A flor de cada idade | Revista Fleury Ed. 36

Dias depois de seu aniversário de 90 anos, a atriz Beatriz Segall tinha a casa cheia de flores, presentes de amigos e fãs.

Dias depois de seu aniversário de 90 anos, a atriz Beatriz Segall tinha a casa cheia de flores, presentes de amigos e fãs. “É muito bom você fazer 90 anos. Tem muitas possibilidades. Eu posso sair, passear, fazer o que eu quiser da minha vida. Não sou uma velha encurvada. Ter 90 anos é ótimo. Se você está se sentindo bem, como eu estou, é uma coisa muito agradável”, comemora, com o mesmo ar altivo e sofisticado, olhos verdes faiscantes e traços elegantes que a tornaram conhecida pelo papel de Odete Roitman, a vilã de vale tudo, novela que parou o Brasil em 1988.

Filha de professores, Beatriz de Toledo Segall nasceu em 25 de julho de 1926, no Rio de Janeiro (RJ). Ela teve contato com o teatro por meio de uma peça ao estudar francês, e se rendeu de vez ao atuar no filme A beleza do diabo, de Romain Lesage. O pai não queria que ela fosse atriz. Ainda assim, decidida, fez o curso do Serviço Nacional de Teatro, e conseguiu uma bolsa de estudos na França.

Mas na volta noivou e casou. Por 14 anos, Beatriz preferiu dedicar-se à vida do lar e à família. “A melhor fase da minha vida foi a maternidade, quando tive meus filhos. Quando eles estavam maiores, eu voltei a trabalhar, um pouquinho de brincadeira, para ver o que acontecia. E aí não parei mais, foram quase 60 anos de trabalho”, conta. Embora ela tenha começado a carreira cedo, foi na maturidade que Beatriz começou a brilhar.

A virada mesmo veio depois que ela se separou. “É muito diferente você ser casada e você ser não casada. E nunca mais quis me casar. Mas foi uma boa experiência: me
deu mais liberdade, foi aí que eu finalmente comecei a fazer mais sucesso. Minha vida mudou muito. Quando me separei, foi um período de criatividade, de sucesso, de trabalho”, diz a atriz. Vieram diversos papéis em novelas, culminando no de Odete Roitman, aos 62 anos, que até hoje é associada à atriz pelo público.

“Não sou uma velha encurvada. Ter 90 anos é ótimo. Se você está se sentindo bem, como eu estou, é uma coisa muito agradável.”

Apesar do orgulho por ter feito um papel tão marcante, não é o personagem preferido da atriz. “Fiz Emily, a história da poetisa americana Emily Dickinson. Sou uma atriz essencialmente de teatro. Gosto muito de fazer televisão, gostaria de ter feito mais cinema, mas teatro é onde estou melhor.”

Perpectivas

Beatriz não vê a hora de voltar para os palcos e para as telas. “Há muita coisa ainda que eu gostaria de fazer, como O jardim das cerejeiras, do Tchecov”, diz. “Não tenho motivo nenhum para parar de trabalhar. Mas, na minha idade, vai ficando mais difícil conseguir um bom trabalho. Velho nunca tem vez, pode botar essa frase aí. É sempre uma coisa mais difícil para um velho – eu não quero admitir, mas sou velha, acabei de fazer 90 anos. Estamos perdendo boas histórias ao não ouvir o que os velhos têm a dizer”, defende a Beatriz.

Ela atribui a vontade de seguir atuando e a saúde a uma boa atitude frente a vida, “de quem acredita na possibilidade de fazer coisas. É preciso sonhar e acreditar na sua capacidade de criar, de viver”. E como ela vive seus dias? “Detesto rotina. Eu gosto das novidades. Eu adoro dormir. Gosto de acordar de manhã e ver o que tenho para fazer naquele dia, e gosto muito quando não tenho nada para fazer. Aí consigo fazer só o que eu tenho vontade: ler, ouvir música, receber visitas, escrever.”

Quase sempre a companhia é de livros, receita dela para uma boa formação como atriz. “Hoje, você aparece 15 minutos na televisão e é chamada de celebridade. Mas eu acho que você tem de estudar para ser atriz. É indispensável ler muito, ter cultura geral. Não só dramaturgia, ler tudo que puder ler, ter esse hábito.” E ela faz sua parte espalhando os livros dela por aí. “Alguns eu guardo porque tenho carinho especial, mas acho que livro é uma coisa para circular.”