Participação nota 10 | Revista Fleury Ed. 35

Nada de passar horas sentado na carteira ouvindo o professor. Hoje, nas escolas, os alunos discutem melhorias, propõem ações e até ensinam os mais novos

Nada de passar horas sentado na carteira ouvindo o professor. Hoje, nas escolas, os alunos discutem melhorias, propõem ações e até ensinam os mais novos

Ilustração: Sergio S. Amatucci

Equilíbrio de metodologias

Reitor emérito do Colégio de São Bento, uma das escolas mais tradicionais do Rio de Janeiro e conhecida pelo rigor nos estudos, Dom Lourenço de Almeida Prado repetia que o “São Bento era um colégio em busca de si mesmo”. Por trás da fala, o monge beneditino dava a entender que o foco do colégio era o aprendizado dos alunos e que qualquer coisa que contribuísse nesse sentido, mesmo concepções e metodologias educativas diferentes das ali aplicadas, seria bem-vinda. Dom Lourenço parecia antecipar um movimento cada vez mais comum nas escolas brasileiras: a busca por um equilíbrio entre as diferentes metodologias educacionais. A tendência fica clara a partir do momento em que vemos colégios católicos tradicionais – como o próprio São Bento – adotar conceitos mais próximos de uma linha construtivista, e até mesmo da pedagogia de Waldorf, em sala de aula.

Especialista em psicopedagogia e doutoranda em Tecnologias Educacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Tatiana Pita diz que essa mudança é um caminho sem volta. “A era digital trouxe novos conceitos para dentro da sala de aula. Não existe mais uma educação em que o professor é o depositário da informação”, diz a pedagoga, acrescentando que, ao mesmo tempo, o aluno também deixou para trás seu exclusivo papel de receptor. “Os estudantes ganharam um empoderamento que não tinham no passado”, completa. Para Tatiana, encontramos hoje nas escolas um jovem formativo, em vez de um meramente informativo. “Há um choque de geração na educação, opondo, em cada lado, jovens nativos digitais e docentes ‘analógicos’. Os estudantes agora precisam fazer parte da construção do aprendizado”, afirma. “Se o aluno quiser saber o que é relevo, ele pesquisa no Google. Da escola, ele quer conhecimento a partir de pesquisa e experimentação”, acrescenta.

No São Bento, a colaboração e a participação entraram no “currículo escolar”. “Nossa tradição está muito mais pautada nos princípios e valores que pregamos do que na metodologia em si”, pontua a supervisora pedagógica Maria Elisa Pedrosa. “Somos abertos às inovações na educação. Os professores têm liberdade para definir como conduzirão o aprendizado em classe”, ressalta. Nas aulas da disciplina de Cultura Clássica, por exemplo, Maria Elisa conta que estudantes do nono ano do nível fundamental se dividem em grupos para montar e encenar esquetes dos grandes clássicos gregos, algo inimaginável uma década atrás. “Há alguns anos eles se apresentavam no auditório, mas, como há meninos tímidos, nos pediram para encaminhar vídeos para o professor. Ficou até mais prático.”


“Nosso projeto está embasado na coletividade. Os alunos são instigados a descobrir como se relacionar com o outro e a desenvolver valores como um grupo. Eles entendem que não se faz nada sozinho.”
Edilene Morikawa, coordenadora
pedagógica do Projeto Âncora


Colaboração

De fato, para quem se acostumou ao modelo tradicional de educação, pensar em jovens assumindo o protagonismo e palpitando sobre a gestão da sala de aula ainda pode causar estranheza. Em algumas escolas, porém, a participação ativa dos alunos no planejamento do próprio ensino já é uma realidade. Algumas instituições estão criando iniciativas para se transformar em ambientes muito mais colaborativos. “Uma educação passiva não forma pessoas que transformam o mundo. Quando os alunos se veem fazendo parte da escola, tudo passa a fazer mais sentido e eles se comprometem naturalmente”, reflete a pedagoga Claudia Xavier, diretora do Colégio Rio Branco, de São Paulo.

No Rio Branco, o diálogo com os alunos começa na educação infantil, com rodas de conversa focadas na educação do sentimento. No nível fundamental, os estudantes participam de assembleias de classe para discutir também a melhor maneira de organizar a sala. A partir do sexto ano, o Grupo Reaja se reúne quinzenalmente para criar ações que envolvam toda a comunidade do colégio para transformar a rotina da escola – neste ano, eles estão focados em atividades sustentáveis, como reciclagem de lixo. Por fim, os mais velhos podem fazer, a partir do nono ano, um curso de liderança para se tornarem monitores dos mais novos – sob supervisão de professores.

