Equilíbrio por toda a vida | Revista Fleury Ed. 17

Para ter uma vida saudável, é importante viver em um ambiente sustentável. É nisso que o Fleury acredita


Em um momento crucial da evolução humana, há cerca de 2 milhões de anos, o homem mudou o seu centro de gravidade e conquistou um novo modo de viver. A cabeça se firmou na parte superior da coluna, o tronco se equilibrou sobre os membros inferiores e o corpo passou a ter como base o espaço delineado pela planta dos pés. Os olhos se voltaram para a frente, e o homem caminhou ereto sobre as duas pernas. Este foi um passo fundamental para nos tornar o que somos hoje. Com esse novo equilíbrio, o homem pôde olhar para o horizonte, ver um novo mundo de possibilidades. Com as mãos livres, começou a manusear mais e mais objetos, a carregar alimentos. Entender a beleza desse movimento passa pela explicação da adaptação pela qual passou a coluna vertebral humana. Ela ganhou um contorno sinuoso, com curvas em forma de S. Ganhou uma flexibilidade que, com o desenvolvimento da musculatura, permitiu que os homens tivessem força e equilíbrio para ficar em pé, andar e correr. Dos primeiros passos, passando pelo estirão de crescimento da adolescência até as mudanças estruturais decorrentes do envelhecimento, a coluna é a sustentação do nosso corpo. No entanto, toda mobilidade do ser humano tem como contrapartida algumas vulnerabilidades, acentuadas pelo cotidiano da maioria das pessoas no mundo moderno. Praticar pouco exercício físico, carregar bolsas e mochilas pesadas e permanecer muito tempo na mesma posição, por exemplo, faz muito mal à coluna. Por isso, as dores nessa parte do corpo estão entre as principais queixas nos consultórios de ortopedia e nos centros de dores crônicas, sendo também um dos principais motivos de licenças do trabalho. Estimativas médicas afirmam que 80% da população tem ou terá problemas na coluna em algum momento da vida. Pesquisa do Ibope, em nove capitais do país, mostrou que a dor nas costas é descrita como a mais forte e a que mais incomoda. É como se soasse um alarme de que algo não vai bem no organismo e que mudanças devem ser adotadas para que o corpo volte ao seu equilíbrio natural.

Uma mudança de postura
É aí que entra em ação o benefício das mudanças de postura e de comportamento. Deixar o sedentarismo de lado e se exercitar é uma atitude que beneficia a postura em todos os aspectos da vida. Por isso, atividade física é fundamental. Exercitando-se rotineiramente, os músculos que dão sustentação à coluna tornam-se mais ativos, proporcionando uma postura mais adequada. Além disso, o conhecimento médico sobre a coluna disponível atualmente permite não só tratar os problemas, como também prevenir o surgimento de dores. Boa parte da origem delas está relacionada à falta de movimento, o que altera toda a dinâmica natural do aparelho osteomuscular, explica Pablius Staduto Braga Silva, médico do esporte do Fleury. “É porque não nos movimentamos que a coluna nos incomoda tão frequentemente. E aí, todo mundo só lembra dela quando dói”, acrescenta.

Por isso, enfatiza o médico, é tão importante o movimento, seja ele qual for. Levantar-se depois de ficar muito tempo sentado, fazer pequenas caminhadas, alongar todo o corpo. A probabilidade de ter dor é maior quanto mais tempo os músculos ficarem imóveis e contraídos. “Quando estamos sentados, temos a carga do corpo como uma seta voltada para a base da coluna. Se a pessoa fica muito tempo sentada, essa carga fica cada vez maior, e os músculos reagem ao peso se contraindo, pois, se não for assim, haverá a tendência de cair da cadeira”, afirma o médico. Por isso, é muito importante ter cadeiras com bom apoio para as costas – para dividir esse peso –, e o recado é ainda mais importante para quem trabalha o dia todo sentado, como os funcionários de escritórios (leia mais sobre o assunto nas págs. 40 e 41).

