Uma ode ao conforto | Revista Fleury Ed. 32

A estilista Flavia Aranha prioriza tecidos e corantes naturais em suas criações, que misturam elegância, conforto e preocupação socioambiental.

A estilista Flavia Aranha prioriza tecidos e corantes naturais em suas criações, que misturam elegância, conforto e preocupação socioambiental.

Flavia Aranha
Para criar suas peças minimalistas, Flavia Aranha desenvolve projetos em parceria com comunidades espalhadas por todo o Brasil

ALGODÃO, LINHO, LÃ, SEDA E VISCOSE

São algumas das principais matérias-primas que fazem do trabalho da estilista Flavia Aranha uma reverência ao conforto e à leveza, sem deixar de lado os cortes elegantes e contemporâneos. Na vitrine e nas araras da loja que leva seu nome, na Vila Madalena, em São Paulo, não há espaço para poliéster e outros subprodutos do plástico – e, portanto, do nada vestível petróleo. “Os tecidos naturais deixam a pele respirar e trazem bem-estar”, explica a campineira que, cinco anos atrás, criou a marca que traduz sua maneira de viver e pensar. “Sempre fui mais natural e nunca nem gostei de usar sintético”, afirma.

Dona de um traço atemporal e sofisticado, Flavia prioriza em suas criações as cores que vêm da terra. Para o tingimento, são utilizados pigmentos extraídos de plantas e madeiras, como açafrão, urucum e acácia. O processo confere um colorido peculiar. “Minha cor é viva, nenhuma peça é igual à outra”. Sapatos, bijuterias e outros acessórios seguem a mesma lógica. Para a coleção atual, Flavia desenhou uma bolsa de “tecido da floresta”: aplicação de látex em juta e manta de algodão natural, matéria-prima que foi buscar numa comunidade indígena em Machadinho D’Oeste (RO). Até mesmo os produtos que a designer aplica na lavagem das peças antes de colocá-las à venda são retirados da natureza. O sabão leva argila e cupuaçu e o amaciante é um mix de manteigas vegetais.

“Tecidos naturais deixam a pele e promovem bem-estar. Sempre fui mais natural e nunca gostei de usar sintético”

MADE IN BRAZIL

O Brasil é a grande inspiração da estilista. Para criar vestidos, blusas, saias e calças de design minimalista, Flavia desenvolve cerca de 30 projetos em parceria com comunidades espalhadas pelo País. Parte de seu algodão vem da Coopernatural, cooperativa com sede na Paraíba, que articula produtores rurais para o cultivo de um algodão desenvolvido pela Embrapa. A seda, por sua vez, vem do Paraná. O processo de criação percorre uma via de mão dupla: às vezes um tecido inspira a coleção; outras, Flavia pensa primeiro na peça e depois desenvolve o fio. Há um casaquinho, por exemplo, que se perpetua em todas as coleções e que ela criou especialmente para um algodão orgânico que adquire de um grupo de 40 famílias de agricultores de Pirenópolis (GO). Eles cultivam a planta no quintal de casa, colhem e fiam na roca.  
Roupas de Algodão
Parte do algodão usado em suas criações vem de um grupo de famílias de Goiás que fazem o cultivo orgânico no quintal de casa.


NA CONTRAMÃO

Aos 31 anos, Flavia rema contra a maré. Com exceção de alguns exemplos na alta costura, grandes marcas já não investem no feito à mão e no uso de tecidos naturais. O aumento do preço do algodão e as necessidades de produção em larga escala são alguns dos motivos que levaram as maiores empresas do setor a recorrer à chamada fast fashion. Com sua marca, Flavia defende um retorno ao artesanal e uma moda mais durável e de qualidade. Por seu ineditismo, já foi convidada a participar da Thekey, uma feira alemã de moda e estilo de vida sustentáveis, e chegou a exportar para outros países, como Japão e a própria Alemanha. Ela conta que, em uma das vezes em que esteve na feira de Berlim, notou que um italiano muito bem-arrumado visitava seu stand todos os dias e ficava analisando suas roupas. O senhor era proprietário de uma grande tecelagem que fabricava tecidos finos para marcas como Prada. “Ele não conseguia entender como aquele fio tinha sido feito. Ficou encantadíssimo quando eu disse que foi fiado na roca”, lembra.

Antes de abrir seu ateliê, a estilista chegou a trabalhar na indústria convencional. Formada em Moda pela Faculdade Santa Marcelina, Flavia passou quatro anos na Ellus, marca que possui mais de 50 lojas no Brasil. Ali, teve a oportunidade de observar como funciona toda a cadeia produtiva. “Foi essencial para desenvolver a noção de gestão, muito importante para o que faço hoje. Afinal, mais difícil do que realizar é manter uma ideia”, diz. Durante o período, a designer chegou a ir para Índia e China visitar confecções. Foi quando decidiu que estava na hora de tocar seu próprio negócio e fazer do seu jeito.

A designer está sempre pesquisando e buscando novas parcerias. Atualmente, ela avalia a utilização de couro vegetal, cujo curtimento emprega casca de árvore em vez de cromo, altamente poluente. Para seus sapatos, já utiliza couro de tilápia, criada por pequenas cooperativas que aproveitam todas as partes do peixe e, assim, sustentam suas famílias. “O design pode ser a minha porta de entrada, mas o social sempre pesa. Poder usar a moda para valorizar o trabalho do artesão, isso é bem-bom pra mim”, diz.