Criopreservação social de óvulos serve para todas?

Estratégia depende de boa qualidade oocitária para ser bem-sucedida

Dr. Daniel Suslik Zylbersztejn*


A técnica de congelamento de óvulos é realizada há várias décadas e o primeiro nascido vivo proveniente de um óvulo vitrificado ocorreu na Austrália, há mais de 30 anos. Mesmo assim, só deixou de ser considerada experimental em 2012 pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva. Naquela ocasião, embora já se falasse sobre criopreservação
social de óvulos, a procura efetiva das pacientes por essa modalidade de tratamento ainda era um tanto anedótica nas clínicas de Reprodução Humana de nosso país. O empoderamento feminino conquistado nas últimas décadas e o aumento da participação
da mulher no mercado de trabalho em condições semelhantes ao sexo oposto trouxeram à tona questões que antes não constavam de sua pauta, como o pouco tempo disponível para a construção de relacionamentos conjugais e a formação de uma família com a vinda da prole.

A preocupação sobre o momento ideal da gestação durante a vida profissional ganhou contornos críticos com a pandemia de Covid-19, quando as relações interpessoais ficaram muito prejudicadas, os riscos obstétricos, fetais e perinatais se acentuaram e o adiamento forçado da formação da prole se tornou uma enorme angústia para grande parcela das
mulheres. Nesse cenário, as clínicas de Reprodução Humana observaram uma procura por congelamento de óvulos nunca vista antes no Brasil, com aumento de mais de 30% dos casos de estimulação ovariana para preservar a fertilidade, em especial por mulheres independentes.

Isso gerou nos profissionais médicos e nas clínicas uma atenção especial para tal grupo, com ofertas de pacotes de criopreservação de óvulos, disseminação dessa modalidade de preservação de fertilidade nas mídias sociais e, por consequência, geração de um awareness sobre a importância do procedimento para a vida reprodutiva futura. Dessa
forma, surgiu a aparente receita perfeita de um “ciclo virtuoso”: de um lado, a procura pelos tratamentos gerando mais apetite do mercado em ter mais pacientes e, de outro, a criopreservação social de óvulos aumentando. Mas o fenômeno será realmente benéfico para todas as pacientes que desejam preservar sua fertilidade?


Paradigma

A resposta para esse questionamento está no que denomino o “paradigma” do congelamento de óvulos, que reside no fato de que as pacientes mais jovens (abaixo
de 35 anos), biologicamente com óvulos mais aptos para uma gravidez, têm menos potencial de vir a utilizá-los, já que contam com tempo disponível para naturalmente
conquistar sua prole. Já as mulheres acima de 35 anos, ainda a maioria a buscar o congelamento de óvulos, são as com chance maior de precisar usá-los, porém com
taxa menor de gravidez porque eles apresentam qualidade inferior e maior taxa de aneuploidias. Para a mulher com idade até 30 anos, criopreservar de oito a dez óvulos
pode ser o suficiente para engravidar. Já para aquelas com mais de 35 anos, ter um número maior de óvulos congelados não aumenta necessariamente as chances
de gravidez devido à piora da qualidade global oocitária.

Portanto, definitivamente a criopreservação de óvulos não pode ser considerada uma panaceia da preservação da fertilidade. Assim, as informações sobre as taxas de
gestação com óvulos congelados conforme idade e reserva ovariana devem sempre ser explicadas ativamente à paciente pelo médico infertileuta. A opção é excelente
para mulheres até 35 anos, com boa reserva ovariana. Acima dessa idade, faz-se necessária uma avaliação personalizada para entender o real benefício do tratamento,
bem como uma explicação realística da probabilidade de concepção com o uso de tais óvulos. Apenas com essa transparência, a criopreservação social de óvulos deixará
de ser uma enorme frustração e tristeza para muitas para se transformar em uma verdadeira esperança e alegria quando sua indicação ocorrer de forma correta.


*Dr. Daniel Suslik Zylbersztejn
é consultor médico de Análise Seminal do Fleury
e coordenador médico do Fleury Fertilidade.
[email protected]