Entretanto se engana quem pensa que é só na maneira como se senta que está a origem das dores na coluna. Ficar em pé muito tempo, na mesma posição, também estressa o aparelho osteomuscular – o ideal, em uma fila de banco, por exemplo, é ter um pouco de movimento, alternando as posições e o apoio do peso do corpo. Outro alerta está nos sapatos, principalmente para as mulheres: saltos muito altos podem ser bonitos, mas, com o tempo, encurtam a musculatura posterior das pernas. Para compensar, os exercícios de alongamento desses músculos é a melhor dica.

Portanto, entre as boas medidas a serem adotadas por todos, desde a infância até a maturidade, estão as atividades físicas rotineiras, como caminhadas no parque, andar de bicicleta, nadar, correr. Elas fortalecem os músculos e favorecem a postura. Um corpo bem exercitado é um corpo mais forte e mais ereto e, consequentemente, com menos dor.
Investigue a dor

As lombalgias podem ser causadas por problemas específicos de coluna, como as herniações e os desgates nos discos que ficam entre as vértebras. Com o passar do tempo, esses discos podem se desgastar e, com esforços ou traumas, seu núcleo pode se romper, pressionando os nervos – por isso as fortes dores. “As hérnias de disco podem ser traumáticas, como quando a pessoa abaixa para pegar um peso e trava, e podem ser não traumáticas, como uma hérnia que apareceu ao longo dos anos e foi comprimindo os nervos aos poucos”, explica Antônio Rocha, neurorradiologista do Fleury.

Ele afirma que, na maioria das vezes, as dores que persistem por mais de duas semanas precisam, além de avaliação médica, de uma investigação mais ampla, por exemplo, utilizando a tomografia ou a ressonância magnética da região. “Se for um problema muscular, nesse período a dor pode passar com o uso de relaxantes musculares e analgésicos. Se persistir, ou se irradiar para a perna, acompanhada de fraqueza muscular localizada, pode ser uma hérnia ou até mesmo algo mais grave, e é preciso investigar”, explica. E, na maioria dos casos, o tratamento é feito com mudanças posturais ou medicamentos via oral. A cirurgia é o último recurso. “Geralmente, os tratamentos são baseados em mudança de hábitos, medicamentos, fisioterapia, hidroterapia, RPG, acupuntura e atividade física”, explica o anestesiologista Flávio Takaoka. Com essa abordagem, segundo ele, muitos casos de dores na coluna melhoram em até dois meses. Mesmo nas dores crônicas, ou seja, que persistem por mais de três meses, o tratamento sem cirurgia também tem sucesso em quase todos os casos. “Noventa por cento dos problemas de coluna são resolvidos sem cirurgia”, ratifica o especialista em Cirurgia da Coluna Vertebral pela Faculdade de Medicina do ABC e membro da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e da Sociedade Brasileira de Coluna (SBC), Rodrigo Junqueira Nicolau.
Com isso, atualmente, apenas cerca de 10% dos casos de hérnia de disco e outros problemas de coluna requerem operação. E, quando elas acontecem, podem ser cirurgias minimamente invasivas. “As novas técnicas cirúrgicas permitem uma recuperação mais rápida com menor tempo de internação hospitalar”, afirma o ortopedista e traumatologista Douglas Kenji Narazaki. Em uma cirurgia endoscópica da coluna com auxílio de vídeo, geralmente, a pessoa está recuperada em três a quatro semanas.
Não se automedique
No entanto, não é pelo fato de boa parte do tratamento ser clínico que quem tem dores nas costas deve começar a tomar analgésicos e relaxantes musculares por conta própria: a automedicação deve ser sempre evitada. Isso porque a dor pode ser provocada por outros problemas, como cálculo renal – só para citar um exemplo –, e apenas o médico saberá identificar o verdadeiro vilão envolvido com o caso. Ou seja, algumas vezes, a dor na coluna é apenas o sintoma de outro problema de saúde, como um reflexo, que precisa ser diagnosticado e tratado corretamente. “Com a automedicação, a pessoa atrasa o tratamento específico dessas doenças, o que pode deixá-la cada vez mais doente. “Em vez de melhorar, ela piora”, enfatiza Narazaki. A principal recomendação para pessoas com dores crônicas da coluna é procurar o médico especialista e iniciar o mais cedo possível o tratamento indicado por ele. Afinal, as transformações na coluna, que advêm com o tempo, são um processo natural da condição humana, mas não há por que conviver com a dor e se conformar com as limitações impostas por ela.