Hiperparatiroidismo primário | Revista Médica Ed. 3 - 2015

Bem combinados, métodos de imagem guiam o tratamento cirúrgico do hiperparatiroidismo primário

O CASO

Paciente do sexo feminino, 50 anos, procurou ginecologista para a avaliação de sintomas da menopausa. Além de fogachos, perda da libido e depressão, relatava poliúria e constipação. Também referia ter tido necessidade de várias litotripsias. Ao exame físico, apresentava pressão arterial de 140 x 90 mmHg, sem outros achados. Seu médico solicitou exames laboratoriais que revelaram hipercalcemia, além de uma densitometria óssea que detectou osteoporose.

Diante do quadro clínico e dos resultados dos exames, o clínico fez a hipótese de hiperparatiroidismo primário. A paciente foi, então, encaminhada ao endocrinologista, que, em avaliação complementar, confirmou a hipercalcemia associada a níveis de paratormônio (PTH) inapropriadamente elevados, característicos da condição. 

 
Paciente
Referência
Resultados
Cálcio (mg/dL)
11,7
8,6 – 10,3
Cálcio ionizado (mmol/L)
1,65
1,11 – 1,40
PTH (pg/mL)
135
10 – 65
bio-PTH (pg/mL)
108
20 – 58
25-OH-vitD (ng/mL)
42
30 – 60
Creatinina (mg/dL)
0,9
0,7 – 1,3
Calciúria (mg/24h)
342
55 – 220
Clearance de creatinina (mL/min/1,73m2)
95
75 – 115


A DISCUSSÃO

Hiperparatiroidismo primário – a principal causa de hipercalcemia ambulatorial

Considerado um distúrbio do metabolismo do cálcio, o hiperparatiroidismo primário (HPP) caracteriza-se por uma concentração de PTH inapropriada para o valor correspondente de calcemia. Pode ser assintomático ou estar associado a manifestações como nefrolitíase, osteoporose, fratura, comprometimento da função renal, constipação, poliúria, depressão e hipertensão, entre outras.

A condição afeta mais mulheres que homens, numa proporção de 3:1, e tem incidência relativamente alta, de até um caso por 500 indivíduos, principalmente após a sexta década de vida. Em relação à etiologia, cerca de 80-85% dos casos apresentam adenoma único de paratiroide e 10-15% se devem à hiperplasia das quatro glândulas. Adenomas múltiplos são menos frequentes e o carcinoma de paratiroide costuma ser bastante raro, afetando menos de 1% dos pacientes.

O diagnóstico, hoje mais frequente pelo aumento das solicitações de dosagem de cálcio, baseia-se exclusivamente nos achados laboratoriais em que há concomitância de hipercalcemia e nível de PTH inapropriadamente normal ou elevado. Os exames de imagem servem apenas para localizar a paratiroide autônoma e não devem ser usados para confirmar o quadro nem para diferenciá-lo de outras causas de aumento de paratormônio.

Causas dependentes de PTH
Causas independentes de PTH
Diagnóstico diferencial de hipercalcemia
  • HPP
  • Neoplasias (mama, pulmão, hematológicas, etc.)
  • Alteração no sensor de cálcio:


    • Hipercalcemia hipocalciúrica familiar benigna
    • Uso de lítio
    • Hiperparatiroidismo neonatal grave
  • Doenças granulomatosas:


    • Sarcoidose
    • Tuberculose
    • Histoplasmose, coccidioidomicose
  • Medicamentos: antiácidos, diuréticos tiazídicos, etc.

  • Intoxicação por vitamina D

  • Intoxicação por vitamina A

  • Hipertiroidismo

  • Feocromocitoma

  • Imobilização prolongada



Como afastar outras causas

Nem sempre a elevação do PTH decorre de HPP. Na vigência de cálcio sérico normal ou baixo, por exemplo, o aumento desse hormônio sugere hiperparatiroidismo secundário – uma resposta fisiológica para a manutenção da calcemia. Nos casos de normocalcemia associada à elevação do PTH, é importante avaliar hipovitaminose D (boxe 2) e presença de hipercalciúria como causas secundárias mais comuns.


Em pacientes com PTH aumentado, cálcio normal e hipovitaminose D, a reposição dessa vitamina faz-se necessária para distinguir o quadro primário do secundário. Após a terapêutica em doses suficientes, a normalização do PTH confirma a forma secundária do distúrbio, enquanto a persistência da elevação relacionada ao aumento da calcemia aponta para o diagnóstico de HPP.


Além da dosagem de vitamina D, a avaliação renal tem igualmente papel essencial na investigação, uma vez que valores elevados de PTH podem também ser encontrados em pacientes com perda da função dos rins. 


Outras possíveis causas de hiperparatiroidismo secundário incluem as síndromes disabsortivas, presentes em casos de doença inflamatória intestinal ou nos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.


Vale lembrar que os diuréticos tiazídicos ocasionam hipercalcemia não paratiroidiana e devem ser suspensos na investigação do quadro.



Qual o papel do bio-PTH no diagnóstico do hiperparatiroidismo?
O PTH é um peptídeo formado por 84 aminoácidos, com os quatro primeiros da porção aminoterminal compondo o segmento molecular que ativa o receptor. Contudo, os demais fragmentos sem atividade biológica estão igualmente presentes na circulação e podem interferir na dosagem laboratorial do hormônio. Os ensaios imunométricos de segunda geração resolvem apenas em parte essa interferência, visto que se baseiam em dois anticorpos diferentes, um direcionado para a porção aminoterminal (não incluindo os quatro aminoácidos iniciais) e outro para a porção carboxiterminal da molécula de PTH, sendo que as formas moleculares reconhecidas podem ter suas concentrações influenciadas por diversos fatores, como a própria calcemia e a função renal. Essa limitação levou ao desenvolvimento de um ensaio de terceira geração, capaz de identificar somente a forma biologicamente ativa do hormônio, o bio-PTH, utilizando anticorpos exclusivamente dirigidos contra a porção aminoterminal. Por ser mais específico que a dosagem tradicional, o bio-PTH pode ser útil em condições nas quais a detecção das diversas isoformas do hormônio pode prejudicar o diagnóstico, como ocorre nos doentes renais crônicos. A análise por esse método, em geral, resulta em valores mais baixos que os dos testes de segunda geração.


Avaliação da hipovitaminose D:
25-hidroxivitamina D ou 1,25-di-hidroxivitamina D?
A dosagem de 25-hidroxivitamina D está indicada sobretudo na definição de estados de carência dessa vitamina. A insuficiência pode estar associada ao hiperparatiroidismo secundário, à perda óssea e a distúrbios de mineralização óssea. O exame também avalia a hipercalcemia secundária à intoxicação por vitamina D. Já o uso da 1,25-di-hidroxivitamina D limita-se ao estudo das hipercalcemias PTH-independentes relacionadas com a produção ectópica da 1-alfa-hidroxilase, enzima que converte a 25-hidroxivitamina D em 1,25-di-hidroxivitamina D e cuja atividade aumenta nas doenças granulomatosas.



Adenoma típico no polo inferior do lobo esquerdo



Cintilografia de paratiroide: imagens apresentam captação e retenção de MIBI e ausência de captação nas aquisições com 99mtecnécio.

ARQUIVO FLEURY


 

 Aspecto ultrassonográfico do adenoma da paratiroide, caracterizado por nódulo sólido hipoecogênico circunscrito, localizado na parte inferior do lobo tiroidiano esquerdo. 

ARQUIVO FLEURY


 

Tomografia direcionada evidencia nódulo hipoatenuante no sulco traqueoesofágico.

ARQUIVO FLEURY



Métodos de imagem para a localização do adenoma

Vantagens de associar a cintilografia ao ultrassom

O padrão característico do adenoma de paratiroide à cintilografia é de hipercaptação da metoxi-isobutilisonitrila-99mtecnécio (MIBI-99mTc) nas imagens precoces e de retenção nas tardias. Tal padrão se explica, em parte, pela grande concentração de mitocôndrias existente nesse tumor, estrutura pela qual esse radiofármaco apresenta afinidade.


A realização de imagens em cortes (Spect) aumenta a acurácia do exame porque permite demonstrar a localização posterior desse tumor. A complementação com 99mTc auxilia a detecção de adenomas menores e que não mostram retenção evidente nas imagens tardias com MIBI, o que pode ocorrer em boa parte dos casos. O adenoma de paratiroide é hipocaptante nas imagens com 99mTc, pois esse radiomarcador se concentra apenas em células tiroidianas.


Além de ser um exame sensível e específico para a localização do adenoma, a cintilografia permite a avaliação da região mediastinal, podendo detectar uma paratiroide ectópica. Também tem utilidade em casos de reabordagem cirúrgica, uma vez que, diferentemente dos métodos anatômicos, não sofre influência de alterações pós-manipulação. 


As causas de resultados falsamente positivos ao estudo cintilográfico incluem hiperplasia secundária à hipovitaminose D, raros casos de carcinoma diferenciado da tiroide, remanescente tímico, linfoma, linfadenopatia inflamatória, metastática ou secundária à sarcoidose, tumor marrom em esterno e, sobretudo, a presença de doença uni ou multinodular na tiroide. Nessas situações, a realização concomitante da ultrassonografia pode ajudar o diagnóstico diferencial. 


 

Imagem SPECT demonstra a localização posterior do adenoma.

ARQUIVO FLEURY


Lesões milimétricas

O ultrassom possui hoje importante papel na avaliação do HPP, visto que, com o uso de transdutores de alta frequência, é considerado o método de imagem de maior precisão para o rastreamento regional, em virtude de sua capacidade de identificar lesões milimétricas. Ademais, é acessível e não invasivo, tem baixo custo e não utiliza radiação ionizante, constituindo-se no recurso ideal para guiar punções aspirativas com agulha fina para a análise citológica e/ou a dosagem de PTH do aspirado de nódulos suspeitos. Entretanto, possui limitações, como o fato de ser dependente do operador, de não poder avaliar o mediastino e de perder acurácia em adenomas pequenos, quando não consegue diferenciar linfonodo de paratiroide.


Apesar disso, e corroborando a experiência do Fleury, estudos demonstram que a análise integrada entre os achados cintilográficos e ultrassonográficos proporciona índices de sensibilidade e especificidade extremamente elevados, configurando a combinação mais adequada, dentre os métodos de imagem, para o rastreamento cervical em pacientes com diagnóstico de HPP. A informação adicional obtida pela tomografia dirigida, realizada na cintilografia, apresenta relevância na localização anatômica precisa do adenoma, além de aumentar a acurácia da identificação da paratiroide.


Outros métodos de imagem

A ressonância magnética e a tomografia computadorizada são secundárias para localizar o adenoma da paratiroide. Apesar de obterem um ótimo delineamento da anatomia e de permitirem a análise do mediastino, esses métodos têm menor sensibilidade em lesões cervicais de diminutas dimensões e podem não diferenciar adenomas de linfonodos, em especial se não houver realce pelo contraste endovenoso.


No caso aqui discutido, o achado de hipercalcemia PTH-dependente foi consistente com o diagnóstico de HPP. A dosagem de cálcio total maior que 1 mg/dL do limite superior do método e a presença de osteoporose densitométrica constituíram critérios para a indicação de paratiroidectomia. Já os exames de imagem revelaram um possível adenoma da glândula paratiroide inferior esquerda, posteriormente confirmado pela cirurgia. 



Quando indicar a paratiroidectomia?
A paratiroidectomia está indicada em todos os pacientes com doença sintomática, ou seja, com nefrolitíase, osteíte fibrosa cística e fraturas, bem como em indivíduos assintomáticos que apresentem um dos seguintes critérios:
  • Idade inferior a 50 anos

  • Clearance de creatinina inferior a 60 mL/minuto

  • Presença de nefrolitíase (mesmo assintomática) ou de nefrocalcinose à radiografia, à ultrassonografia ou à tomografia

  • Osteoporose densitométrica em coluna, colo femoral, fêmur total ou antebraço

  • Presença de fratura vertebral (mesmo assintomática) em exames como radiografia, tomografia, ressonância ou densitometria (vertebral fracture assessement, ou VFA)

  • Cálcio total acima de 1 mg/dL do limite superior do método




CONCLUSÃO

É fundamental suspeitar do HPP em mulheres com quadro de perda óssea, principalmente quando essa condição se associa à nefrolitíase de repetição. Mais de 80% dos casos são ocasionados por adenoma único de paratiroide. O diagnóstico preciso da doença e das consequentes comorbidades permite indicação cirúrgica, que leva à cura em mais de 90% das situações.



 


Assessoria Médica
Endocrinologia:
Dr. José G. H. Vieira
Dra. Maria Izabel Chiamolera
Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra
Dra. Rosa Paula Mello Biscolla
Densitometria Óssea:
Dra. Patrícia Dreyer
Dra. Patrícia Muszkat
Dr. Sergio S. Maeda
Medicina Nuclear:
Dr. Marco Antonio C. Oliveira
Dra. Paola Emanuela P. Smanio
Ultrassonografia:
Dr. Alberto Lobo Machado