Considerações sobre as dosagens de Vitamina D e do paratormônio

A dosagem da vitamina D se tornou muito comum na última década.

A vitamina D é considerada um pré-hormônio e a dosagem da sua forma circulante mais abundante, a 25-hidroxi-colecalciferol (25OHD), se tornou muito comum na última década. Devido aos avanços no entendimento da ação desse hormônio no tecido musculoesquelético e às publicações que correlacionavam a hipovitaminose D com várias outras questões de saúde, como doenças neurodegenerativas e câncer, o assunto chamou a atenção da mídia leiga, gerando demanda dos próprios pacientes para a sua
dosagem. Recentemente, durante a pandemia de Covid-19, inúmeras publicações indicaram possíveis associações entre deficiência de vitamina D e formas graves da infecção e aumento da mortalidade, renovando a atenção sobre a triagem e suplementação hormonal. Cabe destacar que tal associação permanece em discussão na literatura.

A vitamina D provém principalmente da síntese cutânea, em resposta à exposição à radiação solar ultravioleta (raios UVB). Porém, a eficiência dessa produção depende de inúmeros fatores como quantidade de melanina da pele, latitude (< 37°, UVB o ano todo), hora do dia, poluição, uso de bloqueadores solares e idade. Por outro lado, as fontes alimentares de vitamina D são insuficientes, pois apenas alguns poucos alimentos são ricos nesse nutriente, como peixes oleosos (salmão, atum,
sardinha), óleo de fígado de bacalhau e ostras, que, geralmente, não fazem parte da alimentação habitual da nossa população.

A deficiência de vitamina D leva a má-absorção de cálcio, predispondo a doenças como
osteoporose e osteomalácia, além de aumentar o risco de quedas e fraturas. Estudos em diferentes regiões do Brasil confirmam a alta prevalência de hipovitaminose D em diversas faixas etárias da população geral. Os fatores que se associam a níveis mais baixos de vitamina D são idade, escassez de atividades ao ar livre, falta de suplementação, mobilidade reduzida, estação do ano (outono e inverno) e latitudes mais altas (sul do Brasil).

Diagnóstico laboratorial

Os dois principais tipos de ensaios para dosagem da 25OHD incluem os que medem diretamente os valores por cromatografia seguida por espectrometria de massa em tandem (LC-MS/MS) e os de ligação competitiva, os imunoensaios. A espectrometria de massa requer equipamentos de alto custo e tempo de ensaio mais prolongado que a tornam dispendiosa. Por outro lado, se os imunoensaios têm custo menor e são automatizados, perdem em precisão para a espectrometria de massa.

A dosagem de 1,25 dihidroxicolecalciferol ou 1-25(OH)2D, a forma ativa da vitamina D, é útil somente em situações clínicas específicas, como na doença renal crônica ou para diagnóstico do raquitismo dependente de vitamina D tipo I e hipercalcemia associada a doenças granulomatosas.

Intervalos de referência para valores séricos da 25(OH)D:

• Valor recomendado para população saudável até 60 anos: acima de 20 ng/mL
• Valor recomendado para grupos de risco para perda óssea*: entre 30 e 60 ng/mL
• Risco de toxicidade e hipercalcemia: acima de 100 ng/mL

Indicações para solicitação da dosagem sérica de 25OHD

Além dos indivíduos que pertencem aos grupos de risco, indivíduos com menos de 60 anos que têm obesidade, que não se expõem à luz solar ou que têm contraindicação a tal exposição, e pessoas de pele escura se beneficiam dessa triagem, embora não existam evidências para a manutenção de valores acima de 30 ng/mL.

A justificativa para a triagem de deficiência de vitamina D entre adultos assintomáticos seria identificar baixos níveis séricos que os coloquem em risco de deficiência e oferecer suplementação.

Contudo, a triagem populacional indiscriminada ou dosagens rotineiras em indivíduos sem sintomas e sem fatores de risco para o quadro, não é recomendada, devido à falta de evidências na relação custo/benefício para qualquer desfecho (fraturas, quedas, mortalidade).

