O advento da biópsia líquida | Revista Médica Ed. 2 - 2017

Com aplicações promissoras na Oncologia, esse método não invasivo começa a ser usado para a pesquisa de mutação no gene EGFR a partir de DNA circulante no plasma.

  


Com aplicações promissoras na Oncologia, esse método não invasivo começa a ser usado para a pesquisa de mutação no gene EGFR a partir de DNA circulante no plasma


Os avanços da ciência e da tecnologia vêm tornando os exames cada vez mais simples e menos invasivos, com uma sensibilidade muito maior. Passando do campo de pesquisa para a prática clínica, já temos alguns bons exemplos dessa realidade, que agora ganha o reforço da chamada biópsia líquida, constituída por testes realizados em amostras de sangue ou outros fluidos corporais para detectar material originário do tumor em pacientes com câncer.


A presença de moléculas de DNA livre, fora das células e circulantes no plasma (cfDNA), está bem estabelecida e foi descrita pela primeira vez em 1948. Sabe-se que, durante a morte celular, fragmentos de DNA são constantemente liberados na corrente sanguínea, embora a concentração dessas moléculas se mantenha relativamente baixa devido à rápida depuração feita pelo fígado, rim ou baço. Quando há uma neoplasia, contudo, uma fração do cfDNA deriva do tumor, podendo representar de menos de 0,1% a mais de 10% do total de DNA livre circulante, a depender de localização, estágio, tamanho, vascularização e características biológicas da neoplasia, como taxa de apoptose e potencial metastático das células.


O ponto crucial é que o DNA tumoral circulante (ctDNA) carrega as mesmas informações genéticas do próprio câncer e, portanto, as mesmas mutações das células neoplásicas, o que faz com que, na prática, a biópsia líquida possa ser usada como alternativa à biópsia tecidual para a detecção de alterações genéticas clinicamente relevantes do tumor. Ademais, como se trata de uma combinação de DNA proveniente potencialmente de lesões em múltiplos sítios, o uso do método proporciona uma amostragem genômica mais representativa do câncer em relação ao material de uma biópsia localizada de tecido.


Novo conceito em terapia personalizada


Acompanhando o que existe de mais moderno no diagnóstico laboratorial, o Fleury introduziu a novidade em sua rotina, especificamente para uma das indicações em que o uso da biópsia líquida está mais bem estabelecido. Até o momento, uma das aplicações mais consistentes do exame se dá na pesquisa da mutação T790M no gene do receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) em ctDNA de carcinoma de pulmão não pequenas células (NSCLC, na sigla em inglês).


O EGFR consiste em uma proteína transmembrana que tem atividade quinase citoplasmática e exerce transdução de sinalização do fator de crescimento do meio extracelular para a célula, uma via associada com crescimento e sobrevida celular, sendo expresso em mais de 60% dos NSCLC. Em casos com mutações ativadoras desse gene, que somam cerca de 15% dos adenocarcinomas de pulmão, o EGFR torna-se um importante alvo para o combate a tais tumores, hoje tratados com inibidores do domínio quinase desse receptor, como os inibidores da tirosinoquinase (TKI, na sigla em inglês), a exemplo do erlotinibe e do gefitinibe, que previnem a ativação dessas vias de sinalização e melhoram a sobrevida em pacientes selecionados com esse tipo de câncer de pulmão.


Ocorre que a maioria dos portadores de NSCLC em tratamento com TKI deixa de apresentar resposta satisfatória após cerca de 10 a 16 meses do início da terapêutica. Nesses casos, a mutação T790M no gene EGFR costuma ser a causa mais comum de resistência adquirida a tais drogas, estando presente em mais de 50% dos pacientes, nos quais, portanto, a pesquisa da mutação é indispensável para a determinação do tratamento adequado.


A biópsia tecidual sempre foi o procedimento-padrão tanto para diagnosticar tumores quanto para fornecer material para a genotipagem e a avaliação de terapias alvo-específicas. Contudo, dependendo do tamanho e da localização da lesão, a técnica invasiva pode ser difícil. Ademais, devido à heterogeneidade de alguns cânceres, as amostras obtidas de sítios únicos podem não refletir o panorama genômico completo do tumor.


