Sabor na dose certa | Revista Fleury Ed. 17

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Aos 28 anos, a chef Morena Leite ainda guarda com carinho um ensinamento transmitido na infância pelos pais: a culinária é uma farmácia natural para o corpo. Com esse conceito em mente, ela viajou parte do mundo para aprimorá-lo – passou, por exemplo, pela Inglaterra e formou-se chef na renomada escola gastronômica Le Cordon Bleu, na França. Apesar de tantos giros, voltou-se para o mesmo lugar, ou melhor, para a mesma ideia: a comida pode ser uma fonte de equilíbrio, desde que para isso haja estudo de ingredientes, técnica de preparação e um coração comprometido com a cozinha. E é esse equilíbrio que ela põe em prática à frente do restaurante Capim Santo, em São Paulo, em que se harmonizam receitas tradicionais brasileiras e pratos internacionais contemporâneos. A harmonia à mesa, prega a chef, é fundamental para o indivíduo e pode ser tão renovadora que permite até lampejos de extravagância – as famosas pitadinhas de sal e pimenta.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Fleury Saúde em Dia: Como o equilíbrio se relaciona com a gastronomia?
Morena Leite: Eu cresci em um ambiente familiar em que meus pais acreditavam que a cozinha era uma farmácia natural. Eles haviam se mudado, no final dos anos 1970, de São Paulo para Trancoso, na Bahia, em busca de equilíbrio de vida, e um dos maiores pilares dessa vida mais saudável era a alimentação. Eles tinham uma pequena plantação em nosso terreno, com batata-doce, aipim, abóbora, milho, entre outros. Então, comíamos muito legumes, grãos e peixe fresco. Assim, a alimentação sempre foi, nas nossas vidas, uma coisa muito importante. Hoje, costumo falar que a minha cozinha se divide em três partes importantes: a alimentação saudável, a técnica francesa e os ingredientes brasileiros.?

Fleury: A culinária brasileira é equilibrada?
ML.: É difícil falar de uma cozinha brasileira pura. Nós somos um país de miscigenação, de mistura. Absorvemos muito de outras culturas. No primeiro momento, houve a influência da culinária indígena, muito forte no Norte do país; da portuguesa, muito presente no Rio de Janeiro; e da africana, na Bahia. Depois, vieram árabes, italianos e japoneses, especialmente em São Paulo.

Fleury: Quais são os exemplos dessa miscigenação em nosso cardápio hoje?
M.L.: Exemplo da mistura de cozinhas no nosso país é o tartar de atum com pérola de tapioca. O tartar tem origem oriental, e com as pérolas de tapioca demos uma “abrasileirada” no prato. Outro exemplo é o petit gateau de goiaba com sorvete de queijo, um romeu e julieta superbrasileiro com um toque contemporâneo francês, com a consistência e o contraste do quente-frio.

Fleury: É possível comer pratos brasileiros de maneira equilibrada?
M.L.: Sim. Podemos ter uma cozinha equilibrada no momento em que montamos nosso cardápio. Pode-se comer praticamente de tudo, sempre com equilíbrio e moderação nas porções – lembro que no dia a dia, em geral, as pessoas comem muito mais do que precisam. Vários especialistas falam que algumas de nossas misturas típicas são bem nutritivas, como é o caso do arroz com feijão. Ou seja, comemos coisas que são muito boas. Tudo depende da quantidade que você come. O importante é ter uma alimentação bem variada.

Fleury: Qual o papel dos ingredientes, temperos e até da apresentação dos pratos no equilíbrio à mesa?
M.L.: Na culinária, nunca mexemos apenas com o paladar das pessoas. Quando vamos comer, todos os sentidos estão envolvidos. Eu sempre penso nas cores. Por exemplo, se sirvo a entrada de uma cor, faço o prato principal de outra, e a sobremesa de uma terceira. Além disso, há o fato de nos sentarmos ao lado de outras pessoas à mesa, o que nos remete à união. O momento da refeição é o momento de dividir, de compartilhar nossas experiências com outros. Toda essa composição é importante. Comer é um ritual.

Fleury: Que poder é esse que a comida tem de reunir as pessoas?
M.L.: No passado, quando o homem não havia sequer inventado a escrita, a maneira que as pessoas tinham de contar suas histórias era por meio da comida. No candomblé, você come determinada comida para saudar um orixá. Na religião judaica e no budismo, também. Então, podemos mergulhar em cada uma dessas culturas experimentando suas comidas. Eu costumo falar que os restaurantes são como templos. Você escuta a música local, o garçom tem um ritual próprio, a louça usada conta uma história, assim como os ingredientes. Então, comer é uma grande viagem cultural.

Fleury: Aos 15 anos, você foi estudar na Inglaterra. O que é possível aprender sobre outros povos pela comida deles?
M.L.: Eu fui morar em uma escola interna e vivi com uma cambojana, uma russa e uma turca. A turca era muçulmana, a cambojana era budista e havia também uma judia, que não misturava carne com leite. Com aquela experiência, aprendi, por exemplo, que a cozinha kasher tem as suas restrições. Eu nunca esqueci aquilo. Por meio da cozinha, conheci novos mundos e culturas.

Fleury: Em seu livro Brasil: ritmos e receitas você fala da ligação entre pratos e música. Por que ela é tão forte?
M.L.: Acho que a música induz você a alguns estados de espírito, ou amplifica uma condição que você já apresentava. Se você está triste, pode mergulhar na melancolia por meio da música; se está feliz, pode ficar eufórico. Desde pequena, eu sempre gostei de cozinhar cantando e ouvindo música. Um dia, fiz uma pesquisa e encontrei muitas músicas que falam de comida – reuni mais de 200 canções. O objetivo do livro é oferecer às pessoas músicas que elas possam ouvir enquanto preparam as refeições.

Fleury: Falamos de equilíbrio o tempo todo. Mas, talvez, em alguns momentos, o paladar precise de uma pimentinha. Como dosar isso?
M.L.: O equilíbrio é uma das coisas mais importantes. Não importa o quanto você trabalha ou o quanto cozinha. Se está em equilíbrio, está em harmonia.

Fleury: Mas como o chef de cozinha lida com essa dualidade entre equilíbrio e exagero?
M.L.: O chef de cozinha tem de tomar o mesmo cuidado que o estilista. Queremos ser mais ousados, mas as pessoas, no dia a dia, querem uma calça jeans e uma camiseta branca. Com a culinária ocorre o mesmo: no dia a dia, queremos uma comidinha simples e gostosa. E aquela coisa extravagante fica para ocasiões bem esporádicas.