Diarreia crônica, edema e dores ósseas em paciente idoso | Revista Médica Ed. 3 - 2015

Por onde começar a investigação diante de dores ósseas, edema e diarreia crônica?

Em que pensar diante de sintomas aparentemente díspares?

Paciente masculino, 71 anos, com história de diarreia crônica alta, iniciada 20 anos antes, e edema de membros inferiores, sem tratamento específico. Relatava o surgimento de dores ósseas nos seis meses anteriores, além de piora progressiva do edema. Na investigação inicial, os exames laboratoriais realizados evidenciaram anemia e linfocitopenia no hemograma, diminuição das proteínas séricas (albumina e γ-globulinas), fosfatase alcalina de 910 U/L (VR: até 250), cálcio total de 5,5 mg/dL (VR: 8,3-10,2), fósforo de 1,9 mg/dL (VR: 2,5-4,5) e paratormônio (PTH) de 927 pg/mL (VR: 10-65). Nos exames de imagem pedidos na ocasião, houve alterações nas radiografias ósseas e na densitometria óssea, bem como na enteroscopia de duplo balão (imagens abaixo).


ARQUIVO FLEURY


Qual o diagnóstico provável?

A - Talassemia

B - Osteoporose secundária à idade

C - Pseudo-hipoparatiroidismo

D-  Hiperparatiroidismo primário

E - Osteomalacia

Resposta do caso de diarreia crônica, edema e dores ósseas

A densitometria óssea revelou osteoporose em coluna lombar e no colo do fêmur (T-L1-L4 = -5,2 DP e T-colo do fêmur = -3,4 DP), mas ficou confirmado o diagnóstico de osteomalacia em virtude das demais manifestações e dos achados nos exames feitos no paciente.

A diarreia crônica justificava a hipoalbuminemia (e o edema), assim como a má absorção de cálcio e fósforo e a perda intestinal da vitamina D, que culminaram no hiperparatiroidismo secundário. Como causa da má absorção, a imagem da enteroscopia de duplo balão mostrou múltiplos nódulos branco-opalescentes em jejuno e íleo, com nítido vazamento de linfa. O exame anatomopatológico confirmou vasos linfáticos ectasiados (linfangiectasia intestinal). Por fim, a fosfatase alcalina elevada igualmente sugeriu o quadro de osteomalacia associado, explicando as fraturas.

De fato, diferentes condições clínicas associam-se à osteoporose e às fraturas, como distúrbios endócrinos, hematopoéticos, renais, reumatológicos e neuropsiquiátricos, uso de medicamentos, erros inatos do metabolismo, síndromes de má absorção, deficiência nutricional e o próprio estilo de vida. Além da história clínica detalhada, o exame físico deve avaliar peso, altura e índice de massa corporal atual, comparando os achados do presente com os do passado.

A densitometria óssea apenas aponta a presença de baixa massa óssea, mas não discrimina possíveis causas – no caso de uma osteoporose secundária, que é mais frequente em homens –, tampouco suscita a hipótese de outras afecções. Nesse sentido, a história clínica detalhada pode rastrear causas e racionalizar a investigação laboratorial, bem como direcionar a terapêutica. Dentre os exames laboratoriais úteis nessa investigação, destacam-se as dosagens de testosterona, TSH, PTH, cálcio sérico, cálcio urinário de 24 horas, fosfatase alcalina, hemograma, eletroforese de proteínas, urina I, gasometria venosa, ureia, creatinina, TGO, TGP e 25-hidroxivitamina D.

Após o diagnóstico, o paciente em questão iniciou tratamento com triglicérides de cadeia média, colecalciferol 50.000 U/semana e carbonato de cálcio 2 g/dia. Em dois meses, apresentou melhora do quadro, com controle do edema e da diarreia, redução da fosfatase alcalina e elevação de cálcio e fósforo séricos. Após quatro meses, entretanto, apresentou infecção pulmonar e celulite em membro superior esquerdo, com evolução para choque séptico refratário e óbito.

Assessoria Médica
Dr. Sergio S.Maeda