Anticorpos antinucleossomo: diagnóstico e monitoração do lúpus eritematoso sistêmico (LES)

O exame pesquisa o mesmo sistema de autoanticorpos responsável pela formação da célula LE, por meio da metodologia de ELISA, que traz grande sensibilidade, margem de erro desprezível e possibilidade de automatização e padronização interlaboratorial.

Há mais de 50 anos foi descrito o fenômeno das células LE, causado por IgG anticromatina que se liga ao núcleo de neutrófilos lesados, ocasionando opsonização e propiciando a fagocitose desses núcleos. Por décadas, este foi um ensaio de grande aplicabilidade clínica e alta especificidade para o diagnóstico do LES, fazendo parte dos critérios para classificação do LES até o ano de 1997. Entretanto, foi paulatinamente abandonado devido à sua sensibilidade limitada, grande variabilidade interlaboratorial, ao fato de ser uma técnica muito trabalhosa e não passível de automatização e à considerável possibilidade de erros em mãos não experientes. Em seu lugar impuseram-se os testes para pesquisa de anticorpos antinúcleo (FAN), anti-DNA nativo e outros auto-anticorpos associados ao LES. Em 1997 o Colégio Americano de Reumatologia (ACR) decidiu eliminá-lo do rol de critérios para classificação do LES por considerar que a pesquisa de anticorpos antinúcleo (FAN) tem maior sensibilidade. Hoje, o mesmo sistema de auto-anticorpos responsável pela formação da célula LE (anticorpos contra o complexo desoxirribonucleoproteína-histona ou cromatina) volta a despertar grande interesse, agora pesquisado por metodologia de ELISA, que traz grande sensibilidade, margem de erro desprezível e possibilidade de automatização e padronização interlaboratorial.

A cromatina é um complexo macromolecular nativo com 40% de DNA, 40% de histonas e 20% de outras proteínas e RNA. O arranjo da cromatina se faz sob a forma de nucleossomos interligados por trechos de DNA associado à histona H1, como um colar de contas (Figura 1). Cada nucleossomo é formado por um segmento de DNA com cerca de 200 nucleotídeos enrolado em torno de um octâmero de histonas (H2A-H2B-H3-H4)2. Os anticorpos antinucleossomo reconhecem epítopos de DNA e/ou histonas expostos exclusivamente no nucleossomo nativo.

Os diversos estudos da literatura evidenciam que a detecção de anticorpos antinucleossomo por ELISA confere uma sensibilidade de 60-70% e uma especificidade de 86-100% para o diagnóstico de LES. Essa variabilidade reflete determinadas condições técnicas do ensaio de ELISA. Preparações imperfeitas de nucleossomos podem conter outras proteínas associadas à cromatina (p. ex., Scl-70, Ku) resultando em menor especificidade do método. O estabelecimento do valor de corte (cut-off) correto é também de grande importância para se alcançar boa sensibilidade e especificidade.

Nossa experiência com sistemas de ELISA usando preparações altamente purificadas de nucleossomos sugere bom desempenho diagnóstico. Em uma análise de pacientes com lúpus em atividade, obtivemos uma sensibilidade de 78% e uma especificidade de 95% frente a pacientes com outras doenças reumáticas e doenças infecciosas. Entre 54 amostras de pacientes com LES testadas simultaneamente para anti-DNA nativo (por IFI em Crithidia luciliae) e antinucleossomo observou-se sensibilidade de 39% e 78%, respectivamente. Houve concordância entre ambos os testes em 50% dos casos (33% concordância positiva e 17% concordância negativa). Nos outros 50% dos casos (discordância) houve positividade para antinucleossomo isoladamente em 24 casos e para anti-DNA isoladamente em 3 casos.

A literatura registra também que os anticorpos antinucleossomo seriam os mais precoces na história evolutiva do LES e que guardariam correlação com a atividade da doença. Em 23 pacientes com LES em atividade e acompanhados prospectivamente por 4 meses após início de imunossupressão, observamos concordância com o status clínico em 61% para anti-DNA e em 78% para antinucleossomo. Quando foram analisados apenas os pacientes que mudaram de status clínico durante o acompanhamento, observou-se concordância de 40% e 80% entre a mudança de status clínico e os níveis de anti-DNA e antinucleossomo, respectivamente.

Figura 1: Desenho esquemático da cromatina e nucleossomo. A cromatina contém o DNA, histonas e diversas outras proteínas, em um arranjo concatenado, como um colar de contas. As contas representam os nucleossomos, que consistem de um segmento de DNA firmemente enrolado em um núcleo de 8 moléculas de histonas (2 H2a, 2 H2b, 2 H3 e 2 H4). O segmento entre os nucleossomos é composto primordialmente por DNA, histona H1 e proteínas não-histonas. Tratamento enzimático e bioquímico em condições minimamente desnaturantes permitem obter preparações purificadas de oligonucleossomos.