Os grupos de risco para perda óssea incluem:

  • Indivíduos acima de 65 anos
  • Antecedentes de fraturas ou quedas recorrentes
  • Gestantes e lactantes
  • Osteoporose primária ou secundária
  • Doenças osteometabólicas como raquitismo, osteomalácia, hiperparatiroidismo primário ou secundário
  • Doença renal crônica
  • Síndromes de má-absorção, cirurgia bariátrica, doença infl amatória intestinal
  • Pessoas que vivem com HIV
  • Uso crônico de medicações que interferem no metabolismo ósseo como terapia antirretroviral, glicocorticoides, anticonvulsivantes
  • Pacientes oncológicos
  • Sarcopenia
  • Diabetes tipo 1 ou tipo 2

Dosagem do Paratormônio

O paratormônio (PTH) é um polipeptídeo produzido pelas paratiroides, que desempenha um papel fundamental na manutenção de níveis séricos adequados de cálcio e fósforo, necessários a inúmeras atividades celulares essenciais. A calcemia e fosfatemia estão também diretamente implicadas no processo de mineralização óssea.

Em condições fisiológicas, a secreção de PTH é regulada por uma complexa interação entre vários fatores, incluindo níveis plasmáticos e excreção renal de cálcio e fósforo, metabólitos da vitamina D, taxa de filtração glomerular, função tiroidiana e fator de crescimento de fibroblastos (FGF-23). Na prática clínica, medicamentos como diuréticos e lítio influenciam os níveis de PTH.

Valores de referência apropriados para cada ensaio específico para a dosagem de PTH afetam diretamente a interpretação dos resultados e, consequentemente, a acurácia diagnóstica. Esta foi uma das conclusões do Fourth International Workshop on Hyperparathyroidism, que ratificou a importância de valores de referência para cada tipo de ensaio.

Vale ainda ponderar que os valores de referência fornecidos pelos fabricantes de ensaios de PTH são estabelecidos com base em resultados obtidos de voluntários aparentemente saudáveis, geralmente com idade inferior a 60 anos, e que não foram avaliados em relação a outras variáveis que interferem no metabolismo do hormônio. Parâmetros fundamentais, como níveis de vitamina D e função renal, comumente estão ausentes nestas avaliações.

Estudos anteriores já demonstravam que o PTH aumenta com a idade em ambos os sexos, fenômeno geralmente atribuído ao declínio da função renal. A absorção intestinal de cálcio também é comprometida com a idade, em parte por uma diminuição do número e da atividade dos receptores intestinais da 1-25OH2D.

Cavalcante e colaboradores publicaram, em 2023, um estudo transversal de big data, retrospectivo, com dados anonimizados de pacientes ambulatoriais do Grupo Fleury, para avaliação dos valores de PTH, utilizando imunoensaio por eletroquimioluminescência (ECLIA) de segunda geração (Roche Elecsys, Cobase 602). Foram incluídos pacientes de 18 a 100 anos, com medidas simultâneas de PTH, cálcio, creatinina e 25OHD. Após exclusão dos pacientes com clearance calculado abaixo de 60 mL/min/1,73 m2 (CKD-Epi), calcemia alterada, nível de 25OHD menor que 20 ng/mL, valores de PTH acima de 100 pg/mL, usuários de lítio, furosemida ou terapia antirreabsortiva, dados de 256.707 indivíduos foram utilizados para cálculo de valores de referência por décadas de idade. Foi observada correlação positiva entre os níveis de PTH e o envelhecimento, independentemente dos níveis de vitamina D - se maior que 20 ng/mL -, em indivíduos normocalcêmicos e sem disfunção renal. Portanto, é fundamental reportar os valores de referência específicos para cada faixa etária, principalmente para os indivíduos acima de 60 anos. Este dado é particularmente importante para o diagnóstico de hiperparatiroidismo normocalcêmico ou de hiperparatiroidismo secundário, já que esta hipótese diagnóstica é baseada nos valores de referência de PTH. 

