Investigação diagnóstica dos distúrbios hemorrágicos

Tópicos presentes neste capítulo

  • História clínica e exame físico  
  • Hemorragias na pele  
  • Sangramento de mucosas  
  • Sangramento traumático e pós-cirúrgico  
  • Sangramento menstrual  
  • Sangramento articular e muscular  
  • Doenças associadas e uso de medicamentos  
  • História familiar  
  • Testes laboratoriais  
  • Contagem de plaquetas  
  • Tempo de sangramento  
  • Tempo de protrombina (TP)  
  • Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa)  
  • Dosagem de fibrinogênio e tempo de trombina (TT)  
  • Outros testes  
  • Avaliação de testes laboratoriais anormais  
  • Avaliação pré-operatória da coagulação  
  • Referências bibliográficas  

A necessidade de investigação de distúrbios hemorrágicos constitui situação relativamente comum na prática clínica. O paciente que procura auxílio médico com queixas de sufusões hemorrágicas espontâneas, ou sangramento excessivo após traumas ou intervenções cirúrgicas são exemplos típicos de situações que requerem uma avaliação clínico-laboratorial sistemática. O médico hematologista é também freqüentemente acionado quando da detecção de anormalidades laboratoriais nos exames de screening da hemostasia, solicitados para indivíduos assintomáticos em avaliações pré- operatórias ou no seguimento clínico de outras doenças. Por fim, há situações em que o paciente será exposto a procedimentos que constituem grande desafio ao sistema hemostático (por exemplo, neurocirurgia, cirurgias com circulação extra-corpórea), e os hematologistas são chamados para opinar sobre a avaliação pré-operatória de indivíduos assintomáticos.

Nos diferentes contextos mencionados, a avaliação clínico-laboratorial dependerá de uma história clínica bem formulada, de exame físico dirigido para a procura de sinais indicativos de distúrbios da hemostasia e de solicitação e interpretação adequadas de exames de avaliação laboratorial do sistema hemostático.

História clínica e exame físico

A história clínica constitui a base do diagnóstico dos distúrbios hemorrágicos. Pacientes que se apresentam para avaliação de um episódio hemorrágico têm uma probabilidade pré-teste de 40% de terem alguma alteração subjacente detectada pelos exames laboratoriais. Por outro lado, é raro que seja detectada alguma alteração em exames de pacientes assintomáticos em avaliações pré-operatórias.

É de suma importância que se caracterize minuciosamente o episódio de sangramento, uma vez que muitos indivíduos com o sistema hemostático normal respondem que sangram anormalmente quando inquiridos em avaliação clínica e, ao contrário, indivíduos com distúrbios hemorrágicos que sangram excessivamente, freqüentemente não relatam essa informação caso ela não seja especificamente pesquisada.

Algumas questões que podem auxiliar na discriminação entre hemostasia normal e anormal incluem a pesquisa de história de sangramento excessivo após extração dentária ou pequenos cortes, de equimoses espontâneas ou sangramento muscular e de transfusões ou derivados de sangue.

Alguns sinais e sintomas direcionam sobremaneira o diagnóstico da manifestação hemorrágica. Eles podem ser divididos em distúrbios da hemostasia primária (vasos e plaquetas) ou secundária (cascata da coagulação). Os primeiros manifestam-se muito mais freqüentemente como hemorragias na pele e nas mucosas. Os distúrbios da hemostasia secundária manifestam-se, geralmente, como hematomas musculares ou hemorragias intra-articulares. Outras características clínicas que auxiliam no diagnóstico diferencial entre distúrbios da hemostasia primária e segundária encontram-se apresentadas na Tabela I.

Hemorragias na pele

Hemorragia na pele é definida como o extravasamento indiscriminado de células sangüíneas na pele, tecido subcutâneo ou ambos. A quantidade de sangue que sai do vaso determina o tamanho da lesão, com quantidades muito pequenas levando à formação de lesões avermelhadas puntiformes menores que 2 mm de tamanho (petéquias), e quantidades maiores de sangue formando lesões purpúricas (2 mm a 1 cm) ou equimoses francas (maiores que 1 cm). Tais definições não estão livres de controvérsias e o uso convencional geralmente agrupa todos esses tipos de lesões sob a denominação de púrpuras.

