Do bem e do bom | Revista Fleury Ed. 32

Precursora no Brasil de uma gastronomia natural e criativa, a banqueteira Neka Menna Barreto tem um jeito todo peculiar de encarar a própria vida – uma jornada que mistura sabores e texturas a muita serenidade e diversão.


Precursora no Brasil de uma gastronomia natural e criativa, a banqueteira Neka Menna Barreto tem um jeito todo peculiar de encarar a própria vida – uma jornada que mistura sabores e texturas a muita serenidade e diversão.

Neka é uma gaúcha que não faz questão de carne. Uma empresária bem-sucedida que não se estressa. Talvez o adjetivo irreverente também ajude a defini-la, mas a verdade é que essa cozinheira de 1,58 metro de altura e 20.075 dias (55 anos quando foi concedida esta entrevista), como ela mesma gosta de dizer sua idade, é difícil de ser rotulada. À frente do Neka Gastronomias, a banqueteira comanda uma cozinha com 70 funcionários, de onde saem criações que temperam os mais disputados eventos sociais e corporativos de São Paulo. Ela é requisitada por sua gastronomia natural e inventiva, baseada em ingredientes orgânicos, principalmente verduras, legumes, grãos, raízes, brotos e sementes, e na mistura de texturas, temperos e sabores. Nas mãos de Neka, nem mesmo um suco de fruta é um simples suco. Ao sumo de maracujá, ela acrescenta folhas de ora-pro-nóbis. “É ótima, tem bastante proteína”, explica. Sua gastronomia é reflexo de sua personalidade. Filha de médico, ela conta que seu pai a levou a um psicanalista quando disse que queria ser cozinheira. A seguir, Neka relembra outros episódios de sua trajetória e revela o que a faz se sentir no maior #bembom. Bom apetite!

“Eu amo gente, tenho uma coleção linda de amigos, mas tem certas coisas que tu tens de decidir sozinha, nua. E quanto mais tu conseguires seguir teu coração, mais chance tens de morrer feliz”
Na cozinha industrial do Neka Gastronomias, a cozinheira prepara grandes banquetes para empresas e figuras ilustres da cidade

Quem a vê cozinhando imagina que, mais que trabalho, para você o alimento é uma grande diversão. É assim mesmo?
Ah, eu gosto muito de brincar. Acredito que a vida tem de ser fácil. Acho que cada ser humano tem uma onda para surfar e tu tens de encontrar a tua. Se você está fazendo muito esforço, é porque alguma coisa está errada. A alimentação é a minha onda, a minha alegria. Eu amo sentir fome, para ter uma ideia. Quando tenho fome fico bem-humorada, faço tudo melhor, porque sei que está na hora de comer coisas maravilhosas. E só saio de casa com um lanchinho. Uma maçã, um smoothie, uma barrinha que eu mesma faço... Adoro abrir a minha marmita e mastigar meu alimento devagar.

E como você descobriu sua onda e conseguiu descartar aquilo que lhe exigia demais?
Tirando o joio do trigo. Uma vez, eu namorei um garoto, o Felipe, na adolescência, e lembro que fazia um esforço enorme para provar que gostava dele. Mesmo assim tudo desandava. Eu botava mais farinha e desandava. O caminho da verdade é o mais curto, um atalho muitas vezes pode ser mais comprido. E essa via é solitária. Eu amo gente, tenho uma coleção linda de amigos, mas tem certas coisas que tu tens de decidir sozinha, nua. E quanto mais tu conseguires seguir teu coração, mais chance tens de morrer feliz. Porque a vida é um looping e o objetivo é resolver tuas questões. Em algum momento tu vais ter de abrir aquela gaveta, não adianta esconder.

Você buscou ajuda em alguma prática para construir essa visão de vida?
Algo vertical pra mim foi fazer ioga. Pratico seriamente desde 2000, de cinco a seis vezes por semana. Trato como se fosse um cliente. Meu tapetinho me chama. Em casa, em Israel, na China, aonde quer que eu vá, acordo e faço. Até avisei meu namorado: preciso de duas horas todo dia de manhã. Não abro mão, porque é assim que a minha árvore dá frutos e que eu entro no meu tempo e não no do outro. A ioga me ajuda a estar bem com meus líquidos, com meus sólidos, com a minha própria pele. Os franceses dizem il se sent bien dans sa peau [ele se sente bem em sua própria pele], porque ele observa o outro e não a si mesmo. Já eu digo je suis bien dans ma peau [eu me sinto bem na minha pele].

