexa
  • Avaliação de síncope e pré-síncope na presença de neuropatia periférica ou insuficiência autonômica para discriminar a hipotensãoortostática de padrão disautonômico da etiologia reflexa
  • Diagnóstico diferencial entre síncope e epilepsia
  • Esclarecimento de quedas repetidas e inexplicadas, em especial em idosos
  • Investigação de síncope recorrente em pacientes com doenças psiquiátricas
  • Avaliação de outros distúrbios associados à intolerância à ortostase, como os quadros disautonômicos, a síndrome postural ortostática taquicardizante e a hipotensão ortostática
Resposta positiva mista em tilt test, com queda abrupta da pressão arterial e da frequência cardíaca, associada ao quadro de pré-síncope.
Arquivo Fleury.


Origem cardíaca

As doenças cardiovasculares são a segunda causa de síncope, com destaque para as arritmias. O distúrbio do ritmo pode levar a alterações hemodinâmicas, com diminuição do débito cardíaco e, consequentemente,do fluxo sanguíneo cerebral. Nesses casos, diversos fatorescontribuem com o episódio, como a frequência cardíaca, o tipo de arritmia, a função do ventrículo esquerdo, a postura e a capacidade de compensação vascular. Independentemente de fatores associados, quando constitui a causa primária da síncope, a arritmia deve ser investigada e especificamente tratada.

O holter na investigação das arritmias

Desenvolvido em 1949 e utilizado na prática clínica desde a década de 60, a eletrocardiografia dinâmica, ou holter, consiste no registro da atividade elétrica do coração por meio de um monitor portátil que detecta distúrbios do ritmo cardíaco e alterações relacionadas à isquemia miocárdica, além de analisar a regulação autonômica.

Os episódios de síncope, de pré-síncope e de tonturas sem causa aparente estão entre as principais indicações para a realização do exame, de acordo com as diretrizes do American College of Cardiology e da American Heart Association (ACC/AHA).

Nessas situações, o holtercostuma ser bastante útil, uma vez que consegue diagnosticar, quantificar e classificar os episódios arrítmicos e determinar as pausas e alterações do segmento ST, bem comoavaliar a variação da frequência cardíaca. A monitoração é realizada habitualmente por 24 horas contínuas, mas também há possibilidade de efetuá-la por um período maior, conforme a indicação clínica.

O padrão-ouro para o diagnóstico da síncope derivada de arritmias é a manifestação dos sintomas típicos simultaneamente ao registro de alterações do ritmo cardíaco capazes de produzir tais manifestações. Ademais, a ausência de uma arritmia durante um episódio sincopal também apresenta grande valor para excluir a condição como mecanismo causador do evento.

Duas causas de síncope de origem cardíaca: estenose da aorta (ao alto) e bradicardia sinusal (acima).
Arquivo Fleury.

Quando usar o holter de sete dias
Quando se suspeitade que uma arritmia pode justificar os sintomas da síncope,mas a condição não é flagrada pelo exame de 24 horas, a monitoração eletrocardiográfica contínua, com duração de sete dias, torna-se bastante útil no esclarecimento do caso. Introduzido recentemente na rotina do Fleury, o teste é realizado de forma semelhante à da avaliação-padrão, ou seja, exige a implantação de quatro eletrodos na região torjácica do paciente, o qual é orientado, na hora do preparo, quanto ao posicionamento e à troca dos dispositivos, que tem de ser diária. Evidentemente, as atividades de rotina diárias do indivíduo devem ser mantidas durante o período de execução do exame.


O ecocardiograma e outros exames de imagem

Essencial para o diagnóstico de doenças cardíacas estruturais, o ecocardiograma igualmente fornece dados do desempenho cardíaco e tem importante papel na estratificação de risco com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Na investigação da síncope, a presença isolada de uma alteração estrutural cardíaca auxilia o raciocínio clínico, mas não permite a elucidação completa da causa, sendo necessários outros testes.

Contudo, a detecção de algumas condições específicas permite que o ecocardiograma confirme o diagnóstico de síncope de origem cardíaca, como estenose grave da valva aórtica, obstrução das vias de saída do ventrículo esquerdo por tumor ou trombos, dissecção de aorta, tamponamento pericárdico e anomalias congênitas das artérias coronárias.

A ecocardiografia transesofágica, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética podem ser úteis em pacientes selecionados, como os que apresentam massas cardíacas, embolia pulmonar, dissecção da aorta com hematoma, doenças do miocárdio e pericárdio e alterações congênitas das artérias coronárias.

