Na boca do estômago | Revista Fleury Ed. 22

Como funciona o órgão responsável por transformar em milhões de partículas tudo o que colocamos na boca

Como funciona o órgão responsável por transformar em milhões de partículas tudo o que colocamos na boca

O estômago é um órgão surpreendente. Se nossos dentes fossem capazes de morder algo tão rígido quanto um pedaço de tijolo, provavelmente o estômago tentaria decompô-lo. Toda vez que mastigamos e engolimos algo, a mucosa gástrica, que é o revestimento interno do estômago, percebe os elementos que compõem os alimentos para liberar poderosas substâncias químicas que vão digeri-los. Ácido clorídrico e enzimas são alguns dos responsáveis por esse processo e, em conjunto com o seu movimento típico, denominado peristaltismo, transformam tudo o que você comeu em um bolo pastoso.

A liberação de substâncias para digerir os alimentos é muito sofisticada e coordenada com a mastigação. Por isso, a boa digestão começa na boca. Os dentes fragmentam e maceram enquanto a saliva inicia a digestão da comida, que segue pelo esôfago rumo ao estômago. Os carboidratos são os primeiros a serem digeridos, seguidos pelas proteínas. Por último, ficam as gorduras. Tanto que elas são as últimas a deixarem o estômago, um órgão que pode expandir até cinco vezes o seu volume inicial quando recebe os alimentos.

Todo esse processo de digestão pode durar de duas a três horas, no caso das refeições principais. E, normalmente, ocorre sem ser percebido. Por isso, se após uma refeição você tem sentido o estômago embrulhado ou pesado, talvez haja algo errado na sequência de ações que começou com a mastigação e seja a hora de procurar um especialista.

Mas saiba que você não está sozinho. “Cerca de dois terços dos adultos, ou 66% da população, se queixa de alguma dor no estômago em algum momento da vida”, afirma Mario Kondo, professor-adjunto de gastroenterologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A boa notícia é que a imensa maioria dessas queixas não está relacionada a problemas anatômicos nem a doenças graves no estômago, mas à influência nociva do estresse. “Ele afeta a função dos órgãos envolvidos na digestão e, quando todos eles precisam se movimentar harmonicamente para tratar o alimento de maneira adequada, o estresse provoca movimentos desordenados que dificultam a boa digestão”, explica o professor da Unifesp. “As emoções e o estresse agem sobre as substâncias envolvidas na digestão, aumentando a produção de ácido pelo estômago, causando dor, desconforto na parte alta do abdome e até sangramentos, nas situações mais graves”, diz o médico Ulysses Ribeiro, coordenador da área de gastroenterologia do Fleury.
Além de tensionar os músculos e “travar as costas”, o estresse afeta o movimento da digestão. O resultado é uma sensação de empachamento, de peso, além de dor e azia. Esse mal-estar é a queixa mais associada ao estômago. “Incomoda tanto que leva muitas pessoas até o consultório médico”, diz o médico Fábio Brant de Carvalho, especializado em cirurgia do aparelho digestivo.

Para a sensação de empachamento, além das refeições mais leves, pode ser necessário algum medicamento que ajude a digestão. E, para o estresse, o melhor é tentar sempre manter a calma. “Não adianta comer depois de uma reunião tensa. Melhor relaxar primeiro, respirar fundo, organizar o emocional, para só então aproveitar a refeição”, orienta Mario Kondo. Ele ainda alerta que, ao optar por uma refeição com mais gorduras, a pessoa estressada tem maior chance de passar mal. “Uma comidinha mais leve, à base de carboidrato, está entre as melhores opções de refeição se o que antecedeu o prato foi uma indigesta conversa”, recomenda o médico.
Helicobacter pylori: o que é?
Além da alteração causada pelo estresse, outros problemas também provocam dor no estômago e tiram o humor de quem sofre com eles. Os mais comuns são gastrite e esofagite, além do refluxo gastroesofágico. Entre as principais causas de gastrite, está a infecção pela bactéria Helicobacter pylori. Segundo Ulysses Ribeiro, ela está presente em 65% dos adultos e em 40% das crianças do país. A bactéria chega ao estômago por meio de comida contaminada. Entretanto, uma particularidade é que nem todo indivíduo contaminado desenvolve efetivamente uma doença estomacal. Estudos mostram que a doença causada pela Helicobacter pylori tende a aparecer quando associada a outros fatores, como predisposição genética, alto consumo de sódio, nitritos, álcool e cigarro.

