Pessoas que lidam com trabalho criativo e tendências contam como se relacionam com o tempo e falam sobre a busca de ser contemporâneo ou atemporal e de estar conectado ao novo
Pessoas que lidam com trabalho criativo e tendências contam como se relacionam com o tempo e falam sobre a busca de ser contemporâneo ou atemporal e de estar conectado ao novo.
Gringo Cardia
Designer, artista gráfico, cenógrafo, arquiteto, diretor artístico de vídeos, teatro,
Ópera, moda e criador de shows. Entre centenas de trabalhos, ele assina a cenografia e direção artística com deborah colker para ovo, o show internacional do cirque du soleil que se encontra em turnê mundial agendada por 15 anos.
“Lido constantemente com o tempo em todos os meus trabalhos. Quando uma criação é muito ligada a um agora, a um modismo, fica sempre muito datada. Quando a gente trabalha com uma coisa mais artística e se aprofunda na essência de um pensamento, essa criação não tem tempo, porque há questões que vão ser sempre as mesmas. Por exemplo: fiz um trabalho, para o grupo paralamas do sucesso, todo em cima da obra do arthur bispo do rosário. Ele tem um estilo incrível, de ressignificação do mundo. E, em qualquer época que você olhar, tem a história dele ali, contada de uma maneira visualmente filosófica, de uma maneira que fica muito difícil dizer que aquilo pode ficar temporal, porque parte de uma essência.
Fazendo uma retrospectiva do meu trabalho, vejo que o que segura uma obra no tempo é ter uma personalidade muito autêntica. Quando a personalidade segue uma linha que todo mundo está seguindo, se perde. Quem foge dos padrões e cria uma personalidade única deixa sua arte para sempre. Nesse sentido, é uma questão de inovar. O bispo, há 60 anos, inovou. Por mais que tentem copiar, ele é original. Se tem uma emoção, uma autenticidade, fica. Mas tem o outro lado. É uma coisa da natureza humana querer sempre uma novidade, querer fazer diferente, destruir o passado e refazer o futuro. Ainda assim, a gente recria o tempo todo – nossas referências são coisas que já vimos e que contamos de outra maneira. Ninguém cria do zero. No meu trabalho, eu empresto meu olho para olhar pelos outros. Tudo já existe, mas a maneira de olhar e trazer isso para a cena, para o papel, é o olhar que a gente dá. Eu vejo o artista contemporâneo como um editor que mistura coisas e linguagens.
Acredito que a arte tem o poder de fazer as pessoas refletirem sobre as formas e as coisas. Hoje, não nos damos tempo para contemplar. E o tempo de olhar algo, de descobrir coisas que não estavam lá quando se olhou rápido, é um tempo precioso. Está tudo muito rápido hoje. As coisas escritas precisam ter duas linhas senão perde-se a atenção, é uma loucura. A arte tem de contestar esse ritmo e trazer esse outro tempo de olhar.”
Isabella Prata
Empreendedora cultural e pesquisadora, fundadora e diretora da escola são paulo, instituição dedicada à formação para os setores da economia criativa. Nos últimos anos, isabella tem se dedicado a estudar a indústria da moda.
“Moda sempre foi uma expressão de comportamento, de acordo com questões econômicas, sociais, climáticas. Nas décadas recentes, ela passou por uma deturpação. Vimos grandes grupos interessados na aceleração da economia, no incentivo de consumo, se apropriarem da moda, aumentando o impacto no meio ambiente e social – desde a exploração de mão de obra para ter um produto mais barato para competir até o impacto no meio ambiente quando não se considera a devida produção de algodão, por exemplo, ou mesmo de transporte. Esse modelo que aposta no desejo de crescer aceleradamente não está mais dando certo. Os próprios criativos ficaram reféns desse modelo, uma vez que o ritmo da elaboração do processo criativo não é industrializado. O criativo precisa estar no seu tempo particular, ele tem de estudar, analisar, pesquisar.
A moda, que já foi algo que durava 4 mil anos, depois mil anos, 500 anos, 50 anos, hoje tem de ser desenvolvida todos os dias. Já tivemos duas estações no ano, depois quatro por ano, e agora todos os dias uma loja tem de trocar a roupa da arara. Isso é muito violento. Estamos em um momento importantíssimo para parar e pensar. A moda é um exemplo muito claro de que incentivo ao consumo e aceleração da economia não são modelos de se fazer negócio. Nós já ultrapassamos os limites. É hora de parar esse modelo, pensar sobre por qual substituir e como nós vamos viver com os impactos que a gente já provocou. É hora de olhar para a moda e redesenhá-la, ressignificá-la.
Basicamente, roupa é uma necessidade. Mas também não é preciso ficar usando roupa velha, rasgada, nada disso. Toda a inteligência que existe nesse setor deveria estar usando essa expertise para inventar, desenvolver produtos e desejos que vão chegar nas pessoas que querem comprar duas bolsas por mês e passar uma mensagem mais rica e significativa. Muitas pessoas já consomem esses valores. Você pode ficar fiel a uma marca não por comprar todo dia porque tem roupa nova na arara, mas por comprar regularmente ao se identificar com o posicionamento político econômico e social dela.
