De bem com a passagem do tempo | Revista Fleury Ed. 24

Para alcançar a maturidade com autonomia e disposição é preciso cuidar do corpo e da mente muito antes dos 60 anos

Para alcançar a maturidade com autonomia e disposição é preciso cuidar do corpo e da mente muito antes dos 60 anos

Viver para sempre, permanecer eternamente jovem e driblar os efeitos do tempo que insistem em deixar marcas no corpo são sonhos recorrentes do ser humano desde o início da civilização. Não por acaso, a lenda greco-romana da fonte da juventude, que seria capaz de rejuvenescer e dar imortalidade a quem bebesse de sua água, motivou grandes expedições marítimas, como a do navegador espanhol Ponce de Léon. Até hoje, entretanto, não foi descoberto o segredo para deter o curso do calendário. Porém, viver mais e desfrutar a maturidade com autonomia e disposição é uma realidade possível e bem mais próxima que encontrar a nascente das águas milagrosas.

Os brasileiros já estão vivendo mais. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999 a expectativa média de vida no país era de 70 anos. Já em 2009, esse número chegou aos 73,1 anos. De acordo com a projeção da população do Brasil, esse indicador poderá ultrapassar os 80 anos em 2050. “Esse é um fenômeno mundial que se deve, em grande parte, aos avanços da medicina e às melhores condições de vida, como saneamento básico e higiene pessoal”, explica José Antonio Curiati, médico do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e geriatra do núcleo avançado de geriatria do Hospital Sírio-Libanês.

Segundo Curiati, essa foi uma conquista muito importante, mas a batalha agora é para viver o tempo extra com qualidade. Para entender essa preocupação, basta ver os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que indicam que, atualmente, 15% dos idosos precisam de ajuda para desempenhar atividades do cotidiano, como se movimentar, tomar banho e comer.

Tique-taque do relógio
O processo de envelhecimento é contínuo e começa logo após o nascimento. Com o passar dos anos, o corpo sofre com a ação de diferentes desgastes. Gradativamente, a pele perde o viço e a elasticidade, a massa muscular diminui, os ossos enfraquecem, a gordura corporal aumenta e ferramentas como óculos e aparelhos auditivos precisam complementar a capacidade dos sentidos.

Tentar impedir esses reflexos da idade é tão irreal quanto querer frear o tempo. Porém, é possível reduzir o impacto dessas perdas. Isso porque os fatores que determinam se a maturidade será tranquila e ativa ou limitada e permeada de obstáculos são, em sua maioria, decorrentes do estilo de vida.

Embora a longevidade seja, em parte, influenciada pela genética, hábitos como não fumar, praticar exercícios físicos, consumir bebidas alcoólicas com moderação e manter uma alimentação balanceada também são determinantes. Envelhecer, portanto, exige atitude consciente em relação à qualidade de vida desde a mais tenra idade. “Não é possível almejar longevidade com saúde e autonomia se não houver equilíbrio em todas as fases”, enfatiza Curiati.

A hora é agora
Para alcançar a longevidade com qualidade de vida, a receita é aliar vida saudável à medicina preventiva. A avaliação feita por meio do check-up permite rastrear com antecedência as principais doenças que surgem na maturidade, entre elas hipertensão, diabetes e colesterol elevado, que têm evolução silenciosa e podem começar muito antes dos 60 anos. “Certamente algumas doenças irão aparecer com a idade. Mas, com a prevenção – isto é, ao manter bons hábitos, cuidar da saúde e administrar bem os problemas diagnosticados –, podemos interferir na intensidade dos efeitos que elas terão na rotina das pessoas”, afirma Nelson Carvalhaes, responsável pelo check-up do Fleury Medicina e Saúde. Na prática, as medidas preventivas proporcionam maior autonomia na velhice, impedindo que consequências funcionais atrapalhem a qualidade de vida. “Ao detectar e tratar precocemente as doenças, garantimos um envelhecimento mais saudável, com menos lesões cumulativas”, completa Maria do Carmo Sitta, professora colaboradora da disciplina de geriatria da FMUSP e supervisora do grupo de interconsultas do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Além disso, durante o processo de envelhecimento, é vital cuidar das emoções. “Sentimentos negativos liberam uma série de hormônios que podem levar à hipertensão e doenças coronarianas. Por isso, as pessoas devem trabalhar a qualidade dos sentimentos e enxergar o lado positivo das coisas”, afirma José Antonio. Parece difícil? O médico dá uma dica: “você precisa se condicionar e treinar o olhar para encarar a vida assim”, aconselha.

