O desafio de interpretar as alterações moleculares nas neoplasias mieloproliferativas crônicas | Revista Médica Ed. 7 - 2011

As mutações ativadoras do gene JAK2 ajudam a esclarecer os casos nos quais não se encontram lesões que certifiquem a clonalidade característica dessas doenças.

As mutações ativadoras do gene JAK2 ajudam a esclarecer os casos nos quais não se encontram lesões que certifiquem a clonalidade característica dessas doenças.

A descrição de alterações cromossômicas nas neoplasias mieloproliferativas crônicas (NMPs), que permitiu a detecção de anomalias moleculares, resultou na descoberta do rearranjo BCR-ABL1 e seu papel na leucemia mieloide crônica (LMC), da mutação JAK2 e sua influência na policitemia vera (PV), na mielofibrose (MF) e na trombocitemia essencial (TE), das mutações MPL (W515K/L ou éxon 10) e suas características em MF e TE e da mutação KIT816V na mastocitose (M), entre outras. Tais doenças, portanto, tiveram suas bases moleculares desvendadas e apresentam, em comum, a ativação constitutiva da tirosinoquinase graças às alterações adquiridas pela célula-tronco hematopoética. A identificação das mutações assegura a definição inequívoca de doença clonal e afasta a situação reacional. Mas nos casos em que, apesar das evidências clínicas, não há lesões que certifiquem a clonalidade, pairam inseguranças quanto ao diagnóstico e inconsistências quanto à evolução. Com efeito, hesita-se em introduzir medicamento mielossupressor para tais pacientes. Para esclarecer essas dúvidas, é útil a detecção das mutações, como a JAK2 V617F, que consiste na troca da guanina por timidina, resultando na substituição da valina pela fenilalanina no códon 617. A relevância dessa alteração reside na ativação da tirosinoquinase e na sinalização intracelular, com consequente autofosforilação constitutiva de JAK2, fosforilação constitutiva do fator de transcrição STAT5, ativação das vias ERK e PI(3)K e indução de transcrição dependente de STAT5 na ausência de eritropoetina. Na prática, a JAK2 V617F está presente em 90% dos casos de PV, mas também em 50% dos pacientes com MF e TE. Outras mutações que ativam o JAK2, como a que ocorre no éxon 12, foram descritas em NMP com eritrocitose isolada e predominante, em PV familial e em dois casos de trombose de veia esplênica, mas não em pacientes positivos para JAK2 V617F e com MF ou TE. De interesse nessa questão, há ainda a perda de heterozigose decorrente da recombinação mitótica no braço curto do cromossomo 9, no qual se situa esse gene. A importância da pesquisa da carga alélica se justifica pelo fato de essa recombinação produzir células homozigóticas para a mutação em um porcentual de pacientes, as quais predominam com o tempo. A PV tem mais frequentemente a mutação em homozigose que outras NMPs. Ao que parece, a zigose contribui na determinação do fenótipo, pois se acompanha de níveis mais elevados de hemoglobina e leucometria, assim como de menor plaquetometria e prurido.

Assessoria Médica
Dra. Maria de Lourdes Chauffaille: [email protected]