Síndrome dos ovários policísticos

Conheça os critérios para investigar casos suspeitos, diagnósticos diferenciais e doenças associadas

Assista ao vídeo e leia o conteúdo abaixo:


A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é considerada a doença endócrina mais comum nas mulheres em idade reprodutiva. Sua prevalência é de 5% a 17% nessa faixa etária e pode variar de acordo com o local do estudo ou os critérios diagnósticos. Estima-se, no entanto, que boa parte das mulheres afetadas pode permanecer sem diagnóstico.

As principais manifestações clínicas incluem irregularidade menstrual, por anovulação crônica, sinais de hiperandrogenismo e ovários de aparência policística. Esses achados fazem parte dos critérios utilizados para o diagnóstico, como visto a seguir. A SOP está associada à resistência à insulina, à obesidade e à infertilidade.  Além disso, é fator de risco para uma série de consequências de longo prazo, tais como diabetes tipo 2, doença cardiovascular, síndrome metabólica, sintomas psicológicos (ansiedade e depressão), e apneia do sono, entre outras.

 

Critérios diagnósticos

Mulheres adultas 

Atualmente, considera-se essencial para o diagnóstico de SOP, em mulheres adultas, a presença de hiperandrogenismo clínico ou laboratorial, acompanhado de irregularidade menstrual e/ou ovários policísticos à ultrassonografia.

 

Critérios diagnósticos de SOP em mulheres adultas (presença de, no mínimo, dois ou três) 

  • Hiperandrogenismo
  • Clínico: hirsutismo, acne ou alopecia androgênica
ou
  • Laboratorial: aumento dos níveis séricos de androgênios (testosterona total, biodisponível ou livre)
  • Oligo ou anovulação
Manifesta-se com ciclos menstruais infrequentes (intervalo >38 dias ou amenorreia)
  • Ovários policísticos à ultrassonografia
Presença de 20 ou mais folículos de 2-9 mm de diâmetro e/ou aumento do volume ovariano de, pelo menos, um ovário com mais de 10 mL, na ausência de folículo dominante acima de 10 mm ou corpo lúteo

As condições que devem ser excluídas são as que possam mimetizar SOP, como hiperprolactinemia, deficiência enzimática da suprarrenal, tumores produtores de androgênios, alterações da tiroide e síndrome de Cushing (em caso de suspeita clínica). O diagnóstico nem sempre é simples, pois se trata de uma síndrome heterogênea com até quatro fenótipos diferentes, na dependência da combinação dos achados clínicos.


Adolescentes

O diagnóstico pode ser feito diante de evidências clínicas e laboratoriais de hiperandrogenismo, associadas à irregularidade menstrual persistente, com ciclos menstruais infrequentes (> 38 dias). Embora seja comum durante a puberdade normal, a oligomenorreia/amenorreia, quando persiste, deve ser avaliada como um sinal clínico precoce de SOP, principalmente durante os dois anos após a menarca. Da mesma forma, outras causas de hiperandrogenismo precisam ser excluídas, com destaque para a hiperplasia adrenal congênita forma não clássica. A presença de hiperandrogenismo na puberdade pode se associar com infertilidade na vida adulta.

É importante lembrar que a ultrassonografia pode levar a diagnósticos equivocados durante a adolescência. Assim, seu uso, em mulheres dessa faixa etária, deve ser criterioso.

 

Pós-menopausa

Como não há critérios diagnósticos para SOP em mulheres na perimenopausa ou na menopausa, sugere-se um diagnóstico presuntivo com base na história de oligomenorreia e hiperandrogenismo ao longo dos anos reprodutivos.

 

Avaliação diagnóstica

Dados da anamnese e exame físico são importantes na avaliação e no acompanhamento da paciente com suspeita de SOP, bem como para auxiliar o médico no diagnóstico diferencial e para orientar a solicitação de exames complementares.

