Vidas Transformadas | Revista Fleury Ed. 35

Viver é estar em constante transformação. Ao longo de uma vida, nada permanece da mesma maneira.


Viver é estar em constante transformação. Ao longo de uma vida, nada permanece da mesma maneira. Como dizia o filósofo grego Heráclito, nenhuma pessoa entra duas vezes no mesmo rio: em um segundo encontro, nenhum dos dois será o mesmo, uma vez que já terão passado por algumas mudanças. Algumas delas são sutis; outras, tão profundas que mal reconhecemos quem éramos antes. Para muitas pessoas, essa é uma perspectiva assustadora. Para outras, uma condição essencial para seguir em frente e se reinventar quando a vida traz limitações, tristezas e insatisfações. Conheça, a seguir, as histórias de três mulheres que decidiram se transformar radicalmente para reconquistar o bem-estar.

NORA RÓNAI

Era 1992 e Nora Rónai, mulher do premiado escritor e tradutor Paulo Rónai, vivia a fase mais difícil de sua vida. Hoje com 92 anos, ela lembra o ano como um ponto de virada. Paulo estava com um câncer na laringe, havia perdido as forças e a voz, não conseguia se comunicar com a esposa e precisava de ajuda para se locomover — os dois sabiam que ele não iria se recuperar. Cuidar do marido era uma ocupação desgastante, física e emocionalmente. O alívio encontrado por ela foi ir até uma piscina perto de onde estavam, em Friburgo, e nadar por cerca de uma hora. “Foi o que tive que fazer para não enlouquecer”, conta Nora. “A natação ajudou muito, eu saía da água relaxada. Nadar é como lavar o cérebro dos problemas.”

A iniciativa foi aprovada pelo marido. “Quando falei com o Paulo, coitado, ele, que não podia mais falar, fez um sinal de que estava aprovando”, conta Nora, 23 anos depois, imitando os gestos e a expressão de felicidade dele.

Paulo morreu aos 85 anos, em dezembro daquele ano, cerca de três meses depois de Nora começar a nadar. Para lidar com o luto, ela continuou no esporte. “Passei pelo mesmo processo anos antes, quando minha mãe foi diagnosticada com câncer nos ossos. Na época, me envolvi com saltos ornamentais”, lembra.

Um dia, a equipe do Clube de Regatas Icaraí, em Niterói, por acaso foi treinar na mesma piscina que Nora, e o treinador, Gastão de Figueiredo, um campeão mundial na categoria Master, notou a técnica da arquiteta de 68 anos. “’Você até que nada direitinho’, ele me disse. Perguntou se eu gostaria de treinar com eles.”

O que era uma válvula de escape virou um hobby. Começou a competir na categoria Master de natação, reservada a atletas mais velhos, divididos por faixa de idade. Em pouco tempo, passou a participar de competições mundiais, de preferência nadando borboleta, na categoria de revezamento Medley, 400 metros.

As medalhas, prata, bronze e ouro, se acumularam em mais de duas décadas como nadadora — hoje, algumas adornam as paredes do apartamento onde mora, em Botafogo. Neste ano, irá nadar na categoria de 91 a 95 anos no Uruguai, em disputa pelo campeonato sul-americano. Apesar do evidente orgulho das medalhas, ela brinca de desdenhar das vitórias. “A Maria Lenk me dizia sempre, para vencer no Masters basta viver mais do que os outros.”

Não há previsão de parar. Nora olha para o futuro sem medo. “Depois desse ano, só vou competir de novo aos 96, quando mudar para a categoria de 96 a 100.” Nora, com movimentos precisos, rápidos, memória fiel e fala rápida, quando chegar à nova categoria, tem tudo para encher as paredes com mais medalhas. A principal, porém, ela guarda no coração. “A minha medalha de ouro fica aqui no peito, que é ser viúva do Paulo Rónai.”  

Confira no site da Revista Fleury um vídeo com outras histórias contadas por Nora Rónai. Acesse fleury.com.br/saude-em-dia


Giselli SouzaA corrida foi a forma que a jornalista encontrou para lidar com a doença da mãe

GISELLI SOUZA
A vida da jornalista Giselli Souza, 35 anos, era caótica em 2007. Ela trabalhava muito além da jornada, não almoçava, fumava um maço de cigarros por dia e estava bem acima do peso – chegou aos 83 quilos. “Jogava as frustrações na comida, no bar e no trabalho”, conta a paulistana. Uma má notícia, porém, a fez parar para pensar: sua mãe descobriu um câncer nos ossos. Acompanhar a doença causou um abalo emocional em Giselli, que caiu em depressão. Na terapia, a psicóloga indicou dois caminhos. “Ela me fez ver que eu precisava escolher entre ficar bem comigo mesma ou seguir no caminho de me autodestruir. Eu não via nenhum prazer em viver, e não tinha noção de como mudar.”