“Mas é importante esclarecer que nem toda Helicobacter gera doença. Hoje sabe-se que há dois subtipos da bactéria associados à ocorrência de um tipo específico de gastrite que tem maior risco de causar complicações”, diz Brant de Carvalho. Isso porque o microorganismo prejudica a camada que reveste o estômago, um tipo de película protetora para que as substâncias que dissolvem os alimentos não machuquem a mucosa gástrica. “Sem essa película, os ácidos formam feridas no estômago”, explica.


O tratamento é específico para cada problema, mas, em geral, recomenda-se dieta controlada, evitando alimentos defumados, que têm muita concentração de sódio e nitritos. Conforme a avaliação médica, pode ser indicado o uso de antibióticos para eliminar a bactéria e de medicamento para controlar a acidez do estômago. O tempo do tratamento varia de pessoa para pessoa e conforme a gravidade do problema. “O que temos percebido é que a maioria responde bem aos cuidados orientados pelo médico”.

O resultado positivo aos tratamentos tem melhorado a qualidade de vida de muita gente. Hoje já é possível conviver com uma gastrite ou uma úlcera, que podem ser bem controladas com orientações médicas. “Estes métodos terapêuticos criados a partir da década de 1980 contribuíram para reduzir a quase zero as cirurgias de retirada de parte do estômago, abordagem invasiva e bastante dolorosa, anteriormente muito indicada para tratar essas doenças ulcerosas. Soma- se a isso o tratamento adequado do Helicobacter pylori, que tem possibilitado que muitas pessoas possam viver muito bem com a doença controlada”, explica Ulysses Ribeiro, médico do Fleury.

Prevenir e proteger
Mesmo sendo um órgão preparado para processar os alimentos, o estômago merece carinho e atenção durante a vida toda. Atividade física e alimentação saudável são as medidas mais recomendadas. Os exercícios físicos combatem a obesidade e reduzem o refluxo e a azia, problemas comuns de quem está com muitos quilos acima do adequado. A atividade física também melhora outros problemas, como a síndrome do intestino irritável, um distúrbio do movimento de todo o tubo digestivo, e a esteatose hepática, que se caracteriza pelo acúmulo de gordura no fígado. “Não é deixando de comer que as pessoas passam a não sentir dor no estômago, mas fazendo o tratamento e praticando atividade física”, explica Fábio Brant de Carvalho.

Rastreamento personalizado
A dor no estômago pode atingir algumas pessoas mais do que outras. Por exemplo, os indivíduos japoneses e seus descendentes diretos têm maior risco de desenvolver doenças no estômago, como úlcera, gastrite e câncer, quando comparados às pessoas que nasceram nos países ocidentais.

As causas dessa diferença ainda estão sendo investigadas. “Estudos indicam, porém, que além de fatores ambientais, a origem das doenças estaria na alimentação japonesa – que tem muito sódio, como no molho shoyu, e nitritos abundantes nas conservas – e também na tendência genética do oriental em sofrer mais a ação da bactéria Helycobacter pylori”, diz Kazusei Akiyama, médico responsável pelo Check-Up Nippon, do Fleury Medicina e Saúde. Segundo o médico, os problemas estomacais são tão comuns no Japão, que os indivíduos que deixam o país têm três a quatro vezes menos chance de desenvolver câncer gástrico do que os que continuam vivendo no Japão. Supõe-se que isso esteja relacionado às características socioculturais do país.