Vacina contra a Covid-19: o que podemos esperar?

Um panorama sobre as iniciativas em desenvolvimento ao redor do mundo.

Em dezembro de 2019, diversos casos de pneumonia de origem desconhecida foram reportados em Wuhan, China (1). O agente causador da epidemia foi identificado como um betacoronavírus, cujo genoma apresenta 79% de homologia com a sequência gênica do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS), de 2003, tendo sido, por isso, nomeado SARS-CoV-2 (2,3). O novo coronavírus é facilmente transmitido entre humanos, o que permitiu que se disseminasse rapidamente pelo mundo. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a Covid-19 (doença causada pelo SARS-CoV-2) como uma emergência de saúde pública de âmbito internacional (3,4). Diante desse cenário, torna-se urgente o desenvolvimento de uma vacina que possa ser disponibilizada rápida e globalmente.

A necessidade de desenvolver rapidamente um imunizante contra o SARS-CoV-2 surge em um momento de maior entendimento científico, inclusive em áreas como genômica e biologia estrutural, corroborando uma nova era na pesquisa de vacinas (5). Ademais, a escala do impacto humanitário e econômico da pandemia de Covid-19 vem impulsionando a pesquisa de tecnologias inovadoras para o desenvolvimento de vacinas por meio de paradigmas que acelerem seu desenvolvimento (6). No contexto de uma pandemia, uma plataforma ideal para desenvolver uma vacina seria aquela que permitisse uma rápida transição entre a fase de sequenciamento viral para a fase de ensaios clínicos, proporcionasse resposta imune duradoura, tanto humoral quanto celular, em dose única, e possibilitasse fabricação em grande escala e em um curto período (2,5,6).

Uma característica marcante do cenário de pesquisa de vacinas para Covid-19 é a variedade de plataformas tecnológicas em avaliação neste momento, incluindo ácido nucleico (DNA e RNA), partícula semelhante a vírus, peptídeo, vetor viral (replicante e não replicante), proteína recombinante, abordagens de vírus vivo atenuado e vírus inativado (tabela 1 e figura 1) (2,5–7). Tais plataformas tecnológicas têm, como principal antígeno-alvo para o desenvolvimento de um novo imunizante, a proteína Spike. Presente na superfície do coronavírus, a Spike responde pela adesão do vírus ao receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) em humanos, sendo também o principal indutor de anticorpos neutralizantes (3,8).

Atualmente, o cenário global de pesquisa de uma vacina contra a Covid-19 contempla 131 produtos candidatos, das quais dez se encontram em fase clínica de desenvolvimento, ou seja, sendo testadas em adultos saudáveis, a fim de avaliar sua segurança e imunogenicidade (tabela 2). As demais 121 vacinas estão em fase pré-clínica, muitas já em estudo experimental em modelos animais – para mais detalhes, acesse https://www.who.int/who-documents-detail/draft-landscape-of-covid-19-candidate-vaccines (9).

Apesar das novas plataformas, a produção de uma vacina contra o SARS-CoV-2 ainda apresenta desafios. O primeiro deles é o risco de exacerbação da doença, fenômeno observado em estudos pré- clinico, nos quais animais que haviam sido imunizados com vacina de vírus inativado contra SARS-CoV-1, quando infectados pelo vírus selvagem, desenvolveram doença mais grave, com infiltrado eosinofílico pulmonar e desvio da resposta imune para o tipo Th2 (10,11). Segundo, apesar de correlatos de proteção poderem ser inferidos dos estudos das vacinas contra SARS-CoV-1 e MERS-CoV, eles ainda não estão estabelecidos. Assim como na infecção natural, em que se desconhece a duração da imunidade protetora, também não há certeza se uma dose única será suficiente para elicitar resposta imune duradoura (5).