As petéquias caracteristicamente desenvolvem-se em agrupamentos, principalmente nas áreas de maior pressão venosa (extremidades) e áreas submetidas a compressão extrínseca por vestimentas ou atitudes posturais. Sempre deve ser feito o diagnóstico diferencial com lesões eritematosas e teleangiectasias. A vitropressão das lesões pode ajudar quando houver dúvida, pois nos dois últimos casos o sangue permanece no interior do vaso, ao contrário das púrpuras, nas quais o sangue está irregularmente distribuído no subcutâneo.

É importante tentar estabelecer se a resposta hemorrágica responsável pelas lesões purpúricas é excessiva com relação ao trauma que as provocou. Uma lesão hemorrágica não relacionada a trauma tem maior probabilidade de ser patológica, havendo portanto necessidade que o paciente seja inquirido se as lesões apareceram sem trauma prévio reconhecido. O tamanho da lesão também guarda proporção com a gravidade da manifestação hemorrágica.

O fato de a lesão purpúrica ser palpável ou não auxilia na elaboração do diagnóstico diferencial das hemorragias em pele. Os mecanismos fisiopatológicos que tornam a lesão palpável não são totalmente conhecidos (infere-se que seja por deposição de fibrina após extravasamento vascular de proteínas inflamatórias), mas como é um teste facilmente obtido a beira do leito e diferencia as possíveis causas da lesão, torna-se bastante válida a sua pesquisa (vide Tabela II).

O escorbuto manifesta-se como múltiplas petéquias em regiões peri-foliculares, principalmente nas coxas e nádegas. Outras doenças que podem causar manifestação hemorrágica na pele são a Síndrome de Cushing (incluindo a iatrogênica), a Púrpura Senil, a Síndrome de Ehlers-Danlos, a Púrpura Psicogênica e a Purpura simplex. Esta última deve ser considerada um diagnóstico de exclusão; ocorre em mulheres em idade fértil e tem periodicidade acompanhando o ciclo menstrual.

Sangramento de mucosas

Epistaxe é uma das manifestações mais comuns de distúrbios plaquetários e da doença de von Willebrand; sendo também o sintoma mais comum da Teleangiectasia Hemorrágica Hereditária (doença vascular caracterizada por epistaxes de repetição que pioram com o avançar da idade, teleangiectasias na língua e em virtualmente quaisquer outros órgãos).

Por outro lado, grande parcela da população normal também apresenta algum episódio de epistaxe no decorrer da vida. A probabilidade de um quadro de epistaxe ser secundário a uma coagulopatia aumenta se o sintoma for recorrente, se piora com o decorrer da idade, se o sangramento ocorre em ambas as narinas, se não há causa anatômica identificada e se existe história de sangramento anormal em outro local do corpo.

Sangramento gengival, principalmente após a escovação dentária, também é muito comum na população geral. O sintoma tem maior significado diagnóstico se o sangramento é espontâneo e crônico, especialmente se ocorre na presença de uma boa higiene dental e sem evidências de doença gengival. O desenvolvimento de lesões bolhosas hemorrágicas afetando a mucosa bucal é bastante compatível com doença hemorrágica, principalmente com as trombocitopenias graves.

Hematêmese, melena, hematoquezia, hematúria e hemoptise são manifestações relativamente incomuns de coagulopatias sistêmicas e quase nunca são responsáveis pelo quadro de apresentação destas doenças. Portanto, a investigação desses quadros deve visar primariamente a diagnosticar causas locais responsáveis por essas alterações, inclusive nos casos de coagulopatia conhecida.


Sangramento traumático e pós-cirúrgico

A ocorrência de sangramento exagerado após trauma, especialmente trauma cirúrgico, pode dar pistas importantes para a presença de uma coagulopatia. Por outro lado, uma hemostasia normal após uma cirurgia ou trauma acidental fornece evidência de que os mecanismos hemostáticos estavam intactos por ocasião do trauma, constituindo-se em dado fundamental na história clínica de todo paciente com manifestação hemorrágica.

Porém, há que se tomar extremo cuidado na interpretação dos dados fornecidos pelo paciente sobre sangramento pós-traumático, pois existe sempre uma tendência do paciente considerar excessivo um sangramento fisiológico pós-trauma, ou mesmo exagerar quando informa a quantidade de sangue perdido. Por isso, tornam-se mais confiáveis as informações sobre o tempo de duração do sangramento, sobre a necessidade de re-operação ou de tamponamento e sobre a necessidade de transfusão de hemocomponentes.

