Muito além da síndrome de Down | Revista Médica Ed. 3 - 2011

Diante da realização de um cariótipo pré-natal, é conveniente estar preparado para discutir anomalias inesperadas.

Diante da realização de um cariótipo pré-natal, é conveniente estar preparado para discutir anomalias inesperadas.

Estudos epidemiológicos conduzidos nos últimos 40 anos em vários países demonstraram que cerca de 3% de todas as gestações podem resultar no nascimento de uma criança com doença genética ou anormalidade congênita capaz de determinar algum grau de incapacidade física e de deficiência mental ou morte precoce. As alterações cromossômicas constituem a terceira causa mais frequente de anomalias congênitas. Estima-se que ocorram em aproximadamente 1:150 nativivos e são consideradas as principais causas identificáveis de perdas gestacionais e de deficiência mental. Para ter uma ideia de sua prevalência, as alterações cromossômicas estão presentes em 50% e em 20% das perdas gestacionais espontâneas de primeiro e de segundo trimestre gestacional, respectivamente. O diagnóstico dessas anomalias por cariótipo fetal é indicado em diversas situações, mas particularmente nos casos de idade avançada da gestante, história pregressa de criança com alteração cromossômica, exames séricos maternos alterados, ultrassonografia fetal com medidas anormais de translucência nucal e presença de translocação cromossômica em um dos genitores, entre outras circunstâncias. Como, em geral, as pessoas que escolhem fazer o exame para o diagnóstico pré-natal se preocupam mais com determinadas condições cromossômicas, como a síndrome de Down, por se tratar da alteração mais comum, é importante lembrar que outras anomalias podem ser encontradas, devendo, portanto, merecer a devida abordagem antes do procedimento. Por outro lado, diante do diagnóstico, convém discutir a cromossomopatia em detalhes com o casal para possibilitar o entendimento de sua abrangência e implicações, assim como a orientação sobre as medidas a serem tomadas por meio de aconselhamento genético. Depois da síndrome de Down, as alterações mais frequentes incluem a trissomia do cromossomo 18, ou síndrome de Edwards, e a trissomia do 13, ou síndrome de Patau. Em relação às anomalias dos cromossomos sexuais, a monossomia do X, ou síndrome de Turner, é mais usual que o XXY, ou síndrome de Klinefelter, e o duplo Y. Mais raramente, há ainda anomalias estruturais, balanceadas ou não.

Alterações cromossômicas mais frequentes, depois da trissomia do 21

Alteração
Características
Trissomia do 18,
ou síndrome de Edwards
Foi a segunda trissomia autossômica relatada na espécie humana. A incidência é estimada em 1:7.000 nativivos.
As malformações cardiovasculares estão presentes em cerca de 85% desses fetos. A comunicação interventricular ocorre em 75% a 100% dos casos. Seguem‑se, em frequências variáveis, as anomalias das valvas cardíacas, a PCA e a CIA. As alterações gastrointestinais mais comuns incluem a má rotação intestinal, a atresia do esôfago com fístula traqueoesofágica e a onfalocele. As malformações renais são encontradas em 57% dos fetos, sobretudo rins em ferradura, rins policísticos e hidronefrose. Assim como a trissomia do 13, a do 18 geralmente termina em perda gestacional espontânea. O prognóstico é bastante reservado. De 55% a 65% dos recém-nascidos morrem na primeira semana de vida e 90% vão a óbito ao redor dos 6 meses de idade. Apenas 5-10% dos portadores estão vivos no primeiro ano de vida.
Trissomia do 13, ou síndrome de Patau
É a terceira trissomia autossômica mais frequente, com incidência estimada em 1:12.000 nativivos. Os pacientes podem apresentar a tríade característica, composta de microftalmia, fissura labial/palatina e polidactilia. As malformações cardíacas ocorrem em mais de 80% dos fetos, com CIV (50-60%), PCA (50-60%) e CIA (40-50%). Já as gastrointestinais são observadas em 50% a 80% dos casos, sobretudo a má rotação intestinal, as anomalias do baço e as displasias do pâncreas. De 60% a 80% dos portadores possuem malformações renais, que incluem rins policísticos (40-50%), duplicação da pelve renal e hidroureter. A mortalidade perinatal é igualmente elevada na trissomia do 13, sendo rara a sobrevida após o primeiro ano – 28% dos recém-nascidos morrem na primeira semana de vida; 44%, com 1 mês de idade; 73%, aos 4 meses; e 86%, com 1 ano de idade.
45,X, ou síndrome de Turner
Está associada à alta letalidade intraútero. Do contrário, a criança não adquire boa estatura, embora, atualmente, com o uso de hormônio do crescimento, esse problema possa ser corrigido. Na monossomia do X, pode haver algumas anomalias congênitas, como pescoço alado e coarctação da aorta. Geralmente não ocorre deficiência mental.
47,XXY, ou síndrome
de Klinefelter
O portador é estéril e tem os genitais menores. Como não há produção de testosterona apropriada nessa síndrome, o indivíduo acometido pode ser beneficiado pela reposição desse hormônio desde os 11-12 anos de idade.
47,XXX
Ocorre em 1:1.000 recém-nascidos do sexo feminino. Não existe um padrão de anomalias associado a essa condição. Segundo a literatura científica, as mulheres são geralmente mais altas do que a média, com uma estatura média de 1,72 m. Alterações comportamentais, incluindo depressão leve e inadaptação social, estão presentes em 30% dos casos. Com frequência há problemas com o aprendizado verbal. No entanto, a maioria das portadoras é cooperativa e se adapta naturalmente à vida adulta. O desenvolvimento puberal é normal e a menarca ocorre por volta dos 12 anos e 8 meses. Existe possibilidade de a fertilidade não ser acometida.
Duplo Y, ou 47,XYY
Os indivíduos apresentam crescimento acelerado na infância e altura mais elevada. A maioria dos homens com 47,XYY é fértil e pode gerar conceptos normais.
Rearranjos estruturais
Estão presentes em 1:1.000 diagnósticos pré-natais. Nessas situações, deve-se distinguir se o evento é familial ou de novo no feto. Se um dos pais tiver a mesma alteração aparentemente balanceada, como a criança, não haverá risco fetal aumentado, ainda que não totalmente excluído, uma vez que podem existir alterações cromossômicas submicroscópicas não detectáveis ao cariótipo com bandamento G.
Cromossomos marcadores anormais
Representam uma situação peculiar. São observados em 1:2.500 casos de diagnósticos pré-natais, alguns sem nenhum significado clínico. Em tais situações, o achado deve ser complementado com análises dos pais e outros testes apropriados.