 

História clínica e exame físico:

  • Idade da telarca, da adrenarca e da menarca
  • Característica dos ciclos menstruais
  • História reprodutiva
  • Idade de início e progressão de hirsutismo, acne, oleosidade da pele, seborreia e alopecia
  • Uso de medicamentos
  • História familiar de hirsutismo, acne, infertilidade, diabetes, doença cardiovascular, dislipidemia ou obesidade
  • Medida da altura, do peso e da circunferência da cintura, além de índice de massa corporal (IMC)
  • Grau das manifestações cutâneas de hirsutismo, acne e oleosidade
  • Tamanho do clitóris
  • Avaliação de muco cervical – estado ovulatório


Avaliação complementar

A avaliação básica das mulheres com SOP engloba exames que possibilitam confirmar a presença do hiperandrogenismo laboratorial, bem como excluir outras causas que podem mimetizar as características clínicas de SOP, como hiperprolactinemia, tiroidopatia e hiperplasia adrenal congênita forma tardia (deficiência primária de 21-hidroxilase). A coleta deve ser feita em jejum, entre o segundo e terceiro dias do ciclo, e inclui testosterona total e livre, SDHEA, DHEA, progesterona, estradiol, androstenediona, prolactina – se elevada, pesquisar macroprolactina –, LH, FSH, TSH, T4 livre e 17-hidroxiprogesterona.

A dosagem dos níveis séricos de androgênios ajuda a caracterizar o hiperandrogenismo laboratorial e a fazer a exclusão diagnóstica de tumores secretores de androgênios ou de uso exógeno de androgênios. Quando realizada por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas, apresenta maior exatidão, em comparação aos imunoensaios, principalmente em crianças e mulheres.

Para descartar hiperplasia adrenal congênita forma tardia (deficiência primária de 21-hidroxilase), realiza-se a dosagem de 17-hidroxiprogesterona às 8 horas da manhã ou até duas horas após o despertar, se possível na fase folicular do ciclo.

Quanto aos exames de imagem, a ultrassonografia pélvica, via transvaginal, configura-se como o principal método de avaliação, fazendo parte da bateria inicial de exames complementares. Além de ter utilidade para rastrear outras doenças, o método é essencial para a identificação dos ovários policísticos, que ocorrem em cerca de 75% das mulheres com SOP. Contudo, esse achado pode ser visto também em cerca de 20% das mulheres em idade reprodutiva, razão pela qual, quando isolado, sem a presença de hiperandrogenismo clínico ou laboratorial, não deve ser utilizado para fechar o diagnóstico da síndrome.

A dosagem do hormônio antimülleriano (AMH), um peptídeo produzido pelas células da granulosa de folículos ovarianos pré-antrais e antrais pequenos, pode ajudar o médico-assistente na avaliação diagnóstica das mulheres com SOP, auxiliando-o em alguns diagnósticos diferenciais e na avaliação da reserva ovariana. Os níveis de AMH encontram-se elevados em mulheres com SOP, diminuídos na suspeita de insuficiência ovariana prematura e normais na hiperprolactinemia e no hipogonadismo hipogonadotrófico. No entanto, o AMH ainda não é considerado essencial para o diagnóstico.

Dependendo da história clínica, a investigação com outros exames de análises clínicas e de imagem deve ser feita levando-se em conta as possíveis suspeitas diagnósticas.