Nesse contexto, a biópsia líquida traz, então, um novo conceito na premissa da terapia personalizada. Realizada, no Fleury, por Digital Droplet PCR, a análise da mutação T790M no EGFR em ctDNA tem particular utilidade no planejamento terapêutico de pacientes com NSCLC elegíveis ao tratamento com TKI quando a biópsia do tecido não está disponível ou não é indicada. Além disso, o teste não invasivo pode ser facilmente repetido, o que possibilita a monitoração sistemática e em tempo real da doença durante o tratamento – uma vez que a aquisição de resistência pode ocorrer em qualquer momento –, levando a possíveis ajustes na terapia antes mesmo da detecção de progressão ou recidiva do tumor.


O fato é que a biópsia líquida inaugura um campo de estudos constantes e promissores. Em um futuro próximo, certamente podemos esperar novas possibilidades de aplicação desse recurso não apenas no NSCLC, como também em outras neoplasias.

Capacidade de detectar frações mínimas de alelos
Muitas técnicas para a detecção de mutação não são úteis para a análise de ctDNA, pois apresentam baixa sensibilidade. Como o DNA originário do tumor representa uma pequena porcentagem do DNA livre circulante, as mutações somáticas derivadas da neoplasia podem estar presentes em frações de alelos tão baixas quanto 0,01%. Dessa forma, apenas metodologias altamente sensíveis devem ser usadas para essa finalidade.
A plataforma Digital Droplet PCR exibe alta precisão para quantificar alelos raros ou alterações genéticas presentes em níveis baixos. Alguns estudos mostraram elevada sensibilidade (78-100%) e especificidade (93-100%) dessa técnica para identificar mutações no EGFR associadas à sensibilidade ao tratamento com TKI em pacientes com NSCLC. Em relação à detecção da mutação T790M, as plataformas digitais superam as não digitais.

Medicina Fetal: pioneira no emprego do DNA livre de células


O primeiro uso clínico da análise do DNA livre ocorreu no diagnóstico pré-natal, em 1997. A partir do conhecimento de que parte do cfDNA, no sangue da gestante, provém da placenta e do feto, foi possível aplicar a metodologia em diferentes cenários clínicos, como a sexagem fetal e o rastreamento não invasivo para trissomias fetais (NIPT, na sigla em inglês).

Recentemente internalizado, o NIPT é realizado agora pelo próprio Fleury em amostras de sangue materno coletadas a partir de dez semanas de gestação, tanto de feto único como de gemelares, bem como em casos de fertilização in vitro.


Utilizando a tecnologia de sequenciamento massivo paralelo, o teste apresenta alta sensibilidade e especificidade para a determinação das trissomias dos cromossomos 21, 18 e 13, resultando em menor número de casos de indicação de procedimento invasivo, quando comparado ao rastreamento combinado isolado. Ademais, as aneuploidias dos cromossomos sexuais também podem ser pesquisadas.


Convém ponderar que o NIPT faz uma triagem, não um diagnóstico, o que coloca a paciente num grupo de baixo ou alto risco para as aneuploidias, mas não confirma nem exclui tais quadros. Também é preciso ficar atento quanto às limitações do teste em relação aos métodos clássicos de pesquisa de alterações fetais, como a ultrassonografia morfológica, que tem papel fundamental na identificação de outras malformações estruturais, e o perfil bioquímico e a dopplerfluxometria das artérias uterinas, que são importantes no rastreamento de complicações maternas, como a pré-eclâmpsia. Vale ressaltar ainda que os testes invasivos, quando indicados, conseguem identificar uma gama maior de anomalias cromossômicas.


  


DNA livre ganhou uso clínico antes dos anos 2000.


