Estômago: o órgão do juízo? | Revista Fleury Ed. 22

Nina Horta é cozinheira e escritora
De vez em quando, esqueço que o que como tem muito a ver com minha saúde. O principal motivo é a deformação profissional. Em um bufê ou nas festas, você se preocupa com o que é gostoso e não com o que faz bem. Mas tem que ser assim. A comida é mais prazer do que nutrição em alguns momentos da vida.

Era para eu saber de coisa tão básica, começando na infância. Chamam de caipira a pessoa do interior, ainda mais quando ela vem para a cidade grande. Agora, caipira mesmo, é quem vai da cidade para a roça.

Eu, menina deslumbrada com os bois, o rio, as cachoeiras, fui chamada pelos meus primos para um concurso. Me puseram em frente a um pezinho de pimenta de passarinho, miúda, vermelha, brilhante, e me ditaram as regras.

Eu seria a primeira e deveria engolir as pimentas inteiras, e quem engolisse mais ganhava um prêmio. Fui com tudo. E eles próprios se assustaram quando viram que eu estava disposta a ganhar, desse o que viesse. Foram avisar os adultos que a sem-noção iria comer a pimenteira inteira.

Corri para o colo de minha mãe, que me ajudou a atravessar a queimação, as dores fortes, ao mesmo tempo em que me deu aulas sobre o que se deve ou se pode comer. E quem é que não se lembra de homéricas indigestões, de coisas que comemos tanto por gostarmos delas e que passada uma vida inteira não agüentamos nem ver?

Até no nosso linguajar comum o estômago mostra a que vem. – “Não tenho estômago para agüentar esta pessoa!”
O estômago tem também que digerir emoções, relacionamentos, raivas e amores.

E adora ser bem tratado. Gourmet finíssimo, não quer que as especiarias sobreponham-se ao gosto fresco do ingrediente. Acostumado com a cozinha nova, detesta pratos de estivador. É um bom garfo, respeita horas, quantidades, qualidade. O estômago, meus amigos, tem juízo.