Um dos maiores desafios a que o sistema hemostático pode ser submetido é o de uma extração dentária de molares ou pré-molares. As limitações para o fechamento da ferida impostas pelos alvéolos ósseos e a atividade pró-fibrinolítica da saliva dificultam bastante o processo de hemostasia. Porém, muitos pacientes não irão relatar história de sangramento excessivo após extração dentária a menos que sejam especificamente inquiridos. Devido à sensibilidade desse tipo de procedimento para detectar alterações na hemostasia primária ou secundária, a história odontológica torna-se essencial na avaliação clínica do paciente com manifestação hemorrágica. Sangramentos que necessitem de re-exploração para sutura ou tamponamento ou que se continuem por várias horas após o procedimento, constituem-se em evidências muito sugestivas de coagulopatia sistêmica.

Pesquisa de história de sangramento pós-tonsilectomia deve ser também realizada. Apendicectomia e outros procedimentos cirúrgicos menores também são válidos para pesquisa de exposição prévia do sistema hemostático, mas nem sempre são valorizados ou lembrados pelos pacientes a menos que seja reforçada a importância da informação.

O parto representa um excelente teste para a hemostasia. Embora as causas obstétricas predominem como causas de hemorragia pós-parto, a perda de sangue excessiva no puerpério imediato pode ser o quadro de apresentação de uma coagulopatia.

O retardo na cicatrização de feridas cirúrgicas ou traumáticas pode se constituir em manifestação de condições raras associadas a tendência hemorrágica, como deficiência do fator XIII ou anormalidades do fibrinogênio. Também pode ocorrer retardo de cicatrização quando a reposição de fator é inadequada durante a cirurgia de hemofílicos ou em casos de Síndrome de Cushing ou Síndrome de Ehlers-Danlos.

Sangramento menstrual

Embora o sangramento menstrual excessivo (menorragia) seja uma manifestação comum nas coagulopatias, é muito mais freqüente que a menorragia seja secundária a causas ginecológicas. A quantificação de fluxo menstrual é bastante problemática, porém, quando a menstruação dura mais que sete dias ou o período de fluxo abundante é maior que três dias, admite-se que a perda menstrual seja excessiva. Outros fatores sugestivos de menorragia são: dificuldade em conter o fluxo menstrual apenas com absorventes higiênicos, inabilidade em fazer as atividades do dia-a-dia durante o período menstrual ou o desenvolvimento de anemia ferropriva secundária em mulheres com dieta adequada e sem outro foco de sangramento.


Sangramento articular e muscular

Hemartroses e hematomas musculares são característicos das hemofilias. Raramente essas manifestações ocorrem em outras doenças, como no caso da doença de von Willebrand do tipo 3.

As hemartroses causam muita dor e aumento de volume na articulação, mas como raramente são associadas a alterações na coloração da pele, nos primeiros episódios podem não ser reconhecidas como manifestação hemorrágica pelo paciente ou familiares. A história clínica deve concentrar-se, portanto, em sintomas de dor e aumento de volume na articulação.

Doenças associadas e uso de medicamentos

Distúrbios hemorrágicos adquiridos muitas vezes são secundários a doenças sistêmicas. Sangramento cutâneo ou mucoso pode ser o quadro de apresentação de uma hepatopatia, nefropatia grave, hipotireoidismo ou uma manifestação de falência da medula óssea. síndrome de Cushing, paraproteinemias ou amiloidose ocasionalmente também podem manifestar-se dessa forma. A coagulação intravascular disseminada (CIVD) pode iniciar-se com sangramento ou com manifestações vaso-oclusivas e o fator subjacente, causador da CIVD, pode não ser imediatamente óbvio em certos casos (câncer oculto, por exemplo). Os vícios alimentares, as síndromes de má-absorção e as diarréias crônicas também podem ser os fatores responsáveis pelas coagulopatias adquiridas em uma minoria dos casos.

Todas as medicações usadas pelo paciente devem ser cuidadosamente documentadas. Questões específicas sobre o uso de aspirina, anti-inflamatórios não-esteroidais, anticoagulantes orais e corticosteróides são especialmente importantes. Anticoncepcionais orais, vitaminas e suplementos alimentares podem não ser vistos como medicações pelo paciente e também devem ser abordados.

