A falência medular pode ser adquirida ou herdada. A anemia aplástica (AA) é uma falência medular adquirida, imunomediada e rara, ocorrendo na proporção de dois a três casos por milhão de habitantes. Ainda não se conhece plenamente o mecanismo imunológico que contribui para seu desenvolvimento. De qualquer forma, há risco aumentado de AA diante de exposição a produtos químicos, alguns medicamentos e radiação, além de certos tipos de HLA e perda heterozigótica de 6p. A presença de clone de hemoglobinúria paroxística noturna favorece a identificação de doença adquirida.
Já as síndromes de falência medular herdadas (SFMH) compreendem diversas condições, como trombocitopenia amegacariocítica congênita (gene MPL), anemia de Fanconi (doença de reparo de DNA), síndrome de Shwachman- -Diamond (ribossomopatia), anemia de Diamond-Blackfan (ribossomopatia), neutropenia congênita grave (gene ELANE) ou síndrome de Kostmann (genes HAX1, G6PC3, GFI1 e WAS) e disqueratose congênita (telomeropatia), dentre outras. Como nem sempre os pacientes apresentam os comemorativos clínicos devido à heterogeneidade fenotípica, podem passar sem identificação correta da etiologia, em especial os adultos.
Com efeito, do ponto de vista clínico, é difícil diferenciar se um caso com AA é adquirido ou herdado porque pode não haver sinais físicos por penetrância incompleta, por expressão variável, por antecipação genética ou mesmo por sobreposição de fenótipos com imunodeficiências primárias ou trombocitopenias herdadas.
Graças aos avanços na pesquisa genômica, foi possível ampliar o conhecimento das mutações presentes nesse conjunto de moléstias. Já se sabia que a anemia de Fanconi, ocasionada por lesões germinativas em 22 genes, aumenta a vulnerabilidade a neoplasias mieloides (NM). Mais recentemente, porém, evidenciou-se que pacientes, até mesmo adultos, com história pessoal ou familiar de citopenias isoladas, bicitopenia ou pancitopenia sem causa aparente podem apresentar mutações germinativas e, eventualmente, evoluir para neoplasia hematopoética (NH), como leucemias mieloide aguda e linfoblástica aguda, neoplasia mielodisplásica, neoplasia mieloproliferativa e neoplasia mieloproliferativa/mielodisplásica (NMP/SMD). Nesse grupo de síndromes de predisposição a NM, encontram-se ainda a deficiência de GATA2 e mutações em RUNX1, SAMD9/9l, além de outras. Portanto, a falência medular pode ser a manifestação de uma lesão que predispõe a uma NM subsequente.
Acredita-se que cerca de 7% dos pacientes com anemia aplástica grave (AAG) transplantados tenham uma causa etiológica genética germinativa não diagnosticada, o que afeta negativamente o sucesso do procedimento (McReynolds et al, 2022). Esse fato sustenta a importância da pesquisa de mutações germinativas em todos os casos com AA na avaliação preliminar.
A 5ª edição da Classificação da OMS para os tumores hematolinfoides incorpora detalhes para a definição de subtipos de neoplasias associadas à predisposição germinativa (Khoury et al, 2022). Há que se relacionar o fenótipo mieloide com o genótipo germinativo predisponente. Deve-se suspeitar de tais casos quando houver história individual de múltiplos tumores, trombocitopenia e macrocitose precedendo por anos o diagnóstico de NH, familiar de primeiro ou segundo grau com tumores sólidos relacionados à predisposição germinativa (a exemplo de câncer da mama antes dos 50 anos), familiar de primeiro ou segundo grau com NH e presença de dismorfismo e disfunções orgânicas.