Às vezes é preciso ser mais egoísta e fazer menos o que os outros pedem?
A concessão, principalmente para as mulheres, que estão sempre concedendo, tem um limite. O que não podemos é respeitar o outro nos desrespeitando. O (rabino) Nilton Bonder fala muito disso em Alma Imoral. Tem coisas que tu não podes abrir mão. Porque na hora de dizer o teu mais verdadeiro não para alguém, tu não vais conseguir. A pessoa que te ama vai entender, porque o amor faz a gente deixar o outro ser o que ele é. Senão tu vais virar o toalete do outro. O outro despeja e tu aceitas. Temos de encontrar a mãe que está dentro da gente. Quando a minha mãe morreu, eu tinha sete anos, ela disse: “vou estar dentro de ti e assim tu vais saber exatamente o que é bom pra ti e o que não é”. Se tu tens isso dentro de ti, tu te respeitas, e se tu te respeitas, todo mundo te respeita.

Fazendo uma associação com alimentação e padrões estéticos, podemos dizer que muita gente se prende a um modelo e acaba abrindo mão de ser feliz?
Temos de ser carinhosos com a gente. Então, se tu tens uma barriguinha que não gostas, faz carinho nela. Antes de tomar banho, pega um óleo de coco, põe na tua barriga e diz “puxa, vamos tentar nós duas juntas diminuir dois centímetros?”. Eu faço muita festa e o que percebo é que só se vê por aí seio positivo, barriga negativa, os corpos todos muito parecidos. Na minha família, minha tataravó, minha bisavó, minha avó e minha mãe tinham ancas. Eu sou uma mulher de ancas! É falta de educação não gostar delas, poxa, porque elas fazem parte do meu selo, dos Menna Barreto. Então por que vou querer tirar? Ou seja, a gente tem de ser nosso melhor amante. Eu nunca conheci uma pessoa que tenha alcançado o topo – a mais linda, a que tem o melhor disso ou daquilo –, isso não existe.

Você nunca perdeu o equilíbrio?
Ah, sim, a gente enlouquece. Não dá pra viver o tempo todo no easygoing, é importante estourar, mas não sempre, porque uma pessoa que se irrita gasta muita vitamina e sais minerais, nutrientes que você precisa para poder gostar de um quadro, pra poder andar, correr, dançar. Ou seja, se tu estoura, o maior prejudicado é tu mesmo. Eu adoro um sinal vermelho no trânsito. Quando o médico está atrasado, adoro também. Porque eu penso “que bom, ganhei um tempo livre só pra mim”. Aproveito e escrevo no meu caderninho (tenho milhares deles). Essa coisinha aqui (apontando para o celular da repórter) te dá obrigações. Quando tu estás no celular, tu estás no futuro e o presente é o mais importante. O termo “ocupado” surgiu na guerra, sabia? Uma terra era ocupada pelo outro. Então, se tu estás ocupado com outra coisa que não tu mesmo, tu não estás te pertencendo.

A sua empresa realiza muitos eventos por semana. Como dar conta de tudo e manter a paz?
Eu gosto de trabalhar em cima de equilíbrios. Quando vim morar em São Paulo, eu tinha 18 quilos a mais. Eu trabalhei tanto que me redefini. Meu pai dizia:  “Mas Ana Luísa, você tem casa, comida e roupa lavada, o que vai fazer lá?”. Eu sofri porque não podia pedir dinheiro pra família, eu estava aqui porque eu queria, então me forcei a ter limite, a ter disciplina, a administrar meu tempo. Acho que vim aqui muito para ensinar isso. O trabalho na minha cozinha é uma provação todos os dias. Tenho 70 funcionários e estamos sempre aprendendo um com o outro. Tenho uma compaixão enorme pelas pessoas que trabalham comigo, porque são verdadeiros heróis. Eu penso: como é que uma pessoa que fica num ônibus 2h30 pra vir e 2h30 pra voltar ainda consegue sambar aos sábados? Quando fico irritada, sei que não vai adiantar. É preciso falar com carinho, ter amor e compaixão.

