Diagnóstico das diarreias em crianças | Revista Médica Ed. 1 - 2015

Em que situações, e com que recursos, vale investigar a etiologia da diarreia aguda em crianças

História e estado do paciente indicam a necessidade de investigação, a princípio inespecífica e, depois, de acordo com a suspeita etiológica


Dra. Carolina S. Lázari*

 

Em longo prazo, os quadros agudos recorrentes de diarreia infantil podem resultar em desnutrição e déficit de crescimento e desenvolvimento cognitivo, sobretudo em cenários com poucos recursos socioeconômicos. Assim, recomenda-se pesquisar a causa da condição sempre que ela persistir por mais de um dia, que o paciente estiver desidratado já no primeiro atendimento – independentemente do tempo de evolução – e que houver sintomas de inflamação intestinal ou sistêmica, como febre e presença de muco ou sangue nas fezes. A recorrência dos episódios, ainda que de curta duração, também deve motivar a investigação. 

Alguns testes inespecíficos nas fezes contribuem para confirmar a origem dos quadros, como a clássica pesquisa de hemácias e leucócitos. Mais recentemente, a dosagem de calprotectina vem se mostrando sensível e específica para diagnosticar diarreias inflamatórias, das quais as infecciosas formam um subgrupo – nestas, a calprotectina apresenta valores elevados, indicando a necessidade de investigar agentes infecciosos.


Em nosso meio, os vírus respondem por até três quartos dos casos em crianças. Uma vez que esses agentes dividem espaço com aqueles que naturalmente integram a microbiota intestinal, os testes devem ser direcionados aos que são classicamente patogênicos, como o rotavírus, o adenovírus e o norovírus. 


O exame preferencial para suspeitas de rotavírus e adenovírus é a pesquisa rápida de antígenos nas fezes por ensaios imunocromatográficos, que detectam ambos os patógenos simultaneamente e substituem os métodos moleculares. Para o norovírus, que costuma ocorrer em surtos, em indivíduos com convívio próximo ou confinados, não há teste rápido disponível, razão pela qual a busca tem de ser feita por reação em cadeia de polimerase nas fezes. 


Outros patógenos


Já as diarreias bacterianas são menos comuns em lactentes, porém sua incidência aumenta com a idade e a diversificação da alimentação. Deve-se suspeitar dessa origem diante de comprometimento do estado geral, febre, dor abdominal persistente e sangue nas fezes. Nesses pacientes, a coprocultura é mandatória. A Escherichia coli está por trás da maioria dos casos, embora possam ocorrer, menos frequentemente, Salmonella, Shigella e Campylobacter. Se houver sinais de síndrome hemolítico-urêmica (SHU), o pedido médico deve descrever a necessidade de pesquisa específica de E. coli O157:H7. 


A presença de sangue nas fezes correlaciona-se também com infestações por protozoários, em particular a Entamoeba histolytica, nas quais a diarreia costuma durar mais de sete dias. O encontro de tais agentes somente é possível com a coloração tricrômica específica, incluída em todos os exames parasitológicos de fezes do Fleury. Há ainda ensaios imunoenzimáticos para flagrar antígenos tanto da Entamoeba quanto da Giardia lamblia, outro protozoário bastante implicado nos quadros diarreicos subagudos ou recorrentes. Na investigação da Entamoeba, esse teste é essencial para diferenciar a patogênica E. histolytica da E. dispar, comensal.


O fato é que existem diversos recursos para esclarecer a etiologia das diarreias infantis, aplicáveis em situações distintas. O adequado conhecimento de suas indicações e a interpretação correta dos resultados são fundamentais para o manejo clínico e a prevenção de complicações dessas doenças. 



*Carolina S. Lázari é assessora médica do Fleury em Infectologia.

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Com a colaboração dos assessores médicos:

Dra. Márcia Wehba E. Cavichio (Gastropediatria)

Dr. Jorge Mello Sampaio (Microbiologia)

Dr. Celso Granato (Infectologia)