Outros possíveis diagnósticos diferenciais de SOP

Hipótese
Apresentação clínica
Avaliação complementar
Gravidez
Amenorreia/atraso menstrual, outros sinais e sintomas sugestivos de gestação
beta-hCG
Amenorreia hipotalâmica, incluindo amenorreia hipotalâmica funcional (AHF)
Amenorreia, perda de peso, atividade física em excesso, ausência de sinais de hiperandrogenismo ao exame físico; em algumas situações, ovários multifoliculares estão presentes
FSH e LH séricos (ambos baixos ou normais baixos), estradiol sérico (baixo). As pacientes com AHF apresentam níveis baixos ou normais baixos de LH, concentrações normais de FSH (geralmente maiores que as de LH), estradiol <50 pg/mL (<5 ng/dL) e progesterona <1 ng/mL (<100 ng/dL). Em casos selecionados, como em pacientes com níveis de estradiol persistentemente inferiores a 20 pg/mL (2 ng/dL), pode-se realizar a prova de estímulo de GnRH, também conhecida como teste do LHRH. A resposta ao estímulo de GnRH, com aumento de duas a três vezes no LH e no FSH em comparação aos níveis basais, fica preservada na AHF. A dosagem do AMH também pode ser considerada
Insuficiência ovariana primária
Amenorreia combinada com sintomas de deficiência estrogênica, como fogachos e sintomas urogenitais
FSH sérico (elevado) e estradiol sérico (baixo). A dosagem do AMH também pode ser considerada
Tumor secretor de androgênio
Virilização, incluindo alteração na voz, alopecia androgênica de padrão masculino e clitoromegalia; início rápido dos sintomas
Testosterona e SHDEA séricos (marcadamente elevados), ultrassonografia para avaliação dos ovários, TC para avaliação das adrenais (presença de massa ou tumor)
Síndrome de Cushing
Há sinais e sintomas de SOP que podem se sobrepor aos de Cushing, como estrias, obesidade e manifestações de intolerância à glicose. Contudo, a apresentação clínica do Cushing geralmente tem mais sinais e sintomas, como miopatia, pletora facial, estrias violáceas e hematomas por pequenos traumas e alargamento da região dorsocervical (buffalo hump), entre outros
Cortisol salivar noturno/cortisol livre urinário de 24 horas ou teste de supressão com 1 mg de dexametasona. Esta última deve ser administrada por via oral às 23 horas do dia anterior à coleta de sangue e a amostra de cortisol, colhida entre 7 e 8 horas da manhã seguinte. A dosagem de dexametasona sérica deve ser realizada a fim de validar o teste
Acromegalia
Oligomenorreia e alterações cutâneas, como espessamento, acrocórdons, hirsutismo e hiper-hidrose, podem se sobrepor aos sintomas de SOP. Contudo, cefaleia, perda de visão periférica, aumento da mandíbula e do arco zigomático, proeminência frontal, macroglossia e outros requerem investigação adicional
IGF-1 sérico (aumentado), RM da hipófise (presença de massa ou tumor)

Adaptado de Legro et al, 2013.


Comorbidades associadas

A SOP está associada com diferentes comorbidades, que incluem obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, complicações na gravidez e até câncer de endométrio. Assim, toda mulher com esse diagnóstico deve ser avaliada quanto ao risco metabólico, principalmente para diabetes tipo 2 e doença cardiovascular. Recomenda-se a realização de curva de tolerância à glicose com 75 g de glicose oral (tempos basal e 120 minutos), hemoglobina glicada (HbA1c), perfil lipídico e triglicérides. Nas obesas, convém incluir testes para função hepática.


Obesidade

O cálculo do IMC e da circunferência da cintura pode determinar se as mulheres com SOP apresentam aumento da adiposidade, que, por sua vez, está relacionada ao hiperandrogenismo e ao aumento do risco metabólico. Mulheres obesas com SOP também apresentam menor taxa de gravidez e menor resposta aos tratamentos farmacológicos de indução da ovulação.

Apenas a medida do IMC tem limitações para avaliação da gordura corporal, podendo ser feito o estudo da composição corporal por DXA, que analisa a gordura corporal, a massa magra e o conteúdo mineral ósseo, fornecendo diversos índices úteis no manejo de pacientes com excesso de peso (veja mais em: https://www.fleury.com.br/medico/artigos-cientificos/composicao-densitometria).


