Envelhecimento manipulado | Revista Médica Ed. 4 - 2016

Professor israelense revela suas principais descobertas na abordagem da doença de Alzheimer.

Professor israelense revela suas principais descobertas na abordagem da doença de Alzheimer.


A expectativa de vida da população mundial está aumentando, bem como a prevalência do mal de Alzheimer, o que sugere uma íntima associação entre esses eventos. A boa notícia é que diversos estudos têm sido feitos não para conter, mas para tentar manipular biologicamente o envelhecimento. “Espera-se que, ao retardar tal processo, seja possível preservar a atividade dos mecanismos que resguardam os jovens da doença”, resume o pesquisador Ehud Cohen, professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular do Institute for Medical Research Israel-Canada e da Hebrew University Medical School, ambos em Jerusalém, Israel. Na entrevista a seguir, Cohen conta um pouco de sua experiência em pesquisa básica com o Alzheimer.


 Ehud Cohen,

professor do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular do Institute for Medical Research Israel-Canada e da Hebrew University Medical School, Israel.


A doença de Alzheimer tem sido mais diagnosticada atualmente?


Sim. Segundo a American Alzheimer’s Association, quase 4,7 milhões de americanos receberam esse diagnóstico em 2010 e a estimativa, para 2050, é que haja 13,8 milhões de doentes nos EUA. Vale notar que dois terços dos pacientes são mulheres. Embora não se saiba a razão disso, a maior frequência do Alzheimer na população feminina entre 65 e 75 anos, em comparação com a mesma faixa etária na ala masculina, indica que outros aspectos, além da longevidade, estejam envolvidos na maior suscetibilidade do sexo feminino à doença.   


A crescente proporção de idosos significa que haverá mais casos de Alzheimer no futuro? 


O aumento da expectativa de vida é um dos principais responsáveis pela crescente prevalência do mal de Alzheimer. No entanto, o sedentarismo e o alto consumo de gordura também parecem contribuir para esse crescimento. Estudos experimentais mostraram que roedores fisicamente ativos desenvolveram os sintomas de Alzheimer mais tarde, em comparação com outros, não ativos, e apresentaram menor progressão da doença. Assim, o incentivo à atividade física em todas as idades deve ser parte de qualquer plano destinado a reduzir a prevalência da enfermidade.


Existe apenas um mecanismo envolvido nessa doença ou são vários?


Durante anos, a "hipótese amiloide" foi aceita como o único mecanismo subjacente ao desenvolvimento do Alzheimer. Essa teoria sugere que o excesso de proteólise da proteína precursora amiloide (APP) pelas β e ϒ-secretases, ambas proteases, leva à produção demasiada do peptídeo Aβ, que se acumula no cérebro e inicia o processo que determina a condição. Contudo, ficou demonstrado que existe uma fraca correlação entre as concentrações cerebrais de Aβ e a gravidade da doença, bem como que certas mutações na presenilina 1 – o componente ativo do complexo secretase ϒ – causam perda de sua função, além de níveis reduzidos na produção de Aβ e mudanças na relação entre os diferentes subtipos de Aβ. Nesse ponto, é justo dizer que a hipótese amiloide não explica todos os casos e que existe mais de um mecanismo por trás dessa devastadora afecção.


O Alzheimer é uma doença do envelhecimento? Seria possível manipular esse processo?


Como outras condições neurodegenerativas, o Alzheimer tem início tardio. Casos esporádicos se manifestam em torno dos 70 anos, ou depois, e indivíduos com mutações genéticas associadas à doença a desenvolvem entre os 50 e os 60 anos. Isso define o envelhecimento como o principal fator de risco nesse contexto e nos faz questionar se ele desempenha um papel ativo no aparecimento do Alzheimer. Um exemplo de destaque na manipulação desse processo é a proteção contra fenótipos da doença, vista em vermes e camundongos nos quais a atividade da cascata de sinalização IGF-1 foi reduzida. Assim, a inibição da via de sinalização de IGF-1 poderia ser uma intervenção com grande potencial para proteger os seres humanos contra a afecção, sem, contudo, provocar efeito algum sobre a longevidade. 


O senhor acredita que a manipulação do envelhecimento pode servir como uma intervenção geral, útil para tratar doenças associadas à idade?


Como o envelhecimento determina muitas condições que resultam da agregação de proteína tóxica, espera-se que retardar esse processo possa preservar a atividade de mecanismos que resguardam os jovens de tais doenças. Vários grupos de pesquisa testaram essa noção, tendo verificado, em modelos animais, que a redução da atividade de sinalização da cascata do IGF-1 protege contra a toxicidade de proteínas que sustentam diferentes afecções neurodegenerativas. Embora a maioria dos estudos tenha sido realizada em organismos simples, a alta conservação dos mecanismos biológicos fundamentais em todo o filo sugere fortemente que uma alteração seletiva na senescência poderia ajudar a tratar diferentes enfermidades que cursam com neurodegeneração.


Quais são os maiores desafios para propor uma terapia para o mal de Alzheimer?


Primeiro, precisamos começar a criar coquetéis de compostos capazes de atingir simultaneamente alvos diferentes que culminam com a manifestação do Alzheimer. Segundo, deve haver um melhor entendimento dos mecanismos que causam a enfermidade. Por fim, o diagnóstico precoce precisa ser feito, idealmente na fase pré-sintomática, para que possamos intervir antes do surgimento de lesões maiores no cérebro.


Se houver alguém na família com a doença, qual é a prevalência de um caso seguinte no mesmo núcleo?


Há vários cenários aqui. Raramente as mutações em APP e presenilina 1 e 2, que provocam manifestação precoce da doença e são herdadas, ocorrem numa única pessoa da família. Assim, o surgimento do Alzheimer antes da maturidade pode sinalizar a presença dessa alteração genética e um alto risco para a enfermidade em outros membros da mesma coorte. As variantes de certos genes também aumentam essa probabilidade, mas isso não significa que seus portadores terão a condição. A ApoEϵ4, por exemplo, associa-se a risco relativamente elevado de desenvolver a doença, enquanto a ApoEϵ2 está relacionada a baixo risco. Por último, já que a maioria dos casos de Alzheimer começa de modo esporádico, é provável que, na maioria dos pacientes, o aparecimento da enfermidade em um membro da família não tenha relevância para seu surgimento em outros indivíduos do mesmo núcleo.


Embora muitos fatores estejam implicados no Alzheimer, o que importa, de fato?


Temos de ser cuidadosos ao analisar os fatores que aumentam ou diminuem o risco da doença. Muitos estudos projetados para identificá-los foram feitos em modelos animais que não tinham genética idêntica e que estavam predispostos a desenvolver o mal de Alzheimer. Outros usaram grandes populações humanas para isolar um aspecto, mesmo sabendo que as pessoas têm muitas diferenças no estilo de vida e na dieta. No entanto, penso que há provas substanciais para apoiar a alegação de que o exercício físico regular, a gestão do estresse e a dieta saudável reduzem o risco de o indivíduo vir a ter muitas doenças, incluindo o Alzheimer.

Já que também garantem melhor qualidade de vida, por que não adotá-los?

 

Entrevista concedida ao
Dr. Gustavo Maciel, assessor médico
do Fleury em Biologia Molecular