A colaboração dos alunos também é fundamental em todas as decisões da Escola Projeto Âncora, uma ONG que, em 20 anos, já beneficiou mais de 6 mil crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social na região de Cotia (SP). A iniciativa é inspirada no modelo da Escola da Ponte, de Portugal, onde os jovens definem as regras e o que querem estudar ou pesquisar – seu fundador, José Pacheco, é conselheiro do Projeto Âncora.

Na “filial” paulista, as decisões também não partem dos educadores, e sim da conversa com as crianças. Em conjunto, eles discutem atividades cotidianas, como a definição do melhor dia para a aula de música ou para fazer um passeio, e também traçam um roteiro de estudos de acordo com os interesses de cada aluno, mas sem fugir dos parâmetros curriculares – a escola vai até o nível fundamental 2. Com essas práticas, o Projeto Âncora quer estimular o senso de responsabilidade coletiva, e não o pensamento individualista. “Nosso projeto está embasado na coletividade. Os alunos são instigados a descobrir como se relacionar com o outro e a desenvolver valores como um grupo. Eles entendem que não se faz nada sozinho”, define Edilene Morikawa, coordenadora pedagógica da escola.

Há exemplos similares também na educação pública. Quem visita a Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Amorim Lima, na zona oeste de São Paulo, precisa deixar de lado a visão tradicional de ensino. No colégio, que também segue o conceito de José Pacheco, cada aluno aprende no seu ritmo e compartilha as experiências com o grupo, tudo supervisionado por um professor-tutor. As salas não têm carteiras organizadas em fileiras e, aparentemente, reina um clima de liberdade e participação. Detalhe: não há provas.

Para a pedagoga Tatiana Pita, as escolas que seguem o modelo de José Pacheco são exemplos bem-acabados da concepção construtivista. “São colégios em que os alunos são estimulados a estabelecer relações humanas, a trabalhar em equipe, a argumentar em uma discussão e encontrar respostas ao encarar um problema”, afirma a especialista, que faz uma observação. “Não considero adequado tratar a linha construtivista como uma metodologia. Não há um método implícito no aprendizado. Acho mais coerente falar em um conceito, que visa a integrar mais os alunos nas decisões das escolas”, completa.

Para ela, apenas a pedagogia Waldorf pode ser mesmo considerada uma metodologia. Nela, todo o processo ensino-aprendizagem ocorre em etapas de sete anos, chamados setênios, em que são trabalhados conceitos e aspectos que visam a toda formação do ser humano. “Nossa maior preocupação é a formação integral do indivíduo. Em cada setênio, buscamos desenvolver os jovens dando possibilidades para que seu pensar, sentir e agir amadureçam de forma equilibrada e completa”, explica a coordenadora do Instituto de Desenvolvimento Waldorf, Paula Levy.

Na sala de aula isso se traduz, entre outras atividades, em aulas de jardinagem e de pintura para crianças do primeiro setênio (de zero a sete anos) e em livros de estudos com ilustrações e conteúdo das disciplinas produzidas pelos próprios alunos ao longo do segundo setênio (de sete a 14 anos). “Não abrimos mão do conteúdo. O aluno não sai daqui sem aprender as disciplinas mais importantes. O objetivo, em cada setênio, é desenvolver diferentes aspectos, formando indivíduos com uma visão crítica do mundo e capazes de formar juízos e conceitos sobre todas as coisas”, afirma Paula.

Ao mesmo tempo que as escolas brasileiras caminham para um aprendizado mais participativo e colaborativo, desenvolvendo aspectos que vão além do conteúdo puro e simples como no passado, a avaliação dos alunos continua a mesma. “é nas provas e no vestibular que tudo se define”, brinca Tatiana Pita. “trata-se de uma grande contradição da educação brasileira: os alunos são cada vez mais submetidos a um ensino com ênfase qualitativa, mas a avaliação persiste em ser totalmente quantitativa. Nossa educação continua focada em provas e testes, e isso precisa mudar”, resume.

A escola mais verde

Na ilha de Bali, na Indonésia, uma estrutura toda feita de bambus abriga a Green School, eleita a escola mais verde do mundo em 2012. Em um ambiente inspirador, com salas de aula sem paredes, integradas à natureza, alunos do jardim de infância ao Ensino Médio aprendem sustentabilidade junto com o currículo tradicional, assim como o ensino de artes e habilidades manuais, tudo de maneira lúdica e holística. O objetivo é formar alunos criativos, inovadores, que sejam a nova geração de líderes verdes globais. Como declaram os fundadores na página da escola na Internet, “estamos construindo a Green School para criar um novo paradigma para o aprendizado. Queremos que as crianças desenvolvam consciência espiritual e intuição emocional, e incentivá-las a respeitar e admirar as possibilidades da vida”.