História familiar

A história familiar é de fundamental importância na avaliação do paciente com manifestação hemorrágica. É virtualmente diagnóstica no caso de paciente do sexo masculino com sintomas compatíveis com hemofilia cujo tio por parte materna é hemofílico. Porém, há que se tomar cuidado para excluir o diagnóstico de hemofilia apenas pela história familiar, uma vez que cerca de 30% dos hemofílicos são portadores de mutações novas, portanto sem história familiar de hemofilia.

A doença de von Willebrand é autossômica dominante, exceto a DvW do tipo 3 que é autossômica recessiva, mas em alguns casos a história familiar pode não ser característica devido às formas sub-clínicas da doença.

A maioria das outras doenças hemorrágicas hereditárias são autossômicas recessivas e a história familiar pode dar boas pistas para o diagnóstico.

Testes laboratoriais

A avaliação laboratorial do paciente com manifestação hemorrágica inicia-se por testes de screening que detectam alterações tanto da hemostasia primária quanto da cascata de coagulação. Testes específicos de fatores da coagulação são indicados a depender dos resultados da avaliação inicial. Informações sobre a técnica de realização dos diferentes testes podem ser obtidas no capítulo sobre a avaliação laboratorial da hemostasia.


Contagem de plaquetas

A contagem plaquetária deve ser realizada para detectar trombocitopenia, que é definida como uma contagem de plaquetas inferior a 150.000/mm3. Atualmente o procedimento é obtido por meio de contadores eletrônicos que costumam ser bastante confiáveis com contagens acima de 20.000 plaquetas/mm3. Porém, toda contagem plaquetária anormal deve ser observada em lâmina de sangue periférico no sentido de serem detectadas algumas outras anomalias que alteram as contagens de aparelhos eletrônicos ou alterações que sejam virtualmente diagnósticas de outras doenças hematológicas (blastos nas leucemias agudas, esquizócitos na púrpuras trombocitopênicas trombóticas ou casos de CIVD, alterações morfológicas sugestivas do diagnóstico de síndrome de Bernard-Soulier ou síndrome da plaqueta cinzenta, etc).

A pseudotrombocitopenia é um fenômeno que ocorre de 0,1% a 2% dos pacientes hospitalizados e é facilmente reconhecida pela visualização de aglomerados de plaquetas ao exame do esfregaço de sangue periférico. Tal fenômeno deve-se a uma modificação antigênica na superfície plaquetária ocasionada pelo EDTA ou por outros anti-coagulantes. Na maioria das vezes, a coleta de sangue com citrato, ao invés do EDTA, permite que não aconteça a aglutinação plaquetária e que haja normalização na contagem por instrumentos automatizados.

Outro fenômeno responsável pela diminuição espúria no número de plaquetas é o satelitismo plaquetário, quando ocorre aderência das plaquetas aos leucócitos, não havendo a contagem das mesmas pelos aparelhos eletrônicos. Tal alteração também é facilmente diagnosticada mediante observação do esfregaço de sangue periférico.

Outras causas de pseudotrombocitopenia são a colheita inadequada (formação de coágulo em parte da amostra com conseqüente consumo de plaquetas), plaquetas gigantes (contadas como leucócitos pelos instrumentos automatizados) ou presença de aglutininas frias.

Tempo de sangramento

"O tempo de sangramento (TS) é um teste de screening in vivo da hemostasia primária, indicando, quando prolongado, uma anormalidade plaquetária quantitativa ou qualitativa, um defeito na interação plaqueta-vaso (doença de von Willebrand) ou uma doença vascular primária (vasculite, síndrome de Cushing, amiloidose, escorbuto ou doenças do tecido conjuntivo, como síndrome de Ehlers-Danlos ou pseudoxanthoma elasticum).

A sensibilidade e a reprodutibilidade TS são extremamente dependentes da técnica. Deve ser utilizada a técnica de Ivy modificada.

A trombocitopenia prolonga o TS quando a contagem plaquetária cai abaixo de 100.000/mm3. Abaixo deste nível há uma correlação inversa entre o grau de trombocitopenia e o prolongamento no TS até cerca de 10.000 plaquetas/mm3, quando o TS perde a relação com a contagem plaquetária.