Um retrato da célula antes da divisão
O cariótipo permite a análise dos cromossomos interrompidos na metáfase. Após o bloqueio da divisão celular na fase em que eles estão mais condensados e, por conseguinte, analisáveis, a coloração por bandas (geralmente banda G) facilita a distinção de cada par cromossômico e a detecção de eventuais anomalias numéricas ou estruturais. No total, são analisadas pelo menos 20 metáfases de mais de uma cultura da amostra fetal, em conformidade com as recomendações do College of American Pathologists, qualquer que seja o material colhido (vilo corial, líquido amniótico e sangue fetal).

Vilo corial
Apresenta, como vantagem, o fato de a biópsia de vilo corial, o procedimento usado para a obtenção da amostra, poder ser realizada em idade gestacional precoce, entre 11 e 14 semanas de gestação – portanto, na mesma época preconizada para a ultrassonografia morfológica do primeiro trimestre. Entre 9 e 10 semanas, porém, o exame não é recomendado pela OMS por oferecer risco de ocorrência de defeitos em membros, pela lesão vascular do trofoblasto. Esse cariótipo é feito tanto por preparação direta quanto por cultura de longa duração, de maneira a diminuir a taxa de resultados falsamente positivos ou negativos. A desvantagem do uso dessa amostra é a possibilidade de mosaicismo confinado à placenta, que ocorre em cerca de 2% dos casos e representa uma dicotomia entre a constituição cromossômica das células placentárias e as do feto. A suspeita dessa situação implica uma amniocentese confirmatória. O resultado é liberado em até 12 dias corridos.

Líquido amniótico
Colhido pela amniocentese guiada pela ultrassonografia, classicamente a partir da 16ª semana gestacional. A coleta precoce é realizada antes da 14ª semana, porém está associada a uma maior incidência de perdas gestacionais e malformações fetais, principalmente pés tortos. A acurácia da amniocentese para a detecção de anomalias cromossômicas supera os 99%. Por sua vez, o mosaicismo, nesse cariótipo, é observado em 1:1.000 casos, um índice muito inferior ao encontrado no vilo corial. A presença de líquido amniótico sanguinolento indica contaminação da amostra com sangue materno durante a punção e, consequentemente, a possível ocorrência de mosaicismo XX/XY quando o concepto é XY. Nessas situações, a interpretação do resultado deve ser cuidadosa. O exame fica pronto em até 14 dias corridos.

Sangue fetal
Obtido pela cordocentese. Essa via de acesso, no entanto, tem sido utilizada apenas para as transfusões intrauterinas e para o diagnóstico nos casos de mosaicismo no líquido amniótico que necessitem de confirmação em outra amostra. O resultado sai em até sete dias corridos.

E a FISH, onde entra?
Na Medicina Fetal, a hibridação in situ por fluorescência (FISH) é preconizada como método de avaliação rápida (screening) para a pesquisa de trissomia dos cromossomos 13, 18 e 21, assim como de aneussomias X e Y. O resultado, no entanto, deve ser confirmado pelo cariótipo para o diagnóstico conclusivo final. A elevada especificidade do método, afinal, faz com que ele detecte apenas o que está sendo investigado pelas sondas utilizadas, o que significa que condições não contempladas podem passar despercebidas. Por outro lado, a FISH fica pronta em apenas três dias, uma vez que prescinde de cultura, e permite a análise de centenas de células, conseguindo, assim, definir e quantificar as situações de mosaicismo.

Clique aqui para ler mais sobre a síndrome de Down, a partir da análise de um caso clínico 

Assessoria Médica
Dra. Maria de Lourdes Chauffaille: [email protected]
Dr. Mário Henrique Burlacchini de Carvalho:
[email protected]
Dra. Sofia Sugayama:
[email protected]