A utilidade dos testes de esforço

A síncope induzida por exercício é pouco frequente e, portanto, os testes de esforço, como o ergométrico, estão indicados apenas em indivíduos que tiveram um episódio durante ou logo após a atividade física. A monitoração rigorosa da atividade elétrica do coração e da pressão arterial deve ser realizada não somente ao longo do exame, como também na fase de recuperação depois do esforço. Na prática, essas duas situações suscitam diferentes interpretações, já que a síncope no decorrer da atividade física derivade causas cardíacas, ao passo que, ao término do exercício, indica um mecanismo reflexo como possível responsável.

Pode ser o marca-passo
SPL DC/Latinstock

O mau funcionamento de dispositivos cardíacos implantáveis deve ser aventado como possível justificativa de síncope nos indivíduos portadores de marca-passos, cardiodesfibriladores ou ressincronizadores. A análise desses aparelhos precisa ser feita de forma periódica, assim como nos casos de alterações clínicas ou eletrocardiográficas em que se suspeite de disfunção dessa natureza. A avaliação eletrônica por meio de programadores específicos de dispositivos cardíacos das marcas Medtronic, Biotronik e Vitatron pode ser realizada na Unidade Ponte Estaiada do Fleury mediante agendamento prévio e inclui a verificação do modo de funcionamento, da programação e do estado da bateria do aparelho.
Critérios diagnósticos do teste de esforço na investigação da síncope
  • Reprodução da síncope durante ou imediatamente após o exercício na presença de anormalidades eletrocardiográficas ou hipotensão grave.
  • Evidência eletrocardiográfica de bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo Mobitz II ou de terceiro grau durante o esforço, mesmo na ausência de síncope.


Etiologia neurológica

Expresso como hipotensão ortostática, o comprometimento do sistema nervoso autônomo pode originar uma síncope. Condições neurológicas degenerativas, como a doença de Parkinson, a doença por corpúsculos de Lewy e a atrofia de múltiplos sistemas, associam-se à disfunção autonômica primária. Crises epilépticas também podem levar à perda transitória de consciência e constituem um importante diagnóstico diferencial de quadros sincopais. Em ambos os contextos, descartadas as origens neuromediada e cardiovascular, a avaliação neurológica está indicada a fim de esclarecer a presença de uma afecção de base.

Doença de Parkinson

Apesar de o diagnóstico da doença de Parkinson (DP) ser essencialmente clínico, baseado nos sintomas motores característicos, hoje os exames de neuroimagem funcional podem ajudar a confirmá-lo, até mesmo precocemente. A cintilografia cerebral com Trodat marcado com 99mTc, um traçador que se liga seletivamente aos receptores de dopamina pré-sinápticos (DAT) no estriado, permite demonstrar a perda desses receptores de maneira muito sensível nas imagens tomográficas (SPECT), mesmo em fases iniciais da doença. Na DP, há redução assimétrica da captação estriatal e acometimento do putâmen de forma preferencial. A diminuição da densidade desses receptores corresponde à perda dos neurônios dopaminérgicosese correlaciona com a gravidade e com a progressão da doença. Por outro lado, imagens normais afastam a hipótese dessa condição.

Ainda ampliando os recursos para abordagem do paciente com suspeitade Parkinson ou de doenças correlatas, a ultrassonografia transcraniana para avaliação do parênquima cerebral consegue detectar o aumento da ecogenicidade da substância negra, achado presente em mais de 90% dos indivíduos com DP idiopáticae com prevalência muito baixa nos indivíduos hígidos, do mesmo modo que em outras formas de parkinsonismo. A presença da hiperecogenicidade da substância negra eleva em 22 vezes o risco de desenvolvimento de DP, o que tem conferido a essa alteração o status de provável marcador pré-clínico da doença.

Cintilografia cerebral com Trodat: à esquerda, imagem de paciente normal e, à direita, de paciente com Parkinson.
Arquivo Fleury

Epilepsia

Uma das maiores dificuldades para o clínico, quando confrontado com a queixa de episódios de perda da consciência, está no fato de que ele raramente presencia esses eventos. O diagnóstico é especialmente difícil em casos em que ocorrem abalos motores durante o evento da síncope, a chamada “síncope convulsiva”. Para uma caracterização mais detalhada, o médico depende do relato, nem sempre imparcial, do paciente e do acompanhante. Uma anamnese cuidadosa, porém, auxilia o raciocínio clínico. Contudo, diante de dados que não permitam o diagnóstico de síncope ou que não corroborem a suspeita de epilepsia como causa da perda transitória de consciência, exames complementares podem ser indicados.

