Os desafios da urticária | Revista Médica Ed. 1 - 2016

Especialista alemão revela como transpõe as dificuldades diagnósticas que essa doença impõe.

Especialista alemão revela como transpõe as dificuldades diagnósticas que essa doença impõe.


O quadro é mesmo urticária? O paciente sabe o que faz surgir as placas urticariformes? Qual o impacto das crises em sua vida? Com questões desse tipo, o dermatologista e pesquisador alemão Marcus Maurer procura chegar ao diagnóstico da condição, limitando-se a utilizar apenas alguns testes laboratoriais. “Listamos, nos guidelines, uma série de perguntas que podem ser usadas no levantamento da história clínica, que eu recomendo”, assinala Maurer, que é professor de Dermatologia e Alergia da Universidade Charité, em Berlim, Alemanha, e diretor-associado do Centro de Alergia do Hospital Charité, além de estar à frente de dois grupos que estudam a urticária, o Unev e o Galen Taskforce. 


Na entrevista a seguir, que concedeu à nossa reportagem durante sua estada no Brasil, no ano passado, o especialista relata o que tem descoberto no dia a dia da desafiante abordagem da urticária, especialmente para diferenciar a etiologia dos casos.


  

Marcus Maurer, professor de Dermatologia e Alergia da Universidade Charité, em Berlim, Alemanha.

ARQUIVO FLEURY


Quais são as principais causas de urticária?


Quando falamos dessa condição, estamos nos referindo a um grupo de doenças do qual fazem parte diversos tipos de urticária, causados por diferentes mecanismos. Na forma aguda, em que os sintomas duram algumas semanas, as crises geralmente derivam de infecções e reações a drogas, embora muitos pacientes não apresentem causas tão óbvias. Na forma crônica, especialmente na espontânea, em que as manifestações ocorrem por meses a anos, os desencadeantes mais comuns incluem os componentes dos alimentos, as infecções crô- nicas e a autorreatividade. Os guidelines para tratamento da urticária crônica espontânea recomendam olhar para as causas subjacentes em pacientes com doenças crônicas, o que não é fácil na prática clínica, mas representa a única chance de tratar o problema mais do que suprimir os sintomas.


Existem questões cruciais para guiar o diagnóstico da doença? 


A história é absolutamente essencial para o tratamento da urticária crônica espontânea. Para muitos casos, as soluções e os tratamentos baseiam-se no meu aprendizado de conversas com os pacientes. Quando eu os avalio, tenho três perguntas em mente. Em primeiro lugar, questiono se o quadro é realmente urticária, pois preciso levar em conta a possibilidade de que outras doenças possam ser responsáveis pelos sintomas. E, entre esses diagnósticos diferenciais, estão incluídas as condições autoinflamatórias, a urticária vasculite e o angioedema mediado por bradicinina. Minha segunda questão se refere às causas e aos desencadeantes. O que desejo pesquisar é se os indivíduos sabem o que faz surgir as placas urticariformes, as urticas e o angioedema e se há desencadeantes que pioram o quadro. A terceira questão diz respeito à gravidade e ao impacto da doença nas suas vidas. É muito importante reconhecer que a urticária crônica impacta a qualidade de vida no momento de tomar a decisão terapêutica. Enfim, listamos, nos guidelines, uma série de perguntas que podem ser usadas no levantamento da história clínica, que eu recomendo.


Quais exames laboratoriais devem ser solicitados na urticária crônica e em que momento?


No passado, portadores de urticária crônica, pelo menos em meu país, eram sujeitos a múltiplos testes, usualmente sem maiores benefícios. Sugiro limitar os exames aos básicos, sanguíneos, de forma a responder se existe inflamação sistêmica grave associada. Para isso, bastam as dosagens de PCR ou VHS e o hemograma. De qualquer modo, importa saber que esses testes não evidenciam as causas. Para buscá-las, a investiga- ção laboratorial deve se basear na história e aplicar-se apenas a pacientes selecionados, a exemplo daqueles com doença crônica e de longa duração. 


Quais exames laboratoriais devem ser solicitados na urticária crônica e em que momento?


No passado, portadores de urticária crônica, pelo menos em meu país, eram sujeitos a múltiplos testes, usualmente sem maiores benefícios. Sugiro limitar os exames aos básicos, sanguíneos, de forma a responder se existe inflamação sistêmica grave associada. Para isso, bastam as dosagens de PCR ou VHS e o hemograma. De qualquer modo, importa saber que esses testes não evidenciam as causas. Para buscá-las, a investiga- ção laboratorial deve se basear na história e aplicar-se apenas a pacientes selecionados, a exemplo daqueles com doença crônica e de longa duração.


Como a dieta participa do quadro de urticária?


Muitos dos meus pacientes acreditam que a urticária seja causada por alergia alimentar ou por intolerância a alguns alimentos. Na minha experiência, a alergia alimentar é uma causa rara da urticária. Algumas vezes, desencadeia a forma aguda, mas não os casos da forma crônica espontânea. A seu turno, o envolvimento da intolerância a alguns alimentos na origem da urticária se mostra muito mais comum. Para confirmar essa hipótese, utilizamos uma dieta complexa e restritiva por quatro semanas, monitorando a atividade de doença nesse período. Cerca de 30% dos pacientes do meu serviço se beneficiam dessa dieta e muitos observam melhora na atividade da doença quando constatam a reação aos alimentos individualmente. Mas é preciso levar em conta que a relevância da intolerância alimentar e o benefício dessa restri- ção podem ser diferentes em cada país, pois as exposições são distintas.


O que é mais grave: a urticária isolada ou a associada com angioedema? 


Claramente, o angioedema é uma das piores formas da urticária crônica. Hoje definimos a urticária como a presença de pápulas, de angioedema ou de ambos. Cerca de 40% dos pacientes desenvolvem pápulas sem angioedema e cerca de 50% têm ambas as manifestações. Um pequeno grupo, de 10%, apresenta angioedema sem nunca ter pápulas. De acordo com o que observo, a presença de angioedema está associada com pior qualidade de vida e maior probabilidade de necessidade de segunda ou terceira opções terapêuticas. Quando questionados sobre o que há de pior na urticária, os pacientes mencionam o angioedema e o prurido.


Como a depressão e a ansiedade impactam o diagnóstico e o tratamento da urticária?


Na nossa experiência, cerca de 50% dos pacientes com urticária crônica espontânea moderada a grave manifestam ansiedade ou depressão, com pior qualidade de vida. Acredito que tais sintomas se devam mais à urticária do que a qualquer outra causa. Mas também ficou claro que o estresse e a presença de comorbidades psicológicas podem aumentar a atividade da doença. De rotina, portanto, avaliamos esses problemas e as comordidades dos pacientes e indicamos o tratamento psicológico quando necessário.


Entrevista concedida à Dra. Barbara Gonçalves da Silva, consultora médica do Fleury.