Diabetes

A SOP aumenta o risco de intolerância à glicose e diabetes mellitus tipo 2. Dessa forma, preconiza-se rastreamento com teste de tolerância à glicose de duas horas, com 75 g de glicose oral, ou HbA1c a cada três a cinco anos. O intervalo pode ser menor na presença de adiposidade central, ganho de peso substancial e/ou aparecimento de sintomas de diabetes.


Doenças cardiovasculares

A presença de fatores de risco para doenças cardiovasculares deve ser investigada nas adolescentes e mulheres com SOP.

Estratificação de risco cardiovascular em mulheres com SOP 

As mulheres estão em risco na presença de qualquer um dos fatores abaixo:
- Obesidade, principalmente central (circunferência abdominal >88 cm)
- Tabagismo
- Hipertensão
- Dislipidemia
- Doença vascular subclínica
- Intolerância à glicose
- História familiar de doença cardiovascular prematura (<55 anos de idade em parente do sexo masculino e/ou <65 anos de idade em parente do sexo feminino)
As mulheres são consideradas de alto risco na presença de:
- Síndrome metabólica
- Diabetes mellitus tipo 2
- Doenças cardiovasculares, doença vascular ou renal evidente
- Apneia obstrutiva do sono


Infertilidade

Mulheres com SOP apresentam maior risco de anovulação e infertilidade. A avaliação deve levar em conta a história dos ciclos menstruais. A dosagem do AMH também pode ser utilizada para o estudo da reserva ovariana. Outras causas de infertilidade, além da anovulação, devem ser descartadas.


Complicações gestacionais

Mulheres com SOP que engravidam podem apresentar complicações durante a gravidez, como diabetes gestacional, parto prematuro e pré-eclâmpsia, especialmente se houver obesidade concomitante. A avaliação pré-concepção deve incluir, além da medida da pressão arterial, o cálculo do IMC e o teste de tolerância à glicose oral.


Apneia obstrutiva do sono

Na presença de sintomas sugestivos da doença em adolescentes ou mulheres com SOP e sobrepeso/ obesidade, recomenda-se a realização de polissonografia.


Transtornos psiquiátricos

A prevalência de depressão, ansiedade e transtorno do pânico é mais elevada em mulheres com SOP. As pacientes identificadas com algumas dessas condições devem ser encaminhadas para acompanhamento e tratamento com especialista.


NAFLD e NASH

A doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD, na sigla em inglês) e a esteato-hepatite não alcoólica (NASH, na sigla em inglês) podem ocorrer em pacientes com SOP, mas não se recomenda rastreamento de rotina.


Câncer de endométrio

Há aumento do risco dessa neoplasia em mulheres com SOP, especialmente naquelas com obesidade, amenorreia prolongada, diabetes e/ou sangramento uterino anormal. Preconiza-se a ultrassonografia de rotina para avaliação da espessura do endométrio.

Fontes consultadas:

Legro RS et al. Diagnosis and treatment of polycystic ovary syndrome: an Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2013;98:4565-92.

Maciel GAR. Síndrome dos ovários policísticos. In: Maciel GAR, Silva IDCG. Manual Diagnóstico em Saúde da Mulher. Barueri, SP: Manole, 2015. p.13-15.

Maciel GAR. Hirsutismo. In: Maciel GAR, Silva IDCG. Manual Diagnóstico em Saúde da Mulher. Barueri, SP: Manole, 2015. p.16-18.


CONSULTORIA MÉDICA

Densitometria óssea

Dra. Cynthia Maria Álvares Brandão
[email protected]

Dra. Patricia Dreyer
[email protected]


Endocrinologia

Dr. José Viana Lima Junior

[email protected]

Dra. Maria Izabel Chiamolera

[email protected]

Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra

[email protected]

Dra. Rosa Paula Mello Biscolla

[email protected]

Dr. Rui M. B. Maciel

[email protected]


Imagem do Abdome e Pelve

Dra. Ana Paula Carvalhal Moura

[email protected]


Ginecologia

Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel

[email protected]