As aparências enganam? | Revista Fleury Ed. 33

Apesar de ter o mesmo DNA, gêmeos univitelinos podem desenvolver comportamentos e até doenças diferentes de acordo com sua experiência de vida.

Apesar de ter o mesmo DNA, gêmeos univitelinos podem desenvolver comportamentos e até doenças diferentes de acordo com sua experiência de vida.

Gêmeos idênticos parecem destinados a ter uma só identidade. Quando um óvulo fecundado se divide em duas partes iguais, os irmãos univitelinos ganham os mesmos genes e crescem lado a lado no útero. Ao nascer, passam pelas mesmas experiências de vida: são tratados pelos outros como se fossem um só, brincam juntos, compartilham o cardápio de casa e, não raro, estudam na mesma classe.

Mesmo quando crescem separados, os gêmeos podem guardar muitas semelhanças nos hábitos e trejeitos, como demonstra um caso famoso nos Estados Unidos, o dos irmãos Jim Springer e Jim Lewis. Nascidos em 1939, eles foram colocados para adoção ainda bebês. Os dois nunca haviam se visto até se reencontrarem aos 39 anos e perceberem que quase não havia diferenças entre eles. Tinham o mesmo peso e altura, casaram-se pela primeira vez com mulheres chamadas Linda – e pela segunda com duas Bettys – e deram o mesmo nome aos filhos e aos cachorros.

Os dois trabalharam como xerifes, sofriam com fortes dores de cabeça, roíam as unhas, gostavam de fazer carpintaria em casa, tomar a mesma marca de cerveja e fumar o mesmo cigarro. Uma professora de psicologia da equipe que estudou o caso afirmava que, mesmo após tanta convivência com a dupla, não conseguia lembrar quem era quem. ""Algumas semelhanças são herança genética e não apenas uma coincidência. É normal que elas ocorram em indivíduos que têm o mesmo DNA"", comenta Dr. Wagner Antonio da Rosa Baratela, coordenador de Genética Médica do Fleury.

Um olhar mais aprofundado sobre os gêmeos univitelinos, porém, revela que eles nem sempre são tão iguais quanto sua aparência sugere. As diferenças podem começar ainda na gestação. ""Gêmeos que dividem a mesma placenta podem receber quantidades diferentes de sangue. Pode ocorrer do feto que recebe menos sangue ganhar menos peso"", esclarece Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho, coordenador de Medicina Fetal do Fleury. Por isso, vale alertar, o cuidado deve ser redobrado. ""A gestação gemelar é um motivo de felicidade para a família, mas a gestante precisa de um acompanhamento pré-natal cuidadoso. Se os gêmeos forem univitelinos de uma placenta só, é necessário um acompanhamento ultrassonográfico seriado"", explica Dr. Mário.


Ressaltar as diferenças é importante para que cada irmão descubra e desenvolva uma identidade própria desde a infância.

Se do ponto de vista genético os gêmeos são clones, no dia a dia eles não querem ser tratados como tais. ""Eu e minha irmã gêmea não temos nada de igual"", afirma, enfaticamente, a representante de vendas Luciane Thomaz, 30 anos. De modo mais suave, sua irmã, a jornalista Viviane Thomaz, concorda. ""A Lu anda sempre arrumada, é super carnívora e, quando algo incomoda, ela fala na cara. Eu só uso calça jeans, não como carne há anos e sou mais ponderada"", define. Na saúde, elas também têm suas diferenças. Luciane possui níveis altos de glicose no sangue; a irmã, não. Viviane já teve 13 miomas, enquanto Luciane não teve nenhum até hoje.

Como elas, nem todos os irmãos gêmeos têm as mesmas doenças, mesmo que tenham predisposição genética a elas, nem a mesma personalidade. ""Gêmeos univitelinos têm o mesmo código genético, mas ainda assim podem apresentar diferenças físicas e de comportamento"", explica Dr. Javier Miguelez, obstetra e assessor médico do Serviço de Medicina Fetal do Fleury Medicina e Saúde. Isso acontece porque o comportamento dos genes é imprevisível, bem como sua interação com fatores ambientais, ou seja, relacionados à experiência de cada pessoa, como sua alimentação, o tabagismo e a exposição a infecções.

Alguns transtornos psiquiátricos graves, como autismo e esquizofrenia, têm um componente genético mais forte, por isso se manifestam nos dois gêmeos. Ainda assim, diferenças nos fatores ambientais podem fazer com que sua gravidade seja sentida em intensidades diferentes em cada irmão.

Luciane Thomaz e Viviane Thomaz  
Arquivo pessoal

A predisposição a ter problemas crônicos, como hipertensão, pode ser definida com os bebês ainda no útero, mas também se manifesta em cada um de modo diferente. Apesar de terem pais diabéticos, apenas um dos gêmeos Jorge e Silvio Naslauski, ambos com 63 anos, tem a doença. Silvio é diabético, enquanto Jorge foi diagnosticado em estado de pré-diabetes. ""Acho que a diferença está nos nossos estilos de vida"", afirma Silvio. Os dois têm o mesmo tipo físico e desde cedo adotaram a natação como esporte predileto – a diferença é que Silvio abandonou a atividade aos 15 anos e só voltou a cair na água aos 45. ""Meu irmão sempre fez esportes e levou uma vida mais saudável. Eu mesmo voltei a nadar por insistência dele"", diz. Hoje, os dois competem em provas no litoral paulista, e Jorge garante que ainda têm desempenhos semelhantes. ""Até hoje somos muito parecidos em quase tudo, só divergimos em política"", comenta.

Jorge e Silvio NaslauskiFoto por: Kriz Knack

Diferenciar desde a infância

Ressaltar as diferenças é importante para que cada irmão descubra uma identidade própria. Em vez de oferecer sempre a mesma solução para os dois, os pais devem escutar as demandas de cada filho. ""Se o gêmeo não for entendido como um indivíduo, crescerá com a sensação de estar fora de lugar"", diz a psicanalista Nádia Chaguri Dimitrov, orientadora educacional por 30 anos e avó de gêmeos fraternos.

Por terem personalidades diferentes, gêmeos univitelinos não gostam de ser confundidos. ""Quando era criança, ficava bem irritada quando isso acontecia. É chato ter de corrigir as pessoas o tempo todo"", afirma Luciane. ""Gêmeos gostam de ser parecidos e de brincar com isso, mas ficam mal quando não são distinguidos"", diz Nádia. Por isso, os pais devem resistir à comodidade de vestir os gêmeos da mesma maneira ou de colocá-los na mesma classe na escola. ""Em classes separadas, eles saem da zona de conforto proporcionada pela cumplicidade e ampliam seus horizontes"", diz a psicanalista.

Jorge conta que, na infância, estudou na mesma classe de Silvio, mas se incomodava por serem tratados como ""os gêmeos"". A não ser, claro, quando a semelhança podia ajudá-lo a ir bem em matemática, ponto forte do irmão. ""De vez em quando ele fazia a prova no meu lugar"", conta Jorge, que curiosamente se formou em Economia, enquanto Silvio se graduou em Publicidade e Propaganda. Mas, quando ele repetiu de ano, cada um foi para uma escola – uma experiência que Silvio achou positiva. ""Nossa individualidade começou a ser reforçada. Pararam de achar que éramos uma pessoa só.""