Rastreamento de aneuploidias fetais pelo NIPT

  

Outros exames que substituem procedimentos invasivos em determinadas situações clínicas
PCR em tempo real no liquor para pesquisa do JCV
A princípio associada a doenças linfoproliferativas e, mais tarde, à infecção por HIV, a leucoencefalopatia multifocal progressiva, causada pelo vírus JC (JCV), também é descrita em indivíduos com afecções inflamatórias crônicas, tratados com anticorpos monoclonais específicos. Assim, essa possibilidade deve ser cogitada em imunocomprometidos com infecções oportunistas do SNC, qualquer que seja a natureza da disfunção imunológica. A alta sensibilidade da PCR em tempo real no liquor torna o exame o mais confiável para pesquisar o JCV, com melhor relação risco-benefício, já que constitui uma técnica menos invasiva que a biópsia estereotáxica de tecido nervoso – ainda considerada o padrão-ouro para o diagnóstico do JCV – e com menor risco de complicações, além de ser mais acessível na maioria dos cenários de investigação.
Elastografia e ELF para avaliação de fibrose hepática
O estadiamento do grau de fibrose é de grande importância no manejo e no seguimento dos pacientes com doenças hepáticas crônicas, já que, em suas fases mais avançadas, há maior risco de evolução para cirrose, insuficiência hepática e hepatocarcinoma. A biópsia hepática segue como padrão-ouro para essa finalidade, visto que estuda o grau de fibrose e de inflamação do fígado. Contudo, é um método invasivo, não isento de complicações e, como obtém apenas um fragmento, pode limitar a avaliação de doenças que cursam com acometimento heterogêneo do tecido hepático. Nesse contexto, testes não invasivos, como a elastografia e o Enhanced Liver Fibrosis (ELF), vêm ganhando espaço. Enquanto a elastografia utiliza as ondas do ultrassom para a mensuração do grau de rigidez do fígado, o ELF emprega três marcadores séricos – o inibidor tecidual da metaloproteinase tipo 1, o ácido hialurônico e o propeptídeo aminoterminal do procolágeno tipo III – para, por meio de um modelo matemático, expressar um escore numérico associado ao grau de fibrose hepática.
Calprotectina fecal
Dor abdominal crônica recorrente e alterações no hábito intestinal com episódios de diarreia são queixas frequentes nos consultórios. O grande desafio é distinguir quadros orgânicos (doença inflamatória intestinal) de quadros funcionais (síndrome do intestino irritável). Embora a colonoscopia seja o exame de referência para a diferenciação de tais casos, a disponibilidade de um método não invasivo tem grande utilidade nesse contexto. A dosagem da calprotectina fecal tem se mostrado um bom recurso para atender a essa necessidade, já que sua quantidade nas fezes depende da migração de neutrófilos da parede intestinal inflamada para a mucosa. O marcador também serve para o acompanhamento da atividade das doenças inflamatórias intestinais.
Pesquisa de antígeno de H. pylori nas fezes
Os métodos para o diagnóstico da infecção pelo Helicobacter pylori incluem testes invasivos, como a análise anatomopatológica, o teste da urease e a cultura do fragmento de biópsia, obtidos por endoscopia digestiva alta, e não invasivos, como o teste respiratório da urease e a pesquisa do antígeno nas fezes. Este último, em tal cenário, se destaca por ser uma alternativa simples e de baixo custo, tanto para o diagnóstico da infecção pelo agente como para o controle do tratamento, uma vez que se torna negativo com a erradicação da bactéria. Isso é possível graças ao desenvolvimento de testes monoclonais que apresentam maior especificidade.


Assessoria Médica
Anatomia Patológica
Dr. Aloísio S. Felipe da Silva
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Dra. Mônica Stiepcich
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Gastroenterologia
Dra. Márcia Wehba Esteves Cavichio
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Imagem
Dr. Alberto Lobo Machado
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Dr. Eduardo Hideki Tokura
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Imunologia
Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade
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Infectologia
Dra. Carolina dos Santos Lázari
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Dr. Celso Granato
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Medicina Fetal
Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho
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