Indivíduos com trombocitopenias por destruição plaquetária (púrpura trombocitopênica idiopática) podem exibir tempos de sangramento mais curtos que o esperado pela contagem de plaquetas, presumivelmente porque a população plaquetária está enriquecida com células jovens, hemostaticamente mais efetivas.

Anemias graves também provocam prolongamento no TS. A relação inversa entre o hematócrito e o TS é particularmente bem estabelecida na insuficiência renal, quando a correção da anemia com transfusão ou terapia com eritropoetina recombinante tende a normalizar o TS. Os eritrócitos podem afetar o TS por mecanismos reológicos, deslocando as plaquetas lateralmente com relação ao fluxo sangüíneo axial e facilitando a interação plaqueta-vaso, ou aumentando diretamente a reatividade plaquetária.

A sensibilização do TS pela utilização de aspirina pelo paciente não está bem padronizada e é motivo de controvérsia na literatura.

Extremo cuidado deve ser tomado para o uso do TS como método de screening na avaliação pré-operatória de pacientes assintomáticos, já que alguns estudos demonstraram total falta de correlação com sangramento intra ou pós-operatório.

Tempo de protrombina (TP)

"Como pode ser observado na Figura 1, as anormalidades na via extrínseca e comum podem prolongar o TP (fatores VII, V, X, protrombina ou fibrinogênio). O teste pode estar prolongado nas deficiências de um ou mais dos fatores acima, bem como na presença de um inibidor de algum desses fatores.

Dos cinco fatores que alteram o TP, três são dependentes de vitamina K (protrombina, fator VII e fator X) e tornam-se diminuídos com o uso dos anticoagulantes cumarínicos, motivo pelo qual o TP é o exame mais amplamente usado para a monitorização da anticoagulação oral.

Tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPa)

"O TTPa avalia as vias intrínseca e comum da cascata da coagulação (pré-calicreína, cininogênio de alto peso molecular, fatores XII, XI, IX, VIII, X, V, protrombina e fibrinogênio). O TTPa é relativamente mais sensível a deficiências dos fatores VIII e IX do que a deficiências dos fatores XI e XII ou fatores da via comum, mas, na maioria das técnicas, níveis de fatores entre 15% e 30% do normal prolongam o TTPa.

O TTPa é usado para detecção de deficiências ou inibidores dos fatores da coagulação da via intrínseca ou comum, além de se prestar para monitorização da anticoagulação com heparina e para  screening do anticoagulante lúpico.

Dosagem de fibrinogênio e tempo de trombina (TT)

Existem várias técnicas para a dosagem de fibrinogênio plasmático, a mais utilizada sendo o método de Clauss. Sua dosagem é clinicamente importante nas hipofibrinogenemias, nas disfibrinogenemias, nas hepatopatias e na CIVD.

O tempo de trombina (TT) é anormal quando os níveis de fibrinogênio estão abaixo de 70 a 100 mg/dL, nas disfibrinogenemias, quando existem níveis elevados de produtos de degradação da fibrina ou do fibrinogênio (CIVD, hepatopatias), em certas paraproteinemias ou na hiperfibrinogenemia, e é bastante prolongado na presença de heparina.

Outros testes

Dosagens específicas de fatores da coagulação por diferentes técnicas estão disponíveis comercialmente e são realizados em laboratórios de hemostasia.

O screening para inibidores dos fatores da coagulação pode ser feito simplesmente pela diluição 1:1 do plasma do paciente com pool de plasma normal, e realização do TTPA ou TP posteriormente. Caso não haja encurtamento dos tempos com relação a amostra com adição de plasma normal, sugere-se a presença de inibidor.

Os testes semi-quantitativos de Dímeros-D e dos Produtos de Degradação de Fibrina/Fibrinogênio (PDF) são imprescindíveis para o diagnóstico de CIVD.

Quando a avaliação clínica e os testes de screening sugerem distúrbio qualitativo plaquetário, o paciente deve ser referenciado a serviços com experiência na realização de provas de agregação plaquetária.

Nos casos em que a avaliação aponta para o diagnóstico de doença de von Willebrand, também há necessidade de auxílio de laboratórios especializados em hemostasia, pois para a completa caracterização laboratorial dos subtipos da doença faz-se necessária a mensuração da atividade de cofator da ristocetina e realização da eletroforese dos multímeros do fator de von Willebrand no plasma, além da quantificação da atividade coagulante do fator VIII (FVIII:C) e do antígeno do fator de von Willebrand no plasma.