Não é tempo da gente falar de uma tendência estética: é hora de falar de uma tendência ética. Existem estudos que comprovam que o bem-estar do indivíduo é maior em sociedades onde existe menor desigualdade social e econômica – não só para o mais pobre, mas também para o mais rico. Então, não é hora de ficar inventando mais moda, mais um tamanho de ombro, mais nada que não seja algo que equilibre o mercado da moda. Pelas análises que eu tenho feito em países socialmente mais equilibrados, o que mais faz sentido é a roupa que mostra menor desigualdade. Você anda numa cidade da dinamarca ou da suécia e não consegue perceber desigualdade nem olhando a roupa, nem o carro, nem o comportamento das pessoas. Não faz sentido para uma pessoa que tem mais dinheiro demonstrar ou ostentar aquilo que tem, e muito menos desejar aquilo de que não precisa. Eu acredito que a tendência seja esta: vestir-se de acordo com a sua preferência de cor, de modelo, e que o impacto no seu redor seja mais importante do que a aparência que você vai ter usando aquela roupa. É uma delícia, e é bastante harmonioso você andar na rua e ver pessoas em vez de estilos.”
Deto Montenegro
Ator e diretor da oficina dos menestréis, desenvolve e adapta peças para pessoas com diversos tipos de deficiência, jovens carentes e idosos, dentro do projeto oficinas.
“O meu tempo de criação é organizado em oito meses, em dois módulos que acontecem uma vez por semana. São quatro meses de treinamento e preparação de elenco, quando formo o grupo que vai montar a obra, procurando dar uma identidade a ele, um perfil, um discurso, uma maneira de ir ao palco. Depois, é o tempo de criação da obra em si.
É um trabalho de criação desafiador, porque muitas vezes não vamos só montar uma nova obra, mas remontar e adaptar ao grupo. A relação do cadeirante com o tempo e espaço no palco, por exemplo, é muito diferente da de quem é andante. Se eu preciso fazer uma cena em que você vai sair em oito tempos do palco, o cadeirante vai precisar sair em 16 tempos, porque ele tem que soltar a cadeira, virar e sair. Também trabalho com pessoas com deficiência visual no mesmo grupo. Eu parto do princípio de que os cadeirantes são os olhos e as pessoas com deficiência visual são as pernas. Juntos, eles formam o grupo no palco. Mas as pessoas com deficiência visual precisam de um tempo maior para se adaptar à coreografia, porque a memória muscular deles é um pouco diferente da do cadeirante que, apesar de não ter os movimentos da perna, mantém a memória muscular. Na turma da maturidade, se eu passar a mesma coreografia, vou levar o dobro de tempo que em uma turma regular. Mas se eu adapto, consigo fazer as duas no mesmo tempo. Tem uma frase muito bacana na área que diz que dirigir é priorizar. Dirigir é priorizar o seu tempo. Se você gasta tempo com uma coisa que poderia ser mais rápida adaptando, não está havendo prioridade no seu planejamento. Dirigir é pura gestão de tempo. Se tem essa visão e sensibilidade, você para de dar murro em ponta de faca e faz o seu tempo render. Então eu aprendo o tempo todo, porque trabalho com muita diversidade.
Como trabalho muito com musicais, minha peça não se desatualiza. A música é eterna, atemporal. É como o rock and roll. No documentário do martin scorsese sobre os rolling stones, shine a light, perguntam ao mick jagger, com vinte e poucos anos, se ele acha que o rock and roll ultrapassa o tempo. Ele responde: “fácil”. Corta, e aparece ele com 62 anos na praia de copacabana cantando para 1,5 milhão de pessoas. Quando a obra é boa, ela não tem tempo, não. Quando você cria para caber em uma forma, em um modelo, aí fica datado. Mas quando você faz a sua obra com outro sentido, ela ultrapassa o tempo.”
“Hoje, não nos damos tempo para contemplar. E o tempo de olhar algo, de descobrir coisas que não estavam lá quando se olhou rápido, é um tempo precioso. Está tudo muito rápido hoje. A arte tem de contestar esse ritmo e trazer esse outro tempo de olhar.”
“Não é tempo da gente falar de uma tendência estética: é hora de falar de uma tendência ética. Não é hora de ficar inventando mais moda, mais um tamanho de ombro, mais nada que não seja algo que equilibre o mercado da moda. É hora de olhar para a moda e redesenhá-la, ressignificá-la.”
Isabella Prata
“A relação do cadeirante com o tempo e espaço no palco, por exemplo, é muito diferente da de quem é andante. Se eu preciso fazer uma cena em que você vai sair em oito tempos do palco, o cadeirante vai precisar sair em 16 tempos, porque ele tem que soltar a cadeira, virar e sair.”
Deto Montenegro
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