Todos os sonhos
“Escritor, jornalista, ex-Fellini [a banda] e desenhista, como Fellini foi.” A apresentação de Cadão Volpato em seu site dá a medida da variedade de profissões pelas quais ele transita. Nessa lista, ainda falta acrescentar o papel de garoto-propaganda e também o de apresentador de televisão. Isso sem falar nos escritos pessoais de poesia e uma curta ligação com um grupo de teatro, no tempo da faculdade. “Eu era um garoto de subúrbio, guiado pelo meu instinto.”
Foi esse instinto que sempre o conduziu por tantas áreas. “Acho que isso que deu uma certa graça para o que eu fazia. Não ter medo de errar. Eu errei muito. E acho que esses erros também viraram uma fortuna, de alguma forma, com o passar do tempo”, reflete
Desenhista desde sempre
O desenho foi o que aconteceu primeiro na vida do paulistaníssimo Cadão – ele é nascido, criado e formado na cidade de São Paulo. “Nas recordações mais antigas que tenho da infância, eu desenhava”, lembra. Fissurado por Walt Disney, esperava ansiosamente todo domingo pelo programa de TV em que o próprio animador apresentava os desenhos. “Eu achava ele um mito”, diz. E começou imitando seus personagens. “Dos 5 até uns 9 anos, eu tinha na cabeça que queria ser desenhista”, conta. De certa forma, o desenho sempre entrou de uma maneira ou de outra nas coisas que Cadão fez. Quando foi estudante e militante trotskista, nos anos 1970, Cadão desenhou o símbolo da campanha de seu grupo, a Liberdade e Luta (Libelu). O enorme gato azul estampou cartazes pelas paredes da USP, acompanhado do slogan “Nem todos os gatos são pardos”. Mais tarde, Cadão ilustrou livros, reportagens, capas de discos – seus e de outros artistas. O ilustrador francês Jean-Jacques Sempé, que desenha o Le Petit Nicola, se não foi uma referência na infância, certamente é hoje. Cadão já finalizou, também, os desenhos que vão para a exposição “Deslocamentos”. São cem pequenos quadros. “É um monte de personagens esquisitos saindo pela direita. Todos andando para o mesmo lugar, que você não sabe qual é. E você acompanha isso na sala de exposição, seguindo os quadros”, explica.
Músico independente
A música marcou a juventude de Cadão, e é o que alimenta até hoje seus trabalhos em outras frentes. Aos 15 anos, ganhou um violão e começou a tocar sozinho, embalado pelo som dos Beatles. Mas foi quando entrou na Universidade de São Paulo (USP) que tudo aconteceu. “Nos anos 1970, você não tinha Internet, não tinha informação. E eu sempre estudei em escola pública. A informação, para mim, estava lá dentro, na USP”, lembra. Lá, conheceu o músico Thomas Pappon, que o convidou para montar uma banda chamada Fellini, em 1984. Cadão fazia as letras e os vocais. “Eu nunca tinha cantado. Ele achou que eu podia. E ele sabia que eu gostava de escrever. Aí, me convidou baseado nessa intuição.” A banda, independente, lançou seis discos e marcou a cena musical paulistana da época. Mais tarde, foi influência para o pessoal do manguebeat. “Chico Science gravou uma música minha no último disco dele, Afrociberdelia”, conta. Por fim, Cadão ainda lançou mais um disco solo. “Eu falava que era um banquinho e um guitarrão.”
Confira na versão iPad uma lista de indicações de filmes, discos e livros que, segundo o multifacetado Cadão Volpato, valem a pena.
“As pessoas não querem ser eternas. As pessoas querem ser jovens. Quando é jovem, você se dá ao luxo de errar, acredita, tem curiosidade, é impetuoso, quer descobrir.”
Jornalista e escritor - também!
A vida de músico independente andava junto com a de jornalista. Cadão cursava jornalismo na USP e trabalhava na revista Veja, onde foi revisor, checador e depois repórter de cinema, até 1988. Trabalhou, ainda, na Folha de S. Paulo, nas revistas Set e Época, entre outras publicações. “Não parei mais”. Jornalismo é a sua constante. Mas foi a música que o levou para a televisão, para ser apresentador do programa Metrópolis, na TV Cultura, onde trabalhou de 1991 a 1994, e depois novamente de 2010 a 2012. “A pessoa que me levou para lá tinha me conhecido no Fellini”, explica. Além disso, ele tinha feito um trabalho em vídeo para a escola, que acabou indo parar nas mãos do cineasta Ugo Giorgetti. “Ele viu e me chamou para fazer um teste para um comercial e eu comecei uma carreira. Virei ator de comerciais.”