Por fim, o desenvolvimento de uma nova vacina é um processo demorado e caro, requerendo um novo paradigma pandêmico, com um início rápido e várias etapas executadas em paralelo, antes da confirmação de um resultado bem-sucedido da etapa anterior, o que resulta em risco financeiro elevado. O atual esforço global para a pesquisa e o desenvolvimento de imunizantes em resposta à pandemia de Covid-19 é sem precedentes, em termos de escala e velocidade. Devido à necessidade imperativa de celeridade, há uma possibilidade de que as vacinas possam estar disponíveis, sob uso emergencial ou protocolos regulatórios semelhantes, em 2021 (2,5,6).

Será necessária uma forte coordenação e cooperação internacional entre produtores, órgãos regulatórios, financiadores, órgãos de saúde pública e governos para garantir que as vacinas candidatas promissoras e em estágio avançado de desenvolvimento possam ser fabricadas em quantidades suficientes e fornecidas equitativamente a todas as áreas afetadas pela pandemia, particularmente em regiões com poucos recursos financeiros. O Coalition for Epidemics Preparedness Innovations (CEPI) emitiu recentemente um pedido de financiamento para apoiar os esforços globais de desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, guiados por três imperativos: velocidade, produção e implantação em escala e acesso globais (6).

Tabela 1. Visão geral das plataformas e tecnologias de produção de vacinas contra SARS-CoV-2 (2)

Plataforma

Antígeno- alvo

Plataforma com vacina já licenciada

Vantagens

Desvantagens

Vacinas de RNA

Proteína Spike

Não

  • Sem necessidade de manipulação do SARS-CoV-2 (vírus vivo)
  • Vacina com alta imunogenicidade
  • Produção rápida
  • Reatogenicidade local intensa reportada no passado

Vacinas DNA

Proteína Spike

Não

  • Sem necessidade de manipulação do SARS-CoV-2 (vírus vivo)
  • Vacina com alta imunogenicidade
  • Produção rápida e em grande escala
  • Baixo custo de produção
  • Estabilidade em altas temperaturas
  • Necessidade de dispositivos especiais para alcançar boa imunogenicidade

Vacinas de subunidade proteica

Proteína Spike

Sim: HPV, HEPB, influenza

  • Sem necessidade de manipulação do SARS-CoV-2 (vírus vivo)
  • Possibilidade de aumentar imunogenicidade com adjuvantes
  • Capacidade de produção global limitada
  • Necessidade de confirmar integridade dos antígenos/epítopos

Vacinas de vetor viral

Proteína Spike

Sim: ebola, dengue

  • Sem necessidade de manipulação do SARS-CoV-2 (vírus vivo)
  • Vacina com alta imunogenicidade
  • Resultados promissores de estudos pré-clínico e clínico em vacinas contra MERS-CoV
  • Possível impacto negativo da imunidade prévia ao vetor viral na eficácia da vacina (a depender do vetor escolhido)

Vacinas de vírus vivo atenuado

Vírus inteiro

Sim

  • Processo de manufatura utilizado para várias vacinas existentes – infraestrutura disponível pode ser usada
  • Resposta imune potente com dose única
  • Demanda de tempo para a criação de clones infecciosos para uma vacina de coronavírus atenuada, devido ao grande genoma viral
  • Testes extensos de segurança para garantir estabilidade, também devido ao grande genoma viral

Vacina de vírus inativado

Vírus inteiro

Sim

  • Processo de manufatura utilizado para várias vacinas existentes – infraestrutura disponível pode ser usada
  • Possibilidade de aumentar imunogenicidade com adjuvantes
  • Vacina contra SARS-CoV-1 testada em humanos
  • Risco de exacerbação da doença visto em estudos pré-clínicos.
  • Necessidade de manipular grandes quantidades de SARS-CoV-2 para inativação
  • Necessidade de confirmar integridade dos antígenos/epítopos após inativação

 

 Figura 1. Vacinas candidatas por plataforma


 Adaptado da Nature, Vol 580 (7).