O teste para pesquisa de alterações genéticas em SFMH visa a detectar mutações por meio do sequenciamento de nova geração (SNG) em mais de 140 genes envolvidos nas falências medulares. Podem ser detectadas alterações de nucleotídeo único (SNV), pequenas inserções e deleções (indel) e fusões gênicas. O ensaio fornece o perfil de mutações e o percentual de apresentação das variantes. A interpretação dos achados é fornecida com base na presença de variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas. Entretanto, como esse tema sofre constantes atualizações, é possível que algumas outras aberrações não estejam contempladas pelo teste, assim como aquelas que não são detectadas por SNG, a exemplo das telomeropatias, da hemoglobinúria paroxística noturna e das quebras cromossômicas.
Em conclusão, diante de falência medular, torna-se obrigatória a avaliação do paciente, de qualquer idade, para o diagnóstico de causa etiológica adquirida ou herdada. Nesse contexto, são essenciais o exame físico detalhado e a história familiar completa. Na presença de variante herdada, faz-se necessário o aconselhamento genético.
Ficha técnica
Painel genético para síndromes de falência medular
Método: SNG
Genes investigados: ABCG5, ABCG8, ACD, ACTN1, ADAMTS13, AK2, ANKRD26 (inclui 5´UTR), AP3B1, BRCA1 (FANCS), BRCA2 (FANCD), BRIP1 (FANCJ), C3, CD40LG, CD46, CDKN2A, CFB, CFH, CFHR1, CFHR3, CFHR4, CFHR5, CFI, CLPB, CSF3R, CTC1, CXCR2, CXCR4, CYCS, DGKE, DKC1, DNAJC21 (HSP40), EFTUD1 (EFL1), EIF2AK3, ELANE, ERCC4 (FANCQ), ETV6, FANCA, FANCB, FANCC, FANCD2, FANCE, FANCF, FANCG, FANCI, FANCL, FANCM, FLI1, FLNA, FLVCR1 (AXPC1), FYB (FYB1), G6PC3, GAR1, GATA1, GATA2, GFI1, GFI1B, GP1BB, GP9, GRHL2, HAX1, HOXA11, HSP90AA1 (HSPC1, HSPCA), HYOU1, ITGA2B, JAGN1, LAMTOR2, LIG4, LYST, MAD2L2 (FANCV), MKL1, MPL, MYH9, NAF1, NBEAL2, NBN, NHP2, NOP10, OBFC1, PALB2 (FANCN), PARN, POT1, PRF1, PRKACG, RAB27A, RAC2, RAD51 (FANCR), RAD51C (FANCO), RBM8A, RFWD3 (FANCW), RMRP, RPL11, RPL15, RPL18, RPL26, RPL27, RPL31, RPL35, RPL35A, RPL5, RPS10, RPS19, RPS24, RPS26, RPS27, RPS28, RPS29, RPS7, RTEL1, RUNX1, SBDS, SLC37A4, SLFN14, SLX4 (FANCP), SMARCD2, SRC, SRP54, STK4, TAZ, TCIRG1, TCN2, SLC37A4, SLFN14, SLX4 (FANCP), SMARCD2, SRC, SRP54, STK4, TAZ, TCIRG1, TCN2, TEP1, TERC, TERT (inclui região 5´UTR), THBD, TINF2, TP53, TPP1, TSR1, TSR2, TUBB1, UBE2T (FANCT), USB1, VPS13B, VPS45, VWF, WAS, WDR1, WIPF1, WRAP53 e XRCC2 (FANCU)
Amostra: sangue periférico ou saliva*/swab de bochecha*
Prazo de resultados: até 30 dias
*Amostras disponíveis apenas pela plataforma Fleury Genômica (kit de coleta)
Referências
Maciejewski JP & Balasubramanian SK. Hematology 2017 ASH Education Book: 66-72.
McReynolds et al. Blood 2022, 140(8): 909.
Narla A. Hematology 2021 – DOI 10.1182/Hematology.2021000246.
CONSULTORIA MÉDICA
Dra. Maria de Lourdes Chauffaille
Dados da OMS de 2022 revelam que há cerca de 254 milhões de portadores de hepatite B no mundo.
Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
Pode ser utilizada para detectar o DNA da bactéria Leptospira spp. no plasma.
A uveíte é uma inflamação ocular que representa uma das principais causas de morbidade ocular.