Crônica de uma consulta moderna na era dos smartwatches

Inserção silenciosa dos smartwatches na saúde

Dr. Bruno Aragão Rocha*

João, 65 anos, escriturário, tem hipertensão e diabetes há dez anos, controladas com anlodipino 5 mg e glicazida 60 mg. Dois meses atrás, procurou Dr. Alcino, cardiologista com 17 anos de experiência clínica, queixando-se de dispneia aos moderados esforços, fadiga, edema de membros inferiores e dispneia paroxística noturna. Em avaliação inicial, apresentou estertores crepitantes em ambas as bases e discreta turgência jugular. O
médico suspeitou de insuficiência cardíaca e solicitou ECG e ecocardiograma.

Nos últimos meses, João passou a usar um Apple Watch e, no início de dezembro/23, soube de uma nova funcionalidade lançada pelo Fleury, o Meu Fleury. Com a ferramenta, autorizou a migração dos dados da Apple relacionados a saúde e atividade física para seu prontuário de resultados de exames. Assim, Dr. Alcino conseguiu entrar no Portal do Médico e ver um resumo temporal de João sobre número diário de passos, frequência
cardíaca (FC) média em repouso, FC média em caminhada/ exercício e outras informações.

Dois minutos antes da consulta de retorno, Dr. Alcino checou os resultados dos exames no Portal do Médico, bem como os dados do Apple Watch de João, que mostraram média diária de passos de 1.800 e FC média em repouso de 91 bpm nas últimas semanas. O ECG revelou FC de 98 bpm, sem sinais de sobrecargas. O ecocardiograma apontou dilatação discreta de câmaras esquerdas e hipocinesia difusa, com fração de ejeção moderadamente reduzida (37% pelo Teichholz). Diante dos resultados, prescreveu carvedilol 3,125 mg 2x ao dia, furosemida 40 mg e enalapril 5 mg 2x ao dia, com ajuste progressivo a cada duas semanas, e introdução posterior de dapaglifozina 25 mg
e espironolactona 10 mg. Por conta do betabloqueador, pediu uma cintilografia de perfusão miocárdica com estresse farmacológico para investigação etiológica, cujo resultado foi normal.

Na consulta seguinte, João exibia bom estado geral, classe funcional II NYHA, sem edemas ou estertores, e havia perdido 10 kg. Dr. Alcino manteve as medicações e suspendeu o diurético. Após duas semanas, porém, passou a se sentir mais cansado que o habitual e a ter episódios ocasionais de tontura ao se levantar. O cardiologista foi avisado dos novos sintomas pelo WhatsApp de seu consultório e acessou os dados do Apple Watch de João. De fato, no mesmo período dos sintomas, a FC em repouso do paciente ficou consistentemente abaixo de 50 bpm. Em vista disso, antecipou o retorno e pediu um novo
ECG, que acusou bradicardia sinusal, e exames laboratoriais que não trouxeram informações adicionais.

Com o achado e a queixa de fadiga, Dr. Alcino ajustou a dose de carvedilol para 12,5 mg 2x ao dia. Propôs ainda uma revisão do estilo de vida, focada na promoção da atividade física regular, com a meta de, ao menos, 7.000 passos diários, além de mudança nos hábitos alimentares.


Vídeos em vez de fotos estáticas
Apesar dos nomes e situações fictícias, este relato não se distancia da prática clínica e revela a inserção silenciosa dos smartwatches na saúde, incrementando a semiologia tradicional. Fazendo uma analogia, é como se antes tivéssemos de entender a narrativa de
um filme por fotografias estáticas de algumas cenas coletadas em consultas e exames tradicionais. Com a agregação dos dados dos wearables, ganhamos alguns vídeos que nos permitem entender um pouco melhor o que acontece com a saúde dos pacientes fora do consultório.

Como médicos, portanto, devemos nos aproximar ainda mais desses dados, assumindo o papel de orientadores informados, guiando nossos pacientes no uso prático de tais informações, dando-lhes significado e trazendo benefício clínico com o monitoramento contínuo, sempre de forma responsável e ética.


* Bruno Aragão Rocha é coordenador médico
de Inovação do Grupo Fleury.
[email protected]