É verdade que foi uma urtiga que lhe despertou a vontade de trabalhar com a gastronomia baseada em plantas?
Quando eu estudava Nutrição, eu fazia pastel de urtiga para vender para as minhas colegas. Quando tu cozinhas a urtiga, ela perde os ácidos. Eu fazia pastel de taioba também. É que quando comecei a trabalhar, montei um clube de receitas na periferia de Porto Alegre. Lá eles usavam taioba, picão, taboa, era normal. A dona Palmira que me explicou. Tive a sorte de conhecê-la. Eu ensinava a fazer bolo de casca de banana, a usar farinha integral, e ela me ensinou a usar urtiga.

O seu gosto pela cozinha natural é coisa de família?
Imagina, meus irmãos são gaúchos, carnívoros! Eles vêm me visitar com a mala cheia de cordeiro. Mas esse lado mais saudável tem um pouco de família, sim. A minha mãe estudou dietética. Lendo o diário dela, percebo que ela gostava dessa coisa da saúde. E meus tios também. Meu tio Cadolfo dizia: “vamos tomar um banho de água fria, você vai ver como é legal”. No Rio Grande do Sul, a água é gélida, sai até fumacinha em contato com o corpo. À mesa, em casa, antes chegava a salada, depois é que vinha o arroz, o feijão. E no inverno, primeiro a sopa. Foram experiências assim que me levaram para esse lado.

Descobrir novas misturas e sabores continua sendo uma experiência #bemboa para você?
Isso é maravilhoso! Devo ter umas mil receitas já, mas eu ainda crio muito. Na minha casa, testo pelo menos uma receita por dia. A minha irmã diz: “Neka, pelo amor de Deus, hoje não cria nada”. Posso ficar o fim de semana inteiro cozinhando. Esses dias eu estava temperando uma salada, botei gengibre ralado e percebi que ele ficou rosa. Claro, ele reage em contato com uma coisa ácida. Fiquei tão feliz! Na semana passada, fiz um chermoula delicioso com figo, damasco, canela, azeite, erva-doce, cominho, óleo de amêndoas, coentro em grão. Gente, como ficou bom! Botei abóbora e cebolas roxas para assar com sal grosso e azeite. Daí tirei do forno, botei o chermoula e comi com gorgonzola. Maravilhoso! Outro dia descobri que a gente tem queijos aqui pertinho, em Joanópolis, tão bons quanto na França, só que de outro terroir. Hoje Seu Agnaldo me trouxe ora-pro-nóbis, uma planta de que gosto muito. É uma praga, mas agora dá pra encontrar em feira orgânica. Sou capaz de ganhar o dia com coisas assim.


“Eu amo sentir fome, para ter uma ideia. Quando tenho fome fico bem-humorada, faço tudo melhor, porque sei que está na hora de comer coisas maravilhosas”
Conselhos de NEKA para um viver #BEMBOM
Seja leve
Dê presentes que são feitos por ti
Coma a fruta em vez de beber
Tenha gratidão
Olhe para o céu
Arrisque-se
Aprenda uma receita nova
Seja carinhoso consigo mesmo
Faça o melhor do seu dia
Faça um jejum de celular
Coma menos
Refeição leve no jantar (sonhos nascem com estômago leve)
Ponha água na chaleira e espere ferver (sabedoria da espera)
Deseje coisas que não têm preço
Antes de dormir, relembre o seu dia como um filme (rewind)
Tome um copão de água morna ao acordar
Coma colorido, “coma paisagem”
Não reaja, pense antes de discutir com alguém
Saiba perder tempo: “é no lento que a vida acontece”
Ame mais: um amigo, uma flor, teu travesseiro confidente, teu vizinho, e, claro, tua família
Saiba ficar quieto (olhe pra dentro)