A ideia de fazer caminhadas no parque veio de um ex-namorado. Ela topou: acordou cedo, vestiu roupas esportivas, colocou o cigarro no bolso e foi conhecer uma turma de corredores. Aos poucos, tomou gosto por correr e largou o cigarro, para a alegria da mãe. “A corrida foi minha forma de encarar a doença. Fazia tempo que não convivia com essa energia, com uma visão positiva.”

A dedicação ao esporte trouxe a disciplina para mudar os hábitos. Giselli passou a ir à academia, começou a acordar cedo, voltou a cozinhar e trocou de emprego. Resultado: emagreceu 22 quilos e redescobriu o prazer de comprar roupas. Hoje, é autora do blog Divas que Correm, que formou uma comunidade de 30 mil fãs no Facebook. Em 2010, um mês depois de sua mãe falecer, Giselli correu, pela primeira vez, a São Silvestre. “Quando cruzei a linha de chegada, tive clareza de que esse era o estilo de vida que eu queria.” Sua nova meta passou a ser tornar-se maratonista. No ano seguinte, lá estava ela estreando na meia maratona (21 km) de Buenos Aires.

Em 2013, correu os 42 km da maratona do Rio de Janeiro. Ela até flerta com as ultramaratonas (89 km), mas se diz satisfeita com a distância que corre hoje. “Ser ultramaratonista exige muito treinamento e abrir mão do tempo que passo com meu namorado, meus amigos. Meu desafio hoje é equilibrar a vida, aproveitar o que há de melhor”, explica. “Quero fazer 40 anos correndo a maratona de Boston. Quem sabe com 50 não faço a ultramaratona da África do Sul?”

Carla Moranga

“Quando a gente ganha peso, uma hora para de olhar, porque não consegue fazer nada.”

CARLA MORANGA

Dar uma pausa no dia agitado e sentar para comer direito era raridade para a publicitária Carla Moranga, 41 anos, de Santo André (SP). Com uma alimentação desregrada, ela foi engordando: as roupas passaram a não servir, o fôlego para subir a rua começou a rarear e a disposição foi ficando escassa. Até que chegou o dia em que um rapaz ofereceu a ela o assento preferencial no metrô. “Foi um tapa na cara bem forte. A primeira coisa que fiz foi procurar uma balança”, diz Carla. Ela não gostou nada do que viu: 71 kg distribuídos em 1,47 m. Seu índice de massa corporal de 32,9 a colocava na categoria dos obesos. “Eu vivia caindo, porque me desestabilizava, era difícil amarrar tênis. Isso me deixava infeliz: estava sempre mal-humorada, cansada. Percebi que tinha de mudar.”

O primeiro passo foi fazer uma avaliação médica. Segundo o endocrinologista, como ela não comia com frequência, seu corpo se habituou a estocar, em forma de gordura, as poucas refeições do dia. Carla começou uma dieta com a qual perdeu oito quilos. Mas um revés – ficar de molho em casa após quebrar o dedo – a fez ganhar 15 kg.

No ápice do sobrepeso, ela resolveu mudar a tática. Passou a seguir a dieta Atkins, que prega o baixo consumo de carboidratos para forçar o organismo a queimar gordura. Voltou a cozinhar, começou a planejar as compras em função dos alimentos que podia comer e reforçou a dose de legumes e verduras. De família italiana, usou a criatividade para deixar as massas de lado. “Aprendi a fazer lasanha de berinjela e macarrão de abobrinha”, diz. Também saiu do emprego e abriu uma consultoria para ter mais tempo para dedicar a si mesma.

Um ano e meio depois, a publicitária havia perdido 22 kg, sem fazer exercícios. “Sinto meu corpo funcionando melhor. Fica difícil querer voltar a comer como antigamente.” A dieta é mantida até hoje, mas pelo bem-estar, pois ela não pretende emagrecer mais. “Não quero ter barriga chapada. Sempre fui magrinha, e quando engordei gostei de ter mais seios e mais quadril. Esses três quilos são estratégicos”, diverte-se.