No combate a doenças raras | Revista Médica Ed. 3 - 2015

Depois de estudar Ciência Animal, Patologia e Biologia, o médico americano Timothy Craig formou-se em Medicina Interna no San Diego Hospital Naval e fez fellowship em Alergia e Imunologia no Walter Reed Army Medical Center.

Depois de estudar Ciência Animal, Patologia e Biologia, o médico americano Timothy Craig formou-se em Medicina Interna no San Diego Hospital Naval e fez fellowship em Alergia e Imunologia no Walter Reed Army Medical Center. Nunca serviu no Vietnã, mas cresceu durante a guerra, o que o influenciou a alimentar o propósito de ajudar aquele país a recuperar-se da devastação. A promessa pôde ser concretizada anos mais tarde, quando ouviu falar de uma oportunidade de obter financiamento para ensinar no Vietnã. Seu pedido foi aprovado e Craig recebeu um Vietnam Education Foundation Scholar, tendo sido, mais tarde, reconhecido como ilustre educador.

Mas a dedicação ao ensino e à saúde global está longe de se restringir ao Vietnã. Hoje Craig atua como professor de Medicina e Pediatria especializado em Alergia e Imunologia na Universidade Estadual da Pensilvânia, Milton S. Hershey Medical Center, e participa do desenvolvimento de guidelines, como o WAO 2012 – Global Hereditary Angioedema, e, entre outros projetos, está envolvido na criação de uma escola de medicina em Gana, no continente africano, que considera “uma interessante e estimulante aventura”, sublinha.

Na entrevista abaixo, que concedeu à nossa reportagem em março deste ano, o médico esmiúça outra de suas paixões, além de ajudar e ensinar: as doenças raras, notadamente o angioedema hereditário (AEH), no qual se tornou uma autoridade mundial.


Timothy J. Craig, professor e alergista no Serviço de Alergia e Imunologia da Penn State Milton S. Hershey Medical Center, na Pensilvânia.

 ARQUIVO PESSOAL


O senhor publicou muitos artigos sobre AEH e urticária. Como começou esse interesse?
O meu foco é em doenças raras, em especial as respiratórias e as deficiências proteicas. E trato pacientes com AEH, com imunodeficiência humoral e com deficiência de alfa-1-antitripsina, muitos dos quais haviam sido diagnosticados e tratados erroneamente. Minha missão é melhorar o diagnóstico precoce, assim como instituir a terapêutica oportuna, reduzindo a morbidade e a mortalidade nessas três entidades raras.

Uma vez que o AEH raramente ocorre, por que é tão importante conhecer essa doença?
Muitas vezes, os pacientes levam anos até receberem o diagnóstico correto porque muitos médicos desconhecem a condição e os métodos para sua investigação. A maioria dos casos de angioedema é causada pela histamina, razão pela qual os anti-histamínicos configuram a melhor escolha para tratamento. Mas, no AEH, essa medicação não se mostra efetiva. Por isso, o diagnóstico apropriado é essencial.

Juntamente com outros colegas, o senhor publicou um consenso sobre AEH há pouco mais de dois anos. O que houve de novo em termos de diagnóstico nesse período?
O diagnóstico não mudou. Os pacientes continuam a ser diagnosticados de forma errada, assim como o tratamento não é adequado, apesar de nossos esforços. Mas um maior número de alergistas e imunologistas está mais bem preparado para reconhecer e diagnosticar o AEH. Infelizmente, no pronto-socorro, que é a porta de entrada para muitos desses pacientes, a aplicação das novidades em medicina ocorre mais lentamente.

Como um médico que mora e trabalha numa cidade pequena, sem acesso a um laboratório que faça exames apropriados, pode diagnosticar o AEH?
É possível desconfiar dos tipos 1 e 2 pelo quadro clínico, entretanto, apesar de ter tratado muitos pacientes, ainda continuo sendo surpreendido pela doença. Por isso, considero essencial o diagnóstico laboratorial. São suspeitos os casos em que o angioedema surge sem urticária e não responde aos anti-histamínicos e corticoides, com persistência de sintomas por mais de três dias, dor abdominal com edema cutâneo e história familiar. Contudo, nenhum desses sintomas é absoluto, especialmente a história familiar, pois, em 25% dos casos, a condição pode derivar de novas mutações.

Qual a diferença entre os principais tipos de angioedema?
A bradicinina e o grande mediador responsável pelo AEH, classificado em tipos I, II e III, assim como pelos casos de angioedema adquirido (AEA) e derivado de inibidores da ECA. No AEH tipo I, a concentração do inibidor de C1 está diminuída, enquanto, no tipo II, o defeito é funcional e, portanto, os níveis desse inibidor encontram-se normais ou, até mesmo, aumentados. Já o tipo III está associado a outras condições e, geralmente, cursa com concentração e atividade normais do inibidor de C1. O AEA, que também apresenta níveis reduzidos do inibidor de C1, entra como diagnóstico diferencial do AEH, particularmente quando os sintomas surgem na meia-idade, pois pode estar relacionado a doenças linfoproliferativas e autoimunes. Na suspeita do AEA, a dosagem do C1q é útil, pois, enquanto fica diminuída neste, apresenta-se normal no AEH. Por outro lado, nos casos secundários aos inibidores da ECA, todos os testes são normais e a história é decisiva para o diagnóstico. Vale lembrar que, nos casos alérgicos, idiopáticos e induzidos por medicamentos, o angioedema geralmente é provocado pela histamina.

E no tratamento do AEH, há alguma novidade?
Uma década atrás, tínhamos apenas plasma fresco congelado para os episódios agudos e andrógenos e antifibrinolíticos para a profilaxia, porém o tratamento vem melhorando nos últimos oito anos. Agora, dispomos de dois tipos de inibidor de C1, que repõem a proteína deficiente ou com defeito (Cinryze®e Berinert®), prevenindo a produção de bradicinina. Também há o antagonista do receptor da bradicinina (icatibanto) e o inibidor de calicreína (ecalantide), os quais são utilizados nos ataques, enquanto o inibidor de C1 entra tanto nas crises quanto na prevenção. As drogas em fase de pesquisa atualmente têm utilidade na profilaxia, incluindo um anticorpo monoclonal para prevenir a ativação de calicreína, tabletes orais para inibir a ativação de calicreína, inibidor de fator 12, dois inibidores de C1 subcutâneo e inibidor de C1 com PEG.

Como a depressão e a ansiedade podem se refletir no diagnóstico e no tratamento do AEH?
Todas as doenças crônicas impactam a socialização e o desenvolvimento da personalidade, podendo levar à ansiedade e à depressão. Isso é especialmente verdadeiro para as entidades clínicas associadas com pequeno risco de mortalidade, como é o caso do HAE. Em adição, o absenteísmo causado pela doença costuma afetar a produtividade e a performance profissional, com consequências importantes, a exemplo da possibilidade de afastamento ou da perda do trabalho, que sabidamente ocasionam depressão. Como médicos, muitas vezes tratamos apenas a doença, e não a pessoa, entretanto nossa abordagem precisa incluir não apenas a saúde física, mas também a saúde mental. Portanto, sempre devemos questionar ansiedade e depressão e tratá-las agressivamente no contexto do AEH.

Entrevista concedida à Dra. Barbara Gonçalves da Silva, consultora médica do Fleury.