Tempo para cuidar da mente
Segundo pesquisa elaborada pela Universidade do Texas, uma postura positiva pode ajudar a reduzir os sinais da idade. Para chegar a essa conclusão, os cientistas acompanharam mais de 1.500 voluntários por sete anos e verificaram que a incidência de problemas físicos – como perda de peso, velocidade ao caminhar e força – era menor nas pessoas mais otimistas. Outros levantamentos mostram que os ansiosos e impacientes podem ser mais predispostos a doenças degenerativas, demências e distúrbios do humor característicos da terceira idade – como mal de Parkinson, Alzheimer e depressão –, enquanto indivíduos tranquilos e serenos tendem a envelhecer de maneira lúcida e consciente.

O que se percebe é que, para chegar à maturidade com o cérebro ativo, além de manter o espírito leve, é preciso estimular a mente. Leituras, relações sociais e afetivas, viagens e jogos, por exemplo, são aliados poderosos. “A gente colhe aquilo que planta. Por isso, é importante começar a realizar essas atividades o quanto antes”, diz a neuropsicóloga Carla Cristina Adda, responsável pela avaliação neuropsicológica do Fleury e doutoranda em ciências pelo departamento de neurologia da FMUSP.

Esses elementos colaboram para aumentar a reserva cognitiva, que é a capacidade cerebral para armazenar as habilidades adquiridas ao longo da vida, como raciocínio, memória, percepção e atenção. Isso ajuda a mente a resistir aos danos provocados por demências e desacelera o progresso dessas doenças. “Quanto maior a reserva, mais o indivíduo é capaz de criar caminhos alternativos para diferentes situações”, define Carla.

Para garantir uma boa poupança cognitiva, a recomendação é manter-se intelectualmente ativo desde a juventude. Coisas simples, como alterar trajetos ou ler uma revista de trás para frente, por exemplo, fazem com que o cérebro utilize áreas diferentes para desempenhar ações corriqueiras. “Assim, você faz novas conexões, pois tem que prestar mais atenção, fazer outros planejamentos e sair do piloto automático”, aponta.

Também é importante desenvolver novas habilidades e investir em atividades que proporcionam sensação de bem-estar. “Cinema, teatro, religião, reuniões familiares, fotografia ou gastronomia. Seja o que for que a pessoa escolher, deve ser algo prazeroso e que funcione como exercício para o cérebro”, observa a neuropsicóloga. Segundo ela, quanto maior o número de estímulos e melhores os hábitos de vida no decorrer dos anos, menores os efeitos das doenças degenerativas. Vale ressaltar também a necessidade de se preparar para a aposentadoria. “Você deve se programar para manter um padrão de atividade depois que parar de trabalhar, ou seja, planejar uma nova faculdade, ter aulas de dança ou aprender a tocar um instrumento, por exemplo.”

Para o geriatra José Antonio Curiati, o maior tesouro da maturidade é a sabedoria. “É difícil ser um jovem sábio, pois sabedoria é um privilégio que vem com o tempo. E a beleza está em usar o conhecimento, a experiência e a liberdade dessa fase para usufruir de tudo aquilo que foi conquistado na vida. Esse é o verdadeiro patrimônio que podemos ter, é o que faz valer a pena existir”, enfatiza.

“Sentimentos negativos liberam hormônios que podem levar à hipertensão e doenças coronarianas. Por isso, as pessoas devem trabalhar a qualidade dos sentimentos e enxergar o lado positivo das coisas”
José Antonio Curiati, geriatra

“É importante investir em atividades que proporcionam sensação de bem-estar e servem como exercício para o cérebro, como cinema, teatro, religião, reuniões familiares, fotografia ou gastronomia”
Carla Cristina Adda, neuropsicóloga

Mente ativa

Tarefas simples podem estimular o cérebro e potencializar a memória e a concentração:
[ ] Mude seus trajetos
[ ] Em casa, tente andar de costas
[ ] Escove os dentes com a mão contrária
[ ] Depois de ler um livro, conte a históriapara alguém
[ ] Participe de clubes ou associações
[ ] Planeje viagens
[ ] Fale ao telefone enquanto escreve
[ ] Divirta-se com diferentes jogos, como xadrez e sudoku
[ ] Monte quebra-cabeças
[ ] Visite museus
[ ] Use o relógio de pulso no braço contrário
[ ] Aprenda uma palavra nova todos os dias
Ao lado da família

Na terceira idade, as interações sociais são fundamentais para a saúde do corpo e da mente.

Para garantir o bem-estar na maturidade, é importante contar com a família como aliada. ""Os parentes devem propiciar um ambiente ativo, com conversas e passeios, por exemplo. Isso colabora para aumentar a reserva cognitiva e melhorar o humor"", diz a neuropsicóloga Carla Adda. Valorizar a opinião do idoso na tomada de decisão também é essencial para que ele perceba que ainda possui um papel relevante no contexto familiar.

Outra questão é ajudar o idoso a realizar ações em que sente dificuldade. ""Mas é preciso apenas auxiliar, e não fazer por ele. Isso gera confiança e mantém a liberdade ao idoso. Nessa fase, as palavras-chave são compartilhar, auxiliar e estimular.""