Perda de memória e desorientação em paciente idosa | Revista Médica Ed. 1 - 2016

Que hipóteses considerar após avaliar os estudos de imagem?

Que hipóteses considerar após avaliar os estudos de imagem?

Mulher de 79 anos queixava-se de déficit progressivo de memória iniciado três anos antes, que atribuía ao falecimento de um amigo. Ainda que realizasse as atividades básicas de cuidados pessoais, seus familiares relatavam que ela pouco comparecia a eventos sociais, perdia-se com frequência na rua e não administrava mais suas finanças nem sua medicação.

 

O exame físico flagrou repetições constantes em seu discurso, mas não detectou alterações de comportamento. A paciente ainda compreendia o que lhe era dito sem dificuldade, embora se mostrasse apática. 


Para a investigação do quadro, foi feita inicialmente uma avaliação neuropsicológica, que revelou uma síndrome dismnésica grave, do tipo anteró- grada, sem quadro demencial estabelecido. A ressonância magnética (RM) do encéfalo demonstrou raros focos de hipersinal em T2 e Flair na substância branca dos hemisférios cerebrais, sem efeito expansivo ou impregnação pelo gadolínio, que pareciam representar focos de gliose/microangiopatia. O estudo volumétrico (Neuroquant®), por sua vez, apontou redução do parênquima cerebral, predominantemente das estruturas temporais mesiais.


 

Imagens SPGR-3D em reformatações nos planos axial (A) e coronal (B) e imagem coronal T2 (C). Note a redução volumétrica difusa, com atrofia desproporcional das estruturas temporais mesiais, incluindo os giros para-hipocampais, sem significativas alterações atribuíveis a sequelas de eventos vasculares

ARQUIVO FLEURY



 

A tabela morfométrica (D) permite a inequívoca demonstração da atrofia seletiva das estruturas temporais mesiais, pouco mais exuberante à direita, e a comparação gráfica com indivíduos normais na mesma faixa etária.

ARQUIVO FLEURY


Qual o diagnóstico mais provável das alterações observadas?


A - Envelhecimento cerebral normal

B - Doença de Alzheimer

C - Atrofia de múltiplos sistemas

D - Sequela de encefalite herpética

E - Demência por corpos de Lewy


Resposta do caso de perda de memória e desorientação


Existem diversas causas de demência, que vão desde quadros progressivos, em que o sintoma compõe a principal manifestação de uma entidade clínica específica, como na doença de Alzheimer (DA), até parte de um quadro neurológico estático, como nas sequelas de lesões corticais por encefalite. O diagnóstico, portanto, exige uma abordagem multidisciplinar e deve ser feito de forma criteriosa para descartar enfermidades tratáveis. 


O diagnóstico da DA baseia-se em probabilidade, pois não existem marcadores biológicos in vivo específicos para a doença. Assim, considera-se a condição provável quando, excluídas outras hipóteses, especialmente a doença cerebrovascular, critérios clínicos e cognitivos são satisfeitos e reforçados pelos seguintes aspectos: 


• Evidência de declínio cognitivo progressivo documentado em avaliações subsequentes, com base nos testes rápidos do status mental ou neuropsicológico formal e em dados de informantes. 


• Presença de um ou mais dos seguintes marcadores: 

  • Ab42 diminuída ou tau ou fosfo-tau elevadas no liquor; 

  • Proteína amiloide positiva;

  • Redução da captação de FDG no córtex temporoparietal no exame de PET/CT cerebral; 

 • Atrofia desproporcional das estruturas mesiais temporais, principalmente o hipocampo, do       lobo temporal, basal e lateral e do córtex parietal medial na RM convencional. 


• Mutação genética autossômica dominante para DA comprovada (PSEN1, PSEN2, APP)


O estudo de volumetria cerebral, no caso descrito, documentou a atrofia desproporcional das estruturas mesiais temporais, envolvendo o córtex entorrinal, os giros para-hipocampais e, em especial, os hipocampos, cujo volume encontrava-se abaixo do percentil normativo de 1% para a faixa etária. Esse achado constitui a pedra angular do diagnóstico presuntivo por imagem da DA, evidentemente dentro de contexto clínico e laboratorial apropriados. 


Diversas técnicas de medida volumétrica de estruturas temporais mesiais (amígdala, hipocampo e giro para-hipocampal) têm sido utilizadas, na última década, com potencial aplicação clínica na investigação de doenças neuropsiquiá- tricas. Recentes avanços tecnológicos tornaram possível o desenvolvimento de softwares de análise morfométrica automáticos, como o Neuroquant®, que minimiza os problemas referentes à reprodutibilidade do método. Ademais, o uso desse sistema permite a comparação dos valores obtidos no paciente com valores normais de uma base de dados corrigidos por gê- nero, idade e tamanho da cabeça. 


Em relação à RM, vale ressaltar que o mé- todo reconhecidamente consegue demonstrar alterações nas fases em que já se observam manifestações clínicas que permitem o diagnóstico de DA. Não há consenso, entretanto, sobre seu papel na detecção de pacientes na fase pré-clí- nica da doença ou mesmo daqueles indivíduos com transtorno cognitivo leve, que carregam maior risco de evoluir para essa demência.


Assessoria Médica
Dr. Antonio Carlos Martins Maia Junior
Dr. Antonio José da Rocha

Dr. Renato Hoffmann Nunes