Obesidade e apneia do sono caminham juntas e se retroalimentam | Revista Médica Ed. 5 - 2011

O excesso de peso serve de fator de risco para o distúrbio, que, por sua vez, parece influenciar o metabolismo lipídico.

O excesso de peso serve de fator de risco para o distúrbio, que, por sua vez, parece influenciar o metabolismo lipídico.

A associação entre obesidade e distúrbios do sono tem sido observada há muitos anos, inclusive com relatos na literatura não médica, sendo o mais célebre o caso do personagem Joe, do livro The Posthumous Papers of the Pickwick Club, de Charles Dickens, publicado em 1836. Na obra, o escritor descreve Joe como um garoto obeso, roncador e que apresenta intensa sonolência durante o dia, o que o leva a adormecer nas situações mais inusitadas. Com o desenvolvimento da ciência médica e o surgimento de novos exames diagnósticos, sobretudo a polissonografia, a relação entre esses sintomas começou a se tornar mais clara até o reconhecimento e a descrição da síndrome da apneia obstrutiva do sono (Saos). O excesso de peso corporal tem grande influência na fisiopatologia da Saos, na medida em que o acúmulo de gordura na região da faringe, além de causar estreitamento de sua luz, altera as propriedades físicas da região, favorecendo um maior colapso. Dessa forma, a obesidade também é considerada um dos principais fatores de risco para a síndrome. A associação entre essas duas condições parece ser ainda muito mais complexa. Estudos recentes mostram que a apneia do sono, por sua vez, teria influência no metabolismo lipídico, tanto em nível hormonal quanto de expressão gênica, e que, dessa maneira, contribuiria para o paciente acumular gordura. Forma-se, portanto, um ciclo vicioso, no qual a obesidade leva ao aparecimento da Saos, enquanto esta estimula o acúmulo de gordura, dificultando a perda de peso. As particularidades dessa relação ainda estão longe de ser completamente entendidas, mas hoje é claro que o tratamento de tais pacientes deve compreender ações conjuntas e simultâneas para combater as duas condições. A utilização do aparelho de pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP) pode reduzir a sonolência e motivar os pacientes a emagrecer, o que ajuda a melhorar, mesmo que parcialmente, o distúrbio do sono. Reduções de cerca de 10% da massa corporal já diminuem significativamente a gravidade da Saos.


Registro de polissonografia mostra ausência de fluxo com esforço respiratório presente.

Fisiopatologia da Saos


Vista superior da região do esfíncter velofaríngeo por nasofibroscopia evidencia estreitamento da sua luz.

Os indivíduos com Saos apresentam redução acentuada (hipopneia) ou completa cessação (apneia) do fluxo aéreo durante o sono, o que ocorre várias vezes por hora. Isso se deve a um colapso da via aérea superior na região do palato e/ou na base da língua, o qual impede a passagem do ar, a despeito do esforço inspiratório. As interrupções do fluxo aéreo causam alteração dos gases arteriais, sobretudo hipoxemia, e também intensa fragmentação do sono por conta dos microdespertares que usualmente se seguem a esses episódios de apneia ou hipopneia, gerando a hipersonolência diurna e uma série de outras comorbidades. O diagnóstico da condição pela polissonografia é definido pela presença de cinco ou mais episódios de apneia e/ou hipopneia por hora de sono. A nasofibroscopia também configura um exame subsidiário de grande importância nesse contexto, já que identifica as alterações anatômicas que estreitam a via aérea superior e ocasionam seu colapso, seja por um efeito de massa propriamente dito na faringe, como a hipertrofia das tonsilas palatinas, seja por uma alteração que, mesmo não situada exatamente na faringe, pode favorecer seu colabamento por exigir um maior esforço inspiratório e, consequentemente, maior pressão negativa na via aérea ou mesmo por forçar uma respiração bucal – caso das alterações nasais. A identificação de variações anatômicas na via aérea superior influencia a conduta terapêutica, levando o médico-assistente a considerar uma eventual abordagem cirúrgica, bem como sinaliza eventuais problemas para a adaptação de aparelhos de pressão positiva.
Síndrome de Pickwick: parece apneia, mas não é
A doença que ficou conhecida como síndrome de Pickwick é, na verdade, a síndrome da hipoventilação-obesidade, que, apesar do quadro clínico semelhante ao da apneia, tem outro mecanismo fisiopatológico. O distúrbio ventilatório dessa entidade não ocorre por apneias ou hipopneias, mas pela obesidade muito acentuada, que não permite uma mecânica ventilatória adequada, principalmente durante o sono, quando a musculatura está relaxada. Como resultado, o paciente manifesta hipercapnia e hipoxemia muito mais prolongadas do que as decorrentes dos eventos obstrutivos da Saos. Por ser bem menos frequente, a síndrome de Pickwick em geral é subdiagnosticada, uma vez que 90% dos portadores igualmente têm a Saos associada. Contudo, de 10% a 38% dos pacientes obesos e apneicos apresentarão também a síndrome da hipoventilação-obesidade.
Assessoria Médica em Nasofibroscopia
Dr. Rodrigo Tangerina: [email protected]