Vias abertas no manejo da asma | Revista Médica Ed. 6 - 2014

Confira a entrevista com o pesquisador da universidade do Porto João A Fonseca sobre a dosagem de eosinófilos no sangue e no escarro em pacientes com asma, DPOC e ACOS.

O Fleury também oferece artigos sobre asma e exames pulmonares para pacientes. Confira!

Apesar de os testes não terem variado nos últimos anos, pesquisador defende o uso de uma nova classificação no diagnóstico da doença

Mesmo à espera de novos biomarcadores para doenças respiratórias, o imunoalergologista português João A. Fonseca, pesquisador da Universidade do Porto, em Portugal, acredita que a dosagem de eosinófilos no sangue e no escarro pode ajudar bastante a abordagem dos asmáticos. “Especialmente quando dosados na expectoração induzida, a utilidade dos eosinófilos tem sido provada consistentemente na monitoração da asma e no ajuste da terapêutica”, observa ele, que também atua como pesquisador no Instituto & Hospital CUF Porto.  


Fonseca faz ainda questão de destacar a contribuição das provas de função pulmonar para diagnosticar os casos corretamente, seja como asma, seja como DPOC, seja como síndrome de sobreposição asma-DPOC, uma nova entidade clínica que, por combinar sintomas de ambas as afecções, cursa com maior gravidade. “Embora não tenha um tratamento específico, essa síndrome não pode ser tratada como doença pulmonar obstrutiva crônica, sob pena de aumentarmos o risco para o paciente”, ensina o médico, que forneceu a entrevista abaixo à nossa reportagem durante o 16º Congresso da Sociedade Portuguesa de Alergia e Imunologia, que ocorreu em outubro, em Porto.


 

João A. Fonseca, pesquisador da Universidade do Porto, em Portugal.

ARQUIVO PESSOAL 

Existem biomarcadores para asma?

Considero essa área muito promissora e necessária, já que a asma é uma doença inflamatória e, na prática clínica, não avaliamos rotineiramente a inflamação nas vias aéreas. Na última década, temos utilizado a dosagem do óxido nítrico exalado o durante a consulta. Infelizmente, sua interpretação ainda não é fácil, uma vez que requer equações de referência e o conhecimento de fatores como idade, alergia ou tabagismo. No fim de 2013, publicamos, no Journal of Allergy and Clinical Immunology, um artigo com dados dos Estados Unidos em que mostramos que essa dosagem, em conjunto com os eosinófilos do sangue periférico, identifica não só as pessoas com asma, como aquelas que já tenham tido uma crise da doença. Os eosinófilos no sangue configuram velhos biomarcadores que, nos últimos 2-3 anos, voltaram a ser descobertos. Mas não apenas sua contagem periférica ajuda. Sua utilidade tem sido provada consistentemente na monitoração da asma e no ajuste da terapêutica quando dosados no escarro. No entanto, como é uma técnica muito laboriosa, continua reservada para centros muito diferenciados e para casos graves. Quero ressaltar que outros biomarcadores, a exemplo dos medidos no condensado do ar exalado, vêm sendo testados. Esperamos que, num futuro próximo, possamos ter testes acessíveis para o bem dos nossos pacientes.


A população mundial está envelhecendo. É possível que a primeira crise de asma ocorra nessa idade? Nesses casos, a forma de diagnóstico muda?

A asma pode começar em qualquer idade e é no idoso – e também na criança pequena – que mais internações e mortes provoca. Contudo, isso não muda o diagnóstico nem o que fazemos para chegar a ele. É evidente que, devido às comorbidades usualmente existentes na terceira idade e ao aumento da probabilidade de haver alguns diagnósticos diferenciais, como a DPOC, há necessidade de estudar bem o paciente, incluindo provas de função pulmonar completas, com volumes totais e fluxos, assim como com capacidade de difusão do monóxido de carbono. Esses exames ainda ajudam a classificar a doença como ACOS.


O que significa essa sigla?

Estamos habituados a dividir as doenças obstrutivas das vias aéreas em asma e em DPOC, mas, na verdade, existem vários fenótipos. Alguns são muito fáceis de identificar, como a clássica asma alérgica ou o enfisema do fumante, porém outros têm características de ambas as entidades. Em tais casos, é importante identificar uma terceira categoria, denominada síndrome de sobreposição asma-DPOC, ou ACOS, na sigla inglesa. A relevância clínica dessa síndrome foi reconhecida, neste ano, pelos guidelines Gina e Gold pelo fato de ela oferecer maior risco do que a DPOC ou a asma isoladamente. Além disso, se medicarmos o paciente com ACOS da mesma forma que o fazemos na DPOC, o risco aumenta. Ou seja, a síndrome deve ser tratada como a asma enquanto não conhecermos terapêuticas mais dirigidas que reduzam seus maus resultados clínicos.


Qual a contribuição dos questionários aplicados ao asmático para a avaliação do estado da doença?

Nas doenças crônicas, como a asma, vem ficando cada vez mais clara a contribuição desses questionários, os chamados patient-reported outcomes (PRO), que são a única forma de obtermos a visão do doente sobre sua própria situação. Essas ferramentas complementam a avaliação clínica colhida durante a consulta e/ou a observação médica e podem medir diferentes dimensões, desde a qualidade de vida relacionada com a doença, a satisfação com o tratamento, o estado de saúde ou o controle da patologia. Na asma, os dados oriundos dos questionários sobre o controle da doença respondidos pelo paciente são fortemente recomendados como forma de melhorar a informação disponível para o médico decidir alterações no plano terapêutico. Tanto é assim que desenvolvemos o questionário Carat, um teste de controle da asma e da rinite alérgica que avalia as duas afecções em conjunto, como recomendado pela iniciativa Aria, da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Carat já foi adaptado para mais de 20 línguas e está disponível, de forma livre, também para o português do Brasil.


Qual o papel da rinite na asma? 

Muitas vezes são até a mesma “doença”! Isto é, o fenótipo mais frequente de asma tem a rinite como parte do quadro clínico. Mas sabemos que o mau controle desta é hoje um dos fatores mais importantes, se não o mais importante, para a dificuldade de manejar a asma.


Já se falou muito sobre os “edifícios doentes” e sua participação nas doenças respiratórias. Essa corrente ainda se mantém?

O ambiente interior é tão ou mais relevante que o exterior, mas os “edifícios doentes” são como que uma caricatura exagerada dessa importância. Certamente que, em algumas circunstâncias raras, em determinados prédios com problemas de construção e/ou manutenção, doenças respiratórias, oculares e, eventualmente, cutâneas, relacionadas ao ambiente interior dessas edificações, podem surgir ou se agravar, porém eu entendo essa associação como um conjunto de situações ainda maldefinidas, cujo diagnóstico é um desafio. De qualquer modo, uma característica que considero fundamental perceber é a ocorrência de sintomas respiratórios em muitas pessoas num espaço de semanas a meses.


Entrevista concecida à Dra. Barbara Gonçalves da Silva, consultora médica do Fleury.