O mundo das letras já estava lá nas canções do Fellini, estava na carreira de jornalista e é a obsessão atual do Cadão escritor. “Diz a minha astrologia que eu sempre consigo as coisas depois de muito tempo. Se for pensar nisso, a literatura é a coisa que eu mais ambicionava na juventude e, agora, graças ao primeiro romance, estou começando uma carreira nova.” Foi quando ainda estava no Metrópolis, em 1994, que Cadão decidiu investir na literatura, ambição que trazia ainda dos tempos de estudante. Era o começo da literatura brasileira do novo período. Bernardo Carvalho tinha publicado seu primeiro livro alguns anos antes. “Eu tinha trabalhado com ele na Folha. Pensei: ‘Se uma pessoa tão próxima de mim está publicando, acho que está na hora’”. E, assim, Cadão sentou durante vários fins de semana para escrever o que seria seu primeiro de quatro livros de contos. Suas referências eram os contistas que lia então: AntonTchekov, J. D. Salinger, Isaac Bashevis Singer, Machado de Assis. Mais tarde, Raymond Carver. “Acho que tenho muita identidade com ele.” O que Cadão queria era fazer um romance. “Dá para dizer, hoje, que meus livros de contos eram romances meio naufragados”, avalia. Cadão procurava fôlego, descobria a sua voz. Intuitivamente, achava que teria de descobrir seu caminho assim, trombando. “Tenho um pouco de birra de lirismo excessivo. E eu tenho uma tendência a ser lírico e sempre contra-ataco podando isso”, diz.
Em 2011, o escritor Luiz Ruffato passou pelo Metrópolis e perguntou a Cadão se ele não queria escrever um romance. “Topei na hora. Adoro esse tipo de coisa. Um desafio”, conta. A partir daí, estabeleceu-se um prazo de dois meses e meio para finalizar o romance. No caderno onde costuma anotar suas ideias, fez uma lista de capítulos e trabalhou toda manhã, escrevendo quatro páginas por dia. Pessoas que passam pelos sonhos foi recém-lançado pela Cosac Naify, com repercussão que é motivo de satisfação para o autor. “Parece que era uma coisa que já tinha que acontecer, mas eu não achava que ia acontecer de uma forma tão feliz”, conta.
No romance, a música é peça fundamental. Quando recebeu a proposta, Cadão tinha acabado de voltar da Patagônia e achou que o livro podia ter uma viagem no meio. “O livro é, na verdade, sobre um cara distraído, um arquiteto, que viaja pela América do Sul entre 1969 e 1979. Ele faz amizade com um motorista de táxi argentino e, a partir disso, eles se relacionam. Como pano de fundo, tem as duas ditaduras, a brasileira e a argentina.” Assim, o autor se volta para um tema que lhe era caro nos anos 1970, “quando a América do Sul tinha algum significado pra gente”, quando ele lia Julio Cortázar e Bioy Casares. E quando ouvia muito um rock argentino que não sabia de quem era. Pesquisando, descobriu que era uma música do Charly Garcia, que entrou na história. “Uma química juntou todos esses elementos”, explica.
CadãoVolpato e sua família
Romance e música ao mesmo tempo
A musicalidade também é base para sua linguagem. “Tudo o que eu escrevo tem de ter uma característica musical. O ritmo da frase, a forma como um parágrafo começa, a forma como ele se desenvolve. Tudo é uma questão de ritmo”, revela. E também será tema de um de seus próximos dois livros, que já estão programados. Um deles será um infantojuvenil, sobre cavalos. O outro será um livro de ficção sobre a juventude nos anos 1980. “Será sobre um triângulo amoroso baseado na história da banda Cocteau Twins, na perspectiva de um cara de 30 anos que trabalha em revista”, antecipa. “Será uma ficção, mas com aquele clima do underground paulistano entre 1983 e 1984, em que ninguém era mainstream. Eram aventuras, coisas de garotos mesmo. Será sobre a música, a juventude, tudo o que a gente deixa para trás e quer buscar de volta.”
Na versão iPad da Revista Fleury, Cadão Volpato lê um trecho de seu livro Pessoas que passam pelos sonhos
“O meu sal da vida? São meus quatro filhos. Eles têm idades muito diferentes 16, 13, 8 e 3 anos. Eu sou obrigado a me renovar de nascimento em nascimento, de crescimento em crescimento. É uma forma de ter de viver. Mesmo a velhice, para mim, sempre tem de estar um pouco distante, porque eu preciso estar ativo e curioso. Pela ótica deles, o mundo é sempre uma coisa para se descobrir. Se você não tem esse tipo de curiosidade, você envelhece.”
O escritor, jornalista e desenhista CadãoVolpato
Cadão Volpato é jornalista e acaba de publicar seu primeiro romance, Pessoas que passam pelos sonhos*. Ele também é autor de quatro livros de contos e fundou a banda Fellini, que fez parte da cena underground paulistana dos anos 1980. Ainda neste ano, Cadão abre sua primeira exposição de desenhos, Deslocamentos.
*Pessoas que passam pelos sonhos, ed. Cosac Naify, 2013, 320 págs.
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