Ficha técnica 

25 Hidroxivitamina D (25OHD)
Material
Soro
Método
Imunoensaio competitivo quimioluminescente
Valor de referência
  • População saudável (até 60 anos):
  • acima de 20 ng/mL
  • Grupos de risco*: 30 a 60 ng/mL
  • Risco de toxicidade e hipercalcemia:
  • acima de 100 ng/mL


25 Hidroxivitamina D por espectrometria de massas
Material
Soro
Método
Cromatografi a líquida acoplada à
espectrometria de massas em tandem
Valor de referência
  • População saudável (até 60 anos):
  • acima de 20 ng/mL
  • Grupos de risco*: 30 a 60 ng/mL
  • Risco de toxicidade e hipercalcemia:
  • acima de 100 ng/mL


*São considerados grupos de risco: idosos, gestantes, lactantes, pacientes com raquitismo/osteomalacia, osteoporose, pacientes com história de quedas e fraturas, causas secundárias de osteoporose (doenças e medicações), hiperparatiroidismo, doenças inflamatórias, doenças autoimunes, doença renal crônica e síndromes de má-absorção (clínicas ou pós-cirúrgicas).


1,25 Dihidroxivitamina D (1,25(OH)2D)
Material
Soro
Método
Ensaio imunométrico quimioluminescente
Valor de referência
19,9 a 79,3 pg/mL


Paratormônio (molécula intacta)
Material
Soro
Método Ensaio eletroquimioluminométrico
Valor de referênciaIdade                     Amplitude (2,5% a 97,5%)
19 a 29 anos                 16 - 57 pg/mL
30 a 39 anos                 19 - 64 pg/mL
40 a 49 anos                 20 - 66 pg/mL
50 a 59 anos                 21 - 71 pg/mL
Acima de 60 anos        22 - 84 pg/mL


Valores de referência de PTH validados a partir da análise de 263.242 amostras, com dosagens de 25OH vitamina D acima de 20 ng/mL e taxa de filtração glomerular >60 mL/min/1,73 m2. Conversão: 1 ng/mL = 2,5 nmol/L Referência: Cavalcante LBCP e col. Big data-based parathyroid hormone (PTH) values emphasize need for age correction. J Endocrinol Invest. 2023.


Consultoria médica

Dr. José Gilberto Vieira
Consultor médico em Endocrinologia
[email protected] 

Dr. José Viana Lima Júnior
Consultor médico em Endocrinologia
[email protected] 

Dra. Maria Izabel Chiamolera
Consultora médica em Endocrinologia
[email protected] 

Dr. Pedro Saddi
Consultor médico em Endocrinologia
[email protected] 

Dra. Rosa Paula Mello Biscolla
Consultora médica em Endocrinologia
[email protected] 

Dra. Cynthia Maria Álvares Brandão
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dr. Diogo Souza Domiciano
Consultor médico em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dra. Fernanda Guimarães Weiler
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dra. Patricia Dreyer
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dra. Patrícia Muszkat
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dra. Teresa Bonansea
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 

Dra. Telma Palomo
Consultora médica em Densitometria Óssea
[email protected] 


Referências bibliográficas

• C McChesney, A Singer, NG Forouhi, W Levinson. Do not routinely test for vitamin D. BMJ 2022; 378. https://doi.org/10.1136/bmj-2022-070270 
• Moreira CA, Ferreira CEDS, Madeira M, Silva BCC, Maeda SS, Batista MC, Bandeira F, Borba VZC, Lazaretti-Castro M. Reference values of 25-hydroxyvitamin D revisited: a position statement from the Brazilian Society of Endocrinology and Metabolism (SBEM) and the Brazilian Society of Clinical Pathology/ Laboratory Medicine (SBPC). Arch Endocrinol Metab. 2020 Aug;64(4):462-478. https://doi.org/ 10.20945/2359- 3997000000258.
• Eastell R, Brandi ML, Costa AG, D’Amour P, Shoback DM,  akker RV (2015) Diagnosis of asymptomatic primary hyperparathyroidism: proceedings of the Fourth International Workshop.  e Journal of clinical endocrinology and metabolism 99(10), 3570–3579. https://doi.org/10.1210/jc.2014-1414 
• Cavalcante, L.B.C.P., Brandão, C.M.Á., Chiamolera, M.I. et al. Big data-based parathyroid hormone (PTH) values emphasize need for age correction. J Endocrinol Invest (2023). https://doi.org/10.1007/s40618-023-02107-2