 Tabela 2. Vacinas em desenvolvimento no mundo

Plataforma

Tipo de vacina candidata

Pesquisador

Fase atual de estudo clínico

Vetor viral não replicante

Vetor: adenovírus tipo 5

CanSino Biological Inc./Beijing Institute of Biotechnology

Fase 2 ChiCTR2000031781

Fase 1 ChiCTR2000030906

Vetor viral não replicante

ChAdOx1

University of Oxford/ AstraZeneca

Fase 2b/3 2020-001228-32
Fase 1/2 2020-001072-15

DNA

DNA plasmid vaccine

Electroporation device

Inovio Pharmaceuticals

Fase 1 NCT04336410

RNA

mRNA

Proteína Spike

BioNTech/Fosun Pharma/Pfizer

Fase 1/2 2020-001038-36

RNA

mRNA
LNP-encapsulada  Proteína Spike

Moderna/NIAID

Fase 2
(IND accepted)

Fase 1 NCT04283461

Inativada

Inativada

Beijing Institute of Biological Products/Wuhan Institute of Biological Products

Fase 1 ChiCTR2000031809

Inativada

Inativada + alumínio

Sinovac

Fase 1 NCT04352608

Inativada

Inativada

Institute of Medical Biology , Chinese Academy of Medical Sciences

Fase 1

Inativada

Inativada

Wuhan Institute of Biological Products/Sinopharm

Fase 1 ChiCTR2000031809 

Subunidade proteica

Proteína Spike + adjuvante
Matrix M

Novovax

Fase 1/2 NCT04368988

 

 

CONSULTORIA MÉDICA EM VACINAS

Dra. Isabela Garrido da Silva Gonzalez

[email protected] 

Dra. Janete Kamikawa

[email protected] 

 

Referências

 1.        Huang C, Wang Y, Li X, Ren L, Zhao J, Hu Y, et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020;395(10223):497–506.

2.        Amanat F, Krammer F. Perspective SARS-CoV-2 Vaccines: Status Report. 2020;(January).

3.        Wrapp D, Wang N, Corbett KS, Goldsmith JA, Hsieh CL, Abiona O, et al. Cryo-EM structure of the 2019-nCoV spike in the prefusion conformation. Science (80- ). 2020;367(6483):1260–3.

4.        WHO. Novel coronavirus (COVID-19) situation.

5.        Nicole Lurie, M.D., M.S.P.H., Melanie Saville, M.D., Richard Hatchett, M.D., and Jane Halton, A.O. PSM. Developing Covid-19 Vaccines at Pandemic Speed. N Engl J Med. 2020.

6.        Thanh Le T, Andreadakis Z, Kumar A, Gómez Román R, Tollefsen S, Saville M, et al. The COVID-19 vaccine development landscape. Nat Rev Drug Discov. 2020;19(5):305–6.

7.        Callaway E. The race for coronavirus vaccines: a graphical guide. Nature. 2020;580(7805):576–7.

8.        Walls AC, Park YJ, Tortorici MA, Wall A, McGuire AT, Veesler D. Structure, Function, and Antigenicity of the SARS-CoV-2 Spike Glycoprotein. Cell [Internet]. 2020;181(2):281-292.e6. Available from: https://doi.org/10.1016/j.cell.2020.02.058

9.        DRAFT landscape of COVID-19 candidate vaccines [Internet]. [cited 2020 Jun 1]. Available from: https://www.who.int/who-documents-detail/draft-landscape-of-covid-19-candidate-vaccines).

10.      Smatti MK, Al Thani AA, Yassine HM. Viral-induced enhanced disease illness. Front Microbiol. 2018;9(DEC).

11.      de Alwis R, Chen S, Gan ES, Ooi EE. Impact of immune enhancement on Covid-19 polyclonal hyperimmune globulin therapy and vaccine development. EBioMedicine. 2020;55.