Gravidez com final feliz | Revista Médica Ed. 3 - 2014

Casal de obstetras da Holanda fala de seu trabalho na promoção da saúde gestacional, ele com foco no diabetes e ela no rastreamento de cromossomopatias

Casal de obstetras da Holanda fala de seu trabalho na promoção da saúde gestacional, ele com foco no diabetes e ela no rastreamento de cromossomopatias

A professora doutora de Medicina Materno-Fetal da Universidade de Groningen, na Holanda, Katia Bilardo, estudou na Universidade de Torino, na Itália, e logo se apaixonou pela Ginecologia e pela Obstetrícia, o que a levou, mais tarde, ao King´s College Hospital, em Londres, onde se tornou especialista em Medicina Fetal e conheceu seu esposo, o também ginecologista Gerard H. A. Visser. Ambos se mudaram para os Países Baixos e ali desenvolveram sua carreira acadêmica, ela na Universidade de Amsterdã e ele na Universidade de Utrecht, na qual atua como professor e chefe do Departamento de Obstetrícia do Centro Médico local.

Unidos na vida e no trabalho, cada qual, porém, segue sua própria linha de pesquisa na prevenção e no controle de doenças durante a gestação. Enquanto Visser se preocupa com as gravidezes de risco decorrentes do diabetes e da obesidade, Bilardo está à frente de um programa de rastreamento de cromossomopatias do governo holandês, além de ser chefe do Departamento de Medicina Fetal da Universidade de Groningen. Contudo, o objetivo de ambos é o mesmo: um bom desfecho gestacional para mãe e bebê.

 

Katia Bilardo

Professora doutora de Medicina Materno-Fetal da Universidade de Groningen.


Gerard H. A. Visser

Professor e chefe do Departamento de Obstetrícia do Centro Médico da Universidade de Utrecht

ARQUIVO PESSOAL

 

Bilardo
Cerco às cromossomopatias

Que métodos a senhora emprega no screening para anomalias cromossômicas?
Hoje usamos o teste combinado, que inclui medida da translucêncianucal (TN) e marcadores no soro materno, com resultados altamente confiáveis na identificação de fetos com risco aumentado de anomalia cromossômica. Contudo, apenas os métodos invasivos, como a amniocentese ou a biópsia coriô¬nica, fornecem um diagnóstico definitivo. Embora esses dois exames apresentem um baixo risco para o aborto iatrogênico, as pesquisas atualmente se voltam para o diagnóstico não invasivo de tais condições, com base na análise do DNA fetal no sangue materno. Entretanto, este último também constitui uma triagem, que, portanto, não oferece 100% de garantia. A discussão em curso é se o DNA fetal deve substituir o teste combinado ou se ele tem de ser reservado apenas às mulheres com maior risco detectado após a medida da TN e dos marcadores bioquímicos.

Além da medida da TN, qual o papel ocupado pela ultrassonografia (US) nesse contexto?
A US está indicada para todas as gestantes. Eu recomendo o primeiro exame em torno de 12 e 13 semanas, para verificar se há anomalias graves, e o segundo entre 18 e 20 semanas. Outras ultrassonografias podem ser feitas para monitorar o crescimento do feto, mas um rastreio para alterações congênitas pode ser mais bem realizado no fim do primeiro trimestre e início do segundo, embora uma minoria de anomalias só possa ser visível mais tarde, em torno da 20ª semana.

A senhora implementou, na Holanda, um programa nacional de triagem pré-natal para detectar anomalias cromossômicas e estruturais. Como funciona essa iniciativa?
O rastreamento de anomalias estruturais e cromossômicas é regulamentado pelo governo holandês e, por isso, seguimos rigorosos protocolos. Os dados são coletados e avaliados em âmbito nacional. Na prática, quase todas as gestantes optam pela avaliação de anomalias por meio do teste combinado, mas apenas 30% fazem a triagem para síndrome de Down, o que tem diferentes explicações. Entendemos que a pesquisa por anomalia, por se tratar de uma avaliação de risco, pode não ser considerada confiável. O fato é que muitas sentem medo de perder suas gestações por causa da amniocentese ou da biópsia de vilocorial. E, além disso, nem consideram que o screening para a síndrome de Down deva ser realizado devido à alta aceitação dessa doença na Holanda. Assim, temos nos esforçado para melhorar o aconselhamento das mulheres sobre esses exames. Uma vez que o teste não invasivo para análise de DNA fetal no sangue materno está entrando em rotina no nosso país, será interessante verificar se a participação das gestantes no rastreamento vai aumentar com essa nova possibilidade.

Visser
No encalço do diabetes

Qual é a implicação da obesidade no diabetes e na gravidez? Por que o senhor costuma dizer que “quase bom não é bom o suficiente”?
A obesidade tem muitos efeitos negativos sobre os resultados da gravidez, elevando a incidência de malformações fetais e de prematuridade, bem como os casos de hipertensão arterial e diabetes mellitus gestacionais (DMG), de mortalidade fetal e neonatal e de nascimento de bebês obesos. Em associação com o DMG, a obesidade determina o aumento de todas essas complicações. “Quase bom não é bom o suficiente” significa que, mesmo com o quase adequado controle da glicemia, já que o perfeito controle ainda não é possível, as complicações permanecem. Com isso, tais gestações devem ser consideradas de alto risco, com vigilância pré-natal intensiva por equipes especializadas.

O diagnóstico mais precoce do DMG, preconizado pelos novos critérios internacionais, não vai permitir um maior controle da glicemia e evitar essas complicações?
A incidência de DMG vai dobrar com a disseminação do uso desses novos critérios, em comparação com os antigos, menos rigorosos – em média, a condição será diagnosticada em 18% das gestações. É questionável se estamos preparados para esse cenário e se o tratamento muito leve da doença melhoraria o resultado de tais gravidezes. O fato é que mais estudos são necessários para resolver tal problema.

Quais os pontos positivos dos estudos de seguimento que o senhor tem feito para controlar o desenvolvimento e o crescimento embrionário e fetal?
Esses estudos vêm apontando que recém-nascidos macrossômicos apresentam risco maior de se tornar obesos e resistentes à insulina. Por isso, defendemos que a obesidade infantil deva ser prevenida entre 2 e 7 anos de idade, enquanto a do diabetes tipo 2 e do DMG precisa estar relacionada com a prevenção da obesidade.

Qual é a complexidade dos casos de restrição do crescimento intrauterino (RCIU) com que o senhor se depara nesses estudos?
Depende do momento do diagnóstico. No começo da gestação, identificamos a RCIU facilmente. No entanto, o único tratamento é o parto precoce, com prognóstico bastante pobre. A prevenção desses casos constitui o verdadeiro problema, apesar de, agora, parecer viável a realização de triagem no início da gravidez – com avaliações obstétricas e história médica, medidas da pressão arterial, dosagem de hormônios da placenta e Doppler da artéria uterina –, além do uso de ácido acetilsalicílico em dose baixa. Já a RCIU no terceiro trimestre é difícil de identificar, uma vez que a avaliação com Doppler não funciona e as medidas ultrassonográficas não têm precisão, o que é uma pena, pois há mais facilidade de induzir o parto nessa etapa.

Entrevista concedida à Dra. Barbara Gonçalves da Silva, consultora médica do Fleury