Como a história clínica ajuda a diferenciar a síncope de uma crise epiléptica

Dados clínicos
Crise epiléptica
Síncope
Sinais que podem anteceder o evento
  • Aura (sintomas sensitivos, sensoriais, motores e autonômicos)
  • Abalos mioclônicos de curta duração
  • Náuseas e vômitos
  • Sudorese fria
  • Alterações visuais
Achados durante o episódio de perda de consciência
  • Movimentos tônico-clônicos prolongados, com início geralmente coincidente com a perda de consciência
  • Movimentos clônicos unilaterais
  • Automatismos
  • Mordedura da língua (parte lateral ou posterior)
  • Cianose
  • Liberação esfincteriana
  • Possíveis abalos motores e hipertoniade curta duração (menos de 15 segundos),iniciados após a perda de consciência
  • Possível mordedura de língua (parte anterior)
  • Liberação esfincteriana (incomum)
Sintomas após o evento
  • Confusão mental
  • Sonolência
  • Dor muscular
  • Náuseas e vômitos
  • Palidez cutânea
  • Rápida recuperação da consciência
Estímulo desencadeante
  • Estresse, período menstrual, privação de sono e outros estímulos específicos
  • Estresse emocional
  • Dor
  • Ortostase prolongada


O papel do EEG e do vídeo-EEG

Embora o diagnóstico da epilepsia deva ser inicialmente baseado em dados clínicos, o eletroencefalograma (EEG) é essencial na confirmação do quadro e na correta classificação do tipo de crise, orientando o tratamento. O métodoobserva registros anormais em 50% a 90% dos pacientes epilépticos, dependendo do tipo da doença. Algumas medidas aumentam a positividade do exame, como registros repetidos (até o máximo de três) e a realização do estudo com o indivíduoem vigília, sonolência, sono e após o despertar, além do emprego de técnicas de ativação como a fotoestimulação intermitente com luz estroboscópica e a manobra de hiperpneia. Sempre que possível, o paciente deve ser orientado a se privar de sono antes do exame, o que eleva a chance da detecção de anormalidades.

Entretanto, o EEG tradicional tem, como limitação, a aquisição de dados eletrofisiológicos no período interictal, quando o paciente não apresenta sintomas, de forma que, durante a avaliação, raramente se observam os fenômenos clínicos que constituem a queixa principal. Nesse contexto, a monitoração prolongada pelo vídeo-EEG ganha lugar de destaque, já que permite associar ao traçado eletroencefalográfico o comportamento do indivíduo no decorrer da crise ou de outro tipo de evento, possibilitando o estudo dos dois parâmetros em conjunto por tempo prolongado.

Na prática, o vídeo-EEG está indicado para a investigação de casos suspeitos de epilepsia em que o EEG de rotina é inconclusivo e os episódios ocorrem geralmente em frequência suficiente para que o método os capture. O vídeo-EEG também se mostra extremamente útil no diagnóstico diferencial de eventos paroxísticos de natureza nãoepiléptica.

Traçado de EEG de paciente com epilepsia.
Arquivo Fleury

Assessoria Médica
Cardiologia
Tilt teste, holter e avaliação de marca-passo
Dr. Bruno Vaz Bueno
[email protected]
Dra. Roberta Boari Molina
[email protected]
Dr. Dalmo Antonio Moreira
[email protected]
Teste ergométrico
Dr. Carlos Alberto R. de Oliveira
[email protected]
Dra. Paola Smanio
[email protected]
Ecocardiografia
Dr. Valdir A. Moisés
[email protected]
Medicina Nuclear
Dra. Paola Smanio
[email protected]
Dr. Marco Antonio Condé de Oliveira
[email protected]
Neuroimagem
Dra. Maramélia Araújo de M. Alves
[email protected]
Dr. Aurélio Pimenta Dutra
[email protected]
Eletroencefalografia
Dr. Luiz Henrique Martins Castro
[email protected]
Dra. Carmen Lisa Jorge
[email protected]
Dra. Marcília Lima Martyn
[email protected]
Dra. Juliana Passos de Almeida
[email protected]