Síndrome mielodisplásica tem incidência maior que a registrada

A síndrome mielodisplásica (SMD) é um conjunto heterogêneo de moléstias hematológicas malignas ainda

A síndrome mielodisplásica (SMD) é um conjunto heterogêneo de moléstias hematológicas malignas ainda pouco compreendido. Trata-se de doença clonal de célula precursora hematopoética caracterizada por produção ineficaz em uma ou mais linhagens celulares da medula óssea. A despeito da medula hipercelular com displasia, há citopenias no sangue periférico devido a aumento da apoptose e instabilidade genética. Inicialmente, pode haver citopenia isolada ou pancitopenia, o que, por vezes, evolui para a franca leucemia (40%). Os pacientes que não sofrem transformação leucêmica acabam evoluindo com falência medular (30%) ou apresentam complicações por outras causas (30%).

O diagnóstico é feito a partir das manifestações clínicas, com base nos achados citomorfológicos do sangue periférico e da medula óssea, nos aspectos histológicos da biópsia de medula e nas alterações citogenéticas ou genético-moleculares, entre outros exames. Uma vez diagnosticado, o paciente é classificado em um dos diferentes subtipos (FAB ou OMS) e tem seu prognóstico estratificado de acordo com diretrizes internacionais, como IPSS e WPSS, entre outras.

As alterações cromossômicas confirmam o diagnóstico e a clonalidade, auxiliam a diferenciação de situações reacionais e identificam subtipos biológicos peculiares que, eventualmente, dirigem o paciente para tratamentos específicos, além de permitirem a estratificação de prognóstico. Mais recentemente, diversas alterações genético-moleculares vêm sendo descritas com frequência variável entre os diferentes subtipos e, num futuro próximo, espera-se que elas contribuam com o conjunto diagnóstico ou sirvam de alvo para terapias específicas.

Dificuldade diagnóstica

A SMD tem recebido dedicada atenção de pesquisadores e clínicos, especialmente nas últimas três décadas. O diagnóstico, a classificação e os sistemas de escore prognóstico foram atualizados e novas drogas estão disponíveis. Entretanto, apesar de todo o avanço alcançado, o diagnóstico definitivo nem sempre é fácil. Diversas condições clínicas podem apresentar características e sintomas semelhantes, tornando o diagnóstico diferencial extenso e, por vezes, complexo.

A doença é mais frequente em idosos, acima de 65 anos de idade, mas pode ocorrer em qualquer faixa etária. Em estudos conduzidos na Unifesp – Escola Paulista de Medicina, bem como em outros centros especializados no Brasil, a mediana de idade dos pacientes varia desde os 58 anos a mais de 70 anos.

A prevalência da SMD está aumentando devido ao envelhecimento da população mundial e ao maior índice de cura no tratamento de tumores sólidos, situação na qual aparecem as chamadas SMDs secundárias à químio e/ou à radioterapia. Além disso, a doença vem sendo cada vez mais reconhecida por suas características peculiares, na mesma medida em que os avanços no conhecimento permitem a identificação de subtipos mais bem definidos.

Ainda assim, a expectativa que se tem é a de que muitos casos ainda permaneçam sem identificação e, por conseguinte, não sejam computados nas estatísticas. Com isso, a incidência da doença parece ser bem maior do que a até então estimada nos EUA, de 3,3 casos para 100.000 habitantes/ano. De fato, numerosos casos de SMD só são detectados quando os pacientes, até então com manifestações frustras, pioram e passam a precisar de atenção pormenorizada. Assim, por carência de diagnóstico preciso, vários casos ficam fora das estatísticas.

Uma vez que a doença é de natureza crônica, indivíduos assintomáticos, mas com diagnóstico morfológico, ou mesmo sintomáticos, porém com anemia inespecífica e incompletamente diagnosticada, podem não ter seus dados inscritos num sistema centralizado até que o médico complete o estudo do sangue e da medula óssea. Além disso, o reconhecimento da síndrome pode ser desafiador em algumas situações clínicas fronteiriças, conforme acima apontado. Ademais, muitos pacientes sucumbem de complicações advindas da neutropenia, da anemia ou da trombocitopenia e só nesse momento crítico a investigação da doença é realizada.

Apesar de a SMD ser amplamente reconhecida pelos hematologistas, grande parte do atendimento primário cabe a generalistas, que devem, em seguida, encaminhar o paciente para um diagnóstico rápido e preciso. Portanto, o conhecimento das características da SMD pelo profissional que efetua a atenção primária é imperioso. Adicionalmente, os registros nacionais de câncer ainda não selecionam especificamente esse conjunto de doenças. Eis um problema que deveria receber mais atenção em nosso meio.

Referência:

Cogle ET AL, Blood, 2011,117(26):7121-25. Incidence of the myelodysplastic syndromes using a novel claims-based algorithm: high number of uncaptured cases by cancer registries.