Avaliação de testes laboratoriais anormais

Trombocitopenia, assim como anemia, é muito mais um sintoma que um diagnóstico. É a forma mais comum de doença hemorrágica adquirida. O conjunto de dados clínicos e laboratoriais irá fornecer as informações necessárias ao início da investigação da causa da trombocitopenia na maioria dos casos.

O tempo de sangramento prolongado associado a número normal de plaquetas sugere o diagnóstico de doença de von Willebrand ou distúrbio plaquetário qualitativo, desde tenha sido descartado o uso de medicamentos, as hepatopatias e as nefropatias.  Distúrbios da via intrínseca da cascata da coagulação são caracterizados pelo TTPa prolongado e o TP normal. Formas hereditárias incluem a deficiência dos fatores VIII ou IX (hemofilias A e B respectivamente), fator XI, pré-calicreína, cininogênio de alto peso molecular e fator XII. A deficiência três últimos fatores não é associada com quadro de manifestação hemorrágica, constituindo-se apenas anormalidade laboratorial. Distúrbios adquiridos que cursam com TP normal e TTPa prolongado incluem o inibidor lúpico ou inibidores dos fatores VIII, IX e XI, além do uso de heparina.

O prolongamento do TP sem prolongamento do TTPa ocorre na deficiência isolada do fator VII, que é rara e pode ser hereditária ou adquirida. Casos de inibidor do fator VII já foram relatados. Alguns casos de CIVD e disfibrinogenemia também podem causar prolongamento isolado do TP.

Distúrbios da via comum cursam com o prolongamento do TP e TTPa, os quais, quando hereditários, indicam deficiência de um dos seguintes fatores: fator X, fator V, protrombina ou fibrinogênio. Tais deficiências são raras. Por outro lado, deficiências adquiridas de alguns desses fatores geralmente são acompanhada por outras anormalidades nas vias extrínseca ou intrínseca, como ocorre nas hepatopatias, na CIVD e na deficiência de vitamina K. Além disso, quando o TP e o TTPa estão prolongados, torna-se importante a realização da dosagem de fibrinogênio e do tempo de trombina (TT), pois pode tratar-se de afibrinogenemia, hipofibrinogenemia ou disfibrinogenemia. Nos casos em que o quadro clínico sugere CIVD, completa-se a avaliação laboratorial com a determinação dos dímeros-D, produtos de degradação da fibrina (PDF) e pelo exame do esfregaço de sangue periférico na tentativa de observar-se esquizócitos.

Por último, nos casos de pacientes com sangramentos prolongados ou cicatrização anormal de feridas e todos os exames de screening normais, existe a possibilidade de se tratar de deficiência do fator XIII, a qual somente será detectada por realização de teste específico (por exemplo, determinação da atividade funcional do  fator XIII no plasma).

Avaliação pré-operatória da coagulação

A avaliação laboratorial da hemostasia em pacientes cuja história clínica e o exame físico são negativos para manifestação hemorrágica deve ser realizada apenas em casos selecionados, nos quais o sistema hemostático poderá ser prejudicado pelo tipo de procedimento cirúrgico (circulação extra-corpórea; cirurgia de próstata) ou que um sangramento mínimo possa causar dano acentuado ao paciente (neurocirurgia). Vários estudos demonstraram que o tempo de sangramento é um péssimo preditor de sangramento intra ou pós-operatório, mesmo no caso de cirurgias cardíacas. Da mesma maneira, a utilização do TP e do TTPa em vários tipos de procedimentos invasivos não foi capaz de predizer quais pacientes iriam sangrar excessivamente.

A utilização do TP, TTPa, tempo de sangramento e contagem plaquetária fica reservada para indivíduos cuja a avaliação clínica é impossível de ser realizada ou para aqueles com evidências clínicas sugestivas de uma possível doença hemorrágica, incluindo doença renal, hepática, desnutrição e síndromes de má-absorção, além dos procedimentos de alto risco supracitados. Uma sugestão de abordagem pré-operatória do sistema hemostático encontra-se apresentada na Figura 1.

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Tabela I: Manifestações clínicas de distúrbios hemorrágicos.

DvW: doença de von Willebrand

Tabela II: Principais causas de púrpuras palpáveis e não palpáveis."