Dor crônica, icterícia progressiva e dilatação das vias biliares: o desafio de investigar a natureza das lesões biliopancreáticas.
Dor crônica, icterícia progressiva e dilatação das vias biliares: o desafio de investigar a natureza das lesões biliopancreáticas
Paciente do sexo masculino, 62 anos, queixava-se de dor crônica no hipocôndrio direito, com piora recente, associada, nas semanas anteriores, a uma icterícia progressiva. A ultrassonografia abdominal revelou dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas, achado corroborado pela tomografia computadorizada (TC), realizada sem contraste na ocasião por solicitação do médico-assistente, a qual demonstrou também estenose na porção distal do colédoco, sem, contudo, apontar a causa.
Diante de tais alterações, e devido à necessidade de drenagem das vias biliares, o paciente passou por uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica, que confirmou a estenose, de aspecto filiforme e irregular, com dilatação das vias biliares a montante. Além da passagem da prótese plástica, por meio desse procedimento foi realizado um escovado local para estudo citológico. Como o escovado e a biópsia obtidos por esse método têm baixa sensibilidade, a análise citológica mostrou-se inconclusiva, o que levou o clínico a prosseguir a investigação com uma ecoendoscopia.
Imagem de ecoendoscopia mostra lesão hipoecogênica na cabeça do pâncreas, levemente heterogênea, com contorno irregular, medindo 2 cm de diâmetro, envolvendo e estenosando o colédoco com prótese plástica na luz.
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A DISCUSSÃO
As particularidades anatômicas do pâncreas e da porção distal das vias biliares tornam sua abordagem diagnóstica complexa. Nesse contexto, é importante destacar a utilidade da ultrassonografia endoscópica, ou ecoendoscopia, para a investigação de neoplasias biliopancreáticas malignas e benignas. O método possui alta sensibilidade para a detecção dessas lesões, em especial as menores, jáque o transdutor de alta frequência, posicionado por via endoscópica, permite a obtenção de imagens detalhadas do pâncreas e suas adjacências. A alta resolução dessas imagens possibilita a visualização de pequenas lesões pancreáticas (2-3 mm) e suas relações com os vasos sanguíneos da região, como a veia porta e os vasos mesentéricos.
No caso apresentado, o método detectou uma imagem hipoecogênica na cabeça do pâncreas, com aspecto levemente heterogêneo, contorno irregular e diâmetro de2 cm, que envolvia e estenosava o colédoco, já então com prótese plástica. Diante do achado, o ecoendoscopista procedeu a uma punção aspirativa com agulha fina (PAAF) para determinar a natureza do nódulo encontrado.
PAAF e estudo citológico definem diagnóstico
A realização da punção ecoguiada constitui-se em uma possibilidade minimamente invasiva para o diagnóstico citológico de tumores biliopancreáticos. O material obtido é frequentemente rico em células neoplásicas. Contudo, o aspecto do fundo varia e depende do grau de diferenciação neoplásica. Em neoplasias bem diferenciadas, costuma ser limpo, por vezes com material mucoide, ao passo que, em adenocarcinomas pouco diferenciados, há necrose e restos celulares.
As células neoplásicas podem dispor-se em blocos tridimensionais, em alguns casos formando estruturas tubulares ou acinares complexas. O grau de atipia nuclear também apresenta variações conforme a diferenciação.Nas neoplasias bem diferenciadas, existe a possibilidade de a atipia aparecer discretamente, apenas com aumento do tamanho nuclear – até duas vezes o tamanho de uma célula normal –, discreta sobreposição nuclear e nucléolo pequeno. Em tais situações, o diagnóstico diferencial com processos benignos, como a pancreatite crônica fibrosante,pode ser difícil. Em neoplasias mais agressivas, a atipia é evidente e os núcleos têm volume aumentado e elevado pleomorfismo, com nucléolo proeminente. Podem ainda ser observadas figuras de mitose.
Além de confirmar o diagnóstico de adenocarcinoma de pâncreas antes da operação, o estudo citológico da amostra obtida pela PAAF contribui para excluir outras afecções, como pancreatite crônica ou autoimune, para o planejamento cirúrgico de lesões ressecáveis, para o tratamento quimioterápico de metástases a distância ou doença locorregional avançada e para o tratamento neoadjuvante de lesões borderline.
Do ponto de vista técnico, a PAAF permite colher o aspirado da lesão sem necessidade de intervenção cirúrgica e obter amostras citológicas de excelente sensibilidade – de 85% a 94% –, superior à do escovado. Ademais, oferece vantagens técnicas em relação a biópsias dirigidas por outros métodos de imagem, visto que o transdutor pode ser posicionado em proximidade direta com a via biliar e com o pâncreas, favorecendo a localização mais precisa das lesões e encurtando o trajeto da punção.
No caso em discussão, a análise citológica confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma de pâncreas pouco diferenciado.
Imagem de bloco celular tridimensional, com moderado pleomorfismo nuclear (método pan-óptico, com aumento de 1.000 vezes).
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Câncer de pâncreas: epidemiologia e características |
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Tumor de alta agressividade, o adenocarcinoma ductal do pâncreas é a neoplasia mais frequente dessa glândula, acometendo, em geral, pessoas com mais de 60 anos. Tem incidência global crescente e, no Brasil, representa 2% de todos os tipos de neoplasia e responde por 4% de todos os óbitos decorrentes de doença maligna. O fator ambiental mais associado à doença é o tabagismo. Entre outros fatores de risco ainda se destacam antecedente familiar positivo, sedentarismo, obesidade, diabetes tipo II e gastrectomia prévia. Do ponto de vista genético, vários grupos populacionais possuem probabilidade aumentada de desenvolver a neoplasia, sendo a pancreatite hereditária, transmitida de forma autossômica dominante, um dos quadros mais bem estabelecidos. A maioria dos pacientes acometidos apresenta sintomas tardios e inespecíficos, o que frequentemente leva ao diagnóstico já em estágio avançado. A icterícia é uma das principais anifestações encontradas, sobretudo nas neoplasias da cabeça pancreática, podendo ainda ocorrer emagrecimento, sintomas dispépticos, anorexia, fadiga e dor no andar superior do abdome ou na região dorsal. De maneira geral, o prognóstico do câncer de pâncreas é desfavorável. Assim, o diagnóstico precoce, o adequado estadiamento pré-operatório e as melhores condições de tratamento constituem desafios que ainda estão por alcançar. |
Combinação de diferentes métodos para o diagnóstico e o estadiamento
A ultrassonografia endoscópica para o estadiamento das neoplasias pancreáticas possui alta sensibilidade para a determinação de invasão vascular – sobretudo em lesões menores – e de linfonodos possivelmente envolvidos, dados relevantes para a classificação TNM. O método ainda permite a punção dos linfonodos suspeitos de acometimento para a confirmação citológica. Essas características, em conjunto, conferem ao exame boa acurácia para identificar os pacientes com doença incurável cirurgicamente, reduzindo o número de laparotomias desnecessárias. Deve-se considerar, no entanto, que tal acurácia depende da experiência do endossonografista e de seu conhecimento sobre os resultados dos demais exames de imagem realizados previamente.
Recentemente, os avanços tecnológicos para o estudo tomográfico, incluindo o uso de equipamentos com multidetectores, que adquirem imagens rapidamente em cortes muito finos, além de novas técnicas para seuprocessamento e reconstrução, ampliaram a utilidade da TC na avaliação de lesões pancreáticas. Em relação ao estadiamento de tumores malignos do pâncreas, convém ponderar que a TC multifásica com contraste intravenoso (IV) é equivalente – ou mesmo superior – à ecoendos- copia, especialmente para lesões maiores, sendo ainda mais eficiente na identificação de metástases a distância. Ademais, o exame tem se tornado a modalidade de escolha para a avaliação pré-cirúrgica dos pacientes com neoplasias pancreáticas por propiciar a análise dos diversos parâmetros necessários para o adequado planejamento, como localização da lesão, estadiamento TNM, envolvimento ou trombose vasculares, variações da anatomia vascular arterial, presença de placas ateromatosas na origem do tronco celíaco e da artéria mesentérica superior e distância do tumor da veia mesentérica superior.
Vale lembrar que as principais causas de subestadiamento dos adenocarcinomas pancreáticos decorrem da falha na detecção de pequenos implantes peritoneais, assim como de pequenas lesões metastáticas, tanto hepáticas como linfonodais.
Na prática, a ultrassonografia endoscópica é a modalidade mais eficaz para a det ecção e o estadiamento local e regional de lesões menores que 2 cm, enquanto a TC com contraste IV destaca-se no estadiamento de tumores maiores e na pesquisa de metástases a distância, o que as torna complementares no manejo do câncer de pâncreas.
A ressonância magnética (RM), a seu turno, é mais comumente utilizada para melhor caracterização de lesões hepáticas indeterminadas observadas na TC, na suspeita de tumores pancreáticos não visualizados por outro método ou, ainda, nos pacientes com contraindicações ao uso do contraste venoso iodado. A RM pode também colaborar para o diagnóstico e o planejamento cirúrgico, uma vez que exibe um mapa da via biliar e do ducto pancreático por meio de sequências de colangiorressonância, obtidas de forma não invasiva e sem o uso de contraste IV. Vale salientar, no entanto, que, quando feito dessa forma, o exame não deve ser utilizado para estadiar o câncer pancreático, exceto nos casos de insuficiência renal ou de outras contraindicações ao contraste paramagnético IV. No paciente em estudo, o método não foi solicitado pelo médico-assistente, mas poderia ter acrescentado informações relevantes se realizado após a TC.
Colangiografia por RM ilustrativa evidencia dilatação com estenose abrupta do colédoco e do ducto pancreático principal.
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TC de abdome ilustrativa: observe a pequena lesão sólida hipovascularizada de limites imprecisos na cabeça pancreática (seta grande), associada à dilatação das vias biliares (setas pequenas).
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RM ilustrativa com sequência axial ponderada em T2: lesão nodular com hipersinal na
cabeça pancreática (seta).
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CONCLUSÃO
Embora o quadro clínico seja de grande importância na investigação do câncer de pâncreas, os exames histopatológicos e de imagem são fundamentais nesse contexto. A combinação de tais métodos permite não somente a confirmação diagnóstica, como também se mostra indispensável para concluir se a neoplasia é ressecável, localmente avançada ou com disseminação a distância, o que possibilita a escolha da melhor abordagem terapêutica para cada caso.
Assessoria Médica |
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Endoscopia Dra. Beatriz Mônica Sugai [email protected] Dr. Dalton Marques Chaves [email protected] Dr. Frank S. Nakao [email protected] Dr. Mauricio Saab Assef [email protected] Anatomia Patológica Dr. Aloísio S. Felipe da Silva [email protected] Dra. Luciane Choppa do Valle [email protected] Dr. Mauro Tadeu Ajaj Saieg [email protected] Dra. Monica Stiepcich [email protected] Imagem Dra. Angela Hissae Motoyama Caiado [email protected] Dr. Augusto Cesar de Macedo Neto [email protected] Dr. Carlos Alberto Matsumoto [email protected] Dr. Dario Ariel Tiferes [email protected] Dra. Gisele Warmbrand [email protected] Dra. Luciana Pardini Chamie [email protected] Dr. Rogério Pedreschi Caldana [email protected] |
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