Investigação de infecções fúngicas em pacientes com neutropenia | Revista Médica Ed. 4 - 2011

Exames disponíveis permitem definir a estratégia preemptiva de tratamento em indivíduos de alto risco.

Exames disponíveis permitem definir a estratégia preemptiva de tratamento em indivíduos de alto risco.

Uma das mais relevantes condições advindas do modo adverso dos tratamentos onco-hematológicos é a neutropenia febril. Entre 10% e 50% dos pacientes neutropênicos em quimioterapia para tumores sólidos desenvolve febre em algum dos ciclos terapêuticos. A proporção entre os portadores de doenças malignas hematológicas é ainda maior, podendo chegar a 80%. De todos os episódios febris associados à neutropenia, somente de 20% a 30% relacionam-se a infecções que poderão ser documentadas. A etiologia da maior parte dos casos é bacteriana. Entretanto, a probabilidade de infecção fúngica invasiva aumenta com o tempo de neutropenia, especialmente após uma semana de antibioticoterapia empírica de amplo espectro. Veja, a seguir, que hipóteses considerar nessa situação clínica e como conduzir a investigação.

Pense em candidemia
Apesar da ocorrência relativamente comum de infecções mucocutâneas superficiais pelas diversas espécies de Candida na vigência de imunossupressão, os processos infecciosos invasivos e/ou viscerais por esse gênero de levedura ocorrem com menor frequência. Por outro lado, a presença de mucosite induzida por quimioterápicos é um fator de risco para candidemia, uma vez que há quebra da barreira mucosa do trato gastrointestinal, facilitando a infecção por translocação, sobretudo a partir do cólon. É possível isolar as espécies de Candida nos meios empregados usualmente em hemoculturas para bactérias aeróbias. Contudo, na suspeita dessa etiologia, a coleta de sangue em balões específicos para fungos aumenta a sensibilidade para a recuperação de Candida não albicans, como C. glabrata. Indivíduos que usam fluconazol profilaticamente – situação frequente entre pacientes com neoplasias hematológicas e transplantados de células-tronco hematopoéticas – apresentam incidência aumentada de candidemia por essa espécie, que tem sensibilidade reduzida à droga. Portadores de cateter vascular de longa permanência também estão sob risco de infecção de corrente sanguínea exógena por Candida não albicans, sobretudo a C. parapsilosis. Na presença de lesões orais e disfagia, pode ser indicada uma endoscopia digestiva alta, que, em condições habituais, não aumenta o risco de bacteriemia e, portanto, só é contraindicada diante de plaquetopenia grave. A possibilidade de realização de biópsias, oferecida pelo método, também contribui para o diagnóstico diferencial com outras causas de esofagite, como infecção por Herpes simplex e citomegalovírus.
Considere a hipótese de aspergilose invasiva
As infecções fúngicas de maior morbidade em neutropênicos têm, como causa, os fungos filamentosos, notadamente do gênero Aspergillus, que respondem por cerca de 90% dos casos de acometimento pulmonar, a maioria na forma angioinvasiva, e até 80% dos casos de envolvimento dos seios paranasais, na forma invasiva aguda. Com menor incidência, podem ocorrer zigomicoses e infecções por Fusarium sp. Desse modo, a investigação de aspergilose invasiva (AI) é mandatória em neutropênicos febris, sobretudo naqueles que persistem com febre depois de quatro a sete dias de uso de agentes antibacterianos de amplo espectro e para os quais se espera tempo de neutropenia superior a dez dias.

Como detectar a presença do Aspergillus

Marcadores séricos
Pelo menos três marcadores séricos de infecção fúngica invasiva vêm sendo extensamente estudados para que se tornem ferramentas para avaliar a indicação de terapia antifúngica para neutropênicos febris. Entre eles estão o DNA do Aspergillus, identificado por PCR em tempo real, e dois antígenos da parede celular dos fungos, detectáveis por ensaios sorológicos: a β-(1,3)-D glucana e a galactomanana, esta última já disponível comercialmente em nosso meio. A detecção de galactomanana é viável por meio de ensaios sorológicos imunoenzimáticos, que estão indicados para a investigação de aspergilose invasiva somente em pacientes de alto risco, dada a baixa incidência dessa entidade na população de baixo risco, pelos critérios já descritos. A sensibilidade do teste em uma única amostra ainda é insuficiente, de modo que um resultado negativo não basta para a exclusão diagnóstica. Recomenda-se que dois resultados positivos, pelo menos, sejam obtidos em amostras distintas para considerar a positividade clinicamente significativa e útil para a indicação de terapia preemptiva, ou seja, instituída de maneira mais direcionada que a empírica. A obtenção de amostras seriadas para a monitoração de pacientes afebris e sem suspeita de infecção invasiva permanece controversa. Convém assinalar que os testes de galactomanana não são capazes de diagnosticar infecções por outros fungos filamentosos, que, apesar de raros, têm adquirido cada vez mais importância epidemiológica com o aumento do número e da sobrevida de indivíduos imunossuprimidos, com destaque para os zigomicetos (Mucor, Rhizopus e Absidia), após o advento da profilaxia com voriconazol, e para o gênero Fusarium. De qualquer modo, esses exames podem aumentar o poder diagnóstico e reduzir a quantidade de tratamentos desnecessários quando associados aos achados tomográficos e analisados de forma ponderada e individualizada. Mais recentemente, passou a ser averiguada a utilidade da detecção de galactomanana em lavado broncoalveolar para o diagnóstico de AI, uma vez que a obtenção dessas amostras está associada a uma menor frequência de complicações quando comparada à biópsia pulmonar. Aparentemente, nesse material os ensaios atingem maior sensibilidade que nos realizados em soro, o que permite elevar o ponto de corte, para melhorar a especificidade, sem prejuízo do poder diagnóstico. Entretanto, o ponto ideal ainda não está estabelecido.

Utilidade dos testes de galactomanana é confirmada por metanálise
A sensibilidade e a especificidade dos testes baseados em galactomanana foram avaliadas recentemente em uma metanálise (Cochrane Database System Reviews, 2008) para diversos pontos de corte, em populações de imunossuprimidos com uma prevalência mediana de AI em torno de 8%. Apesar da heterogeneidade dos 30 estudos incluídos, os valores obtidos confirmaram a utilidade desses exames como uma ferramenta adjuvante para a indicação de terapia antifúngica preemptiva.

Sensibilidade e especificidade dos testes de galactomanana por Elisa
Ponto de corte (DO)SensibilidadeEspecificidade
0,5
78%81%
1,075%91%
1,564%95%

Alterações tomográficas características de aspergilose

A tomografia computadorizada (TC) tem um papel fundamental no diagnóstico das infecções fúngicas pulmonares e sinusais em neutropênicos. Não só é capaz de demonstrar alterações não detectadas pela radiografia simples, como também define o padrão de distribuição e a extensão das lesões, além de ser mais acurada para a constatação de complicações. Nas pneumonias por fungos filamentosos, as principais alterações tomográficas encontradas são nódulos e/ou massas, consolidações e opacidades em vidro fosco. Os nódulos, que correspondem a uma área central de necrose e, portanto, frequentemente apresentam pontos de escavação, podem estar associados a um halo com atenuação em vidro fosco, que traduz área de edema e hemorragia ao seu redor. Tais alterações decorrem histopatologicamente da invasão de vasos pulmonares de pequeno e médio calibre pelo fungo, com subsequente trombose e necrose isquêmica do parênquima pulmonar. Em conjunto, esses achados em um paciente neutropênico têm alto valor preditivo positivo para o diagnóstico de pneumonia por fungo filamentoso. A confirmação por biópsia deve ser ponderada mediante os riscos inerentes ao procedimento. Nas sinusites fúngicas, por sua vez, as principais manifestações tomográficas envolvem o espessamento da mucosa de revestimento e a presença de conteúdo hiperatenuante ou com densidade de partes moles na cavidade nasal e nos seios paranasais acometidos. Com frequência, há invasão intracraniana ou intraorbital das lesões, sendo ainda observadas áreas de erosão e destruição óssea das paredes dos seios paranasais, além de extensão do acometimento para essas regiões. O achado mais precoce na TC, embora não específico, é a presença de extenso espessamento unilateral da mucosa da cavidade nasal. Os sinais tomográficos que guardam correlação com as infecções fúngicas invasivas em neutropênicos são também de grande utilidade para a estratégia preemptiva de tratamento, com introdução de droga antifúngica apenas para os indivíduos que apresentam achados sugestivos dessa etiologia, seja nos exames de imagem, seja em testes